Salvato Teles de Menezes: “Em Cascais há 82% das nacionalidades que há no mundo, e aqui convive-se perfeitamente”
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___________________________________________________________________________________Entrevista com o Professor Salvato Teles de Menezes, Presidente e Diretor-Delegado da Fundação D. Luís I, no âmbito das Residências Literárias de Escrita organizadas pela Fundação.
Professor Salvato Teles de Menezes da Fundação D. Luís I. Estamos aqui por causa da residência de uma escritora brasileira, latino-americana, a Nara Vidal. Antes de qualquer coisa, queria que nos falasse destas residências literárias.
Como sabe, em Portugal existem várias manifestações ligadas à literatura, e nós aqui, no conselho diretivo da Fundação D. Luís I, até pelo conjunto muito significativo de escritores que viveram em Cascais, alguns se calhar até nasceram em Cascais, nasceram, viveram ou tiveram relações muito estreitas com Cascais, com casas de férias, etc, pensámos em duas situações para, de alguma maneira, também entrarmos nesse circuito. Há municípios que têm atividades muito interessantes, e o que nós tentámos foi encontrar uma proposta, um projeto que fosse um pouco diferente. Então enveredamos por essa ideia das residências literárias, para as quais convidamos escritores das mais diversas origens, e até haveremos de ter escritores portugueses.
E também criámos uma cátedra. Portanto, nós temos uma cátedra que estuda exclusivamente esses escritores que têm uma relação próxima com Cascais. Então, achámos que havia aqui uma complementaridade possível, e a verdade é que as experiências dos convidados que já tivemos até hoje são excelentes. Começando pelo Olivier Rolin, passando pelo Cunningham, o Cercas, e também há aqui na Câmara de Cascais uma conceção da nossa estratégia cultural que passa pelo entendimento da relação que nós julgamos ser de aprofundar entre duas línguas, a língua portuguesa e a língua espanhola. E, no futuro, vamos ter um Centro da Língua e do Mar que, em princípio, ficará instalado no Forte de Santo António da Barra, justamente para desenvolver toda esta estratégia que temos pensado. Aliás, quem inicialmente jizou a estratégia foi o próprio Presidente da Câmara, que entende que nós devemos tirar o máximo partido desta relação que o mar permite entre as nossas línguas e, naturalmente, as nossas culturas.
Portanto, por um lado temos o português, e por outro lado temos o espanhol. Temos naturalmente raízes comuns e, portanto, temos de aproveitar estas proximidades e tirar delas o máximo partido.
Então, tendo em conta essa aproximação à língua espanhola, digamos assim, é expectável mais programação cultural, mais iniciativas culturais relacionadas com o universo geográfico latino-americano?
Logo em fevereiro, no dia 19, vamos inaugurar uma exposição na galeria de exposições do Museu da Presidência, que agora está sob nossa gestão, na qual vamos apresentar fotografias de Presidentes da República na intimidade, portanto, será do Reagan e do Obama, será do Presidente Mário Soares e do Presidente Eanes, será do Presidente Lula e do Presidente Figueiredo. Portanto, o grande fotógrafo brasileiro Ricardo Stuckert, que é o fotógrafo do Presidente Lula, terá aqui dentro desta exposição um conjunto de 18 fotografias, porque 12 são aquelas dedicadas a cada um dos presidentes, e mais 6 que foram feitas pelo pai dele, que por sinal foi o fotógrafo do Presidente Figueiredo. Mas vamos continuar, e temos ideia de voltar a endereçar convite a outros escritores brasileiros. O caso da Nara Vidal é um caso especial, a Nara Vidal não está a trabalhar aqui num romance, como tem sido o caso dos anteriores.
Mas num livro sobre as personagens femininas em Shakespeare.
Exatamente. Portanto, também nos pareceu que era um aspeto interessante e que valorizava os estudos que neste momento estão a ser desenvolvidos. Aliás, em Portugal há uma pessoa que trabalhou muito sobre isso que é a Ana Luísa Amaral. Portanto, tudo isto, no fundo, se relaciona. A nossa ideia é aprofundar, de facto, os nossos laços com a América Latina e, no momento em que tenhamos esse Centro da Língua e do Mar, aumentará substancialmente esta relação que vamos estabelecer com os países da América Latina.
O que se espera que aconteça nesse Centro da Língua e do Mar?
Bom, o que nós queremos é, no fundo, utilizar a língua como o nosso mais importante trunfo. E esta coisa de que, temos que dizer isto, é um bocado mito dizer “os espanhóis não nos entendem”. Entendem, assim como nós os entendemos, e não é nenhuma questão inultrapassável. Já me encontrei a falar com espanhóis em certas situações, e nem preciso de falar “portunhol”, falo português que eles entendem-me muito bem. Portanto, temos de aproveitar esta proximidade para tirar o máximo partido e encontrar formas de colaboração que nos permitam potenciar a nossa influência cultural no mundo.
Através de várias manifestações artísticas, que podem incluir a literatura, mas outras também?
Outras também. Portanto, vamos ter, naturalmente, aproveitando depois a nossa experiência em termos de exposições, por exemplo, quer de fotografia, quer de pintura, quer de escultura, mas também outra coisa, vamos ter a partir de outubro um novo conceito que se vai chamar “Vila das Artes”, que é à volta do Edifício Cruzeiro, que está neste momento a ser recuperado, onde vamos colocar as artes performativas, e também nos interessa ter relações a nível do teatro, do cinema, da dança, e potenciar tudo isso à volta deste Centro da Língua e do Mar.
Como funcionam estas residências literárias? Os escritores podem candidatar-se ou é a Fundação que escolhe?
No caso da Nara Vidal, até foi ela que se propôs, mas habitualmente é a Fundação que escolhe, através da Dra. Filipa Melo, que é uma escritora e crítica literária que tem connosco uma relação antiga. Nós encarregamo-la de fazer a seleção e de convidar. No caso da Nara Vidal, ela achou que era também bom convidá-la, mas normalmente é ela que faz o trabalho de investigação sobre aqueles escritores que se adaptarão melhor. Há aqui um elemento importante que é o facto de que os escritores tenham alguma ideia de quem nós somos, sobre Portugal genericamente e sobre Cascais em particular. O Olivier Rolin conhecia muito bem Portugal, o Michael Cunningham conhecia muito bem Portugal, o Jonathan Coe conhecia muito bem Portugal, o Javier Cercas conhecia muito bem Portugal, a Nara Vidal também creio que conhece muito bem, até tem aqui amigos. Portanto, este elemento é importante. E os próximos convidados são uma escritora de origem palestiniana e um escritor israelita que trabalharão aqui em conjunto. Para que se perceba, porque é o outro aspeto que queremos também sublinhar, em Cascais há 82% das nacionalidades que há no mundo, e aqui convive-se perfeitamente. Nós temos o fecho do Ramadão e temos o Hanukkah, e tudo se passa com normalidade. No fecho do Ramadão, por exemplo, estiveram a assistir o prior de Cascais e o rabino, porque é uma política que tem sido promovida pelo Presidente da Câmara, a da integração e a da tolerância. Como ele diz, em Cascais não temos estrangeiros, são todos munícipes. E queremos que estas pessoas que vêm cá percebam esta ideia nossa e, tanto quanto eu pude retirar das conversas que tenho tido com os nossos convidados, eles perceberam muito bem.
Podemos então esperar, neste ano e seguintes, uma aproximação ao universo latino-americano através desse Centro da Língua e do Mar. Mas, e uma vez que está ligado aqui à cultura de Cascais há tanto tempo e que coordena tantos projetos, e para puxar a brasa à nossa sardinha da Casa da América Latina, queria perguntar-lhe: que projeto ligado à América Latina que já passou por Cascais destacaria ou qual o marcou mais por alguma razão? Há algum de que se lembre mais depressa?
Há um já muito rapidamente. Nós fizemos a comemoração da viagem do Magalhães com artistas latino-americanos no auge da pandemia. Esses trabalhos eram para ser enviados para Cascais, para serem expostos aqui no Centro Cultural de Cascais. Perante essa situação, que realmente complicou tudo e que não nos permitiu fazer o transporte das obras para cá, encontrámos uma solução que julgo ser inédita em Portugal. Com a abertura dos nossos parceiros nos países latino-americanos, o Chile, o Peru, etc, e dos seus artistas naturalmente, eles fizeram fotografias, – parece uma coisa simples mas não é tão simples assim – umas fotografias com um rigor e perfeição tal que nós transformamos a sala física numa sala virtual, e montámos as imagens dessas obras com a maior nitidez possível, e disponibilizámos isso aos visitantes através da internet. Não pode imaginar o êxito que isso foi, porque foi uma novidade para as pessoas que estão naturalmente, habituadas a ir aos museus ver. E então saber que havia aqui uma sala onde, curiosamente, ainda estava outra exposição porque nós não a mudámos por causa da pandemia, mas ao mesmo tempo essa sala estava virtualmente ocupada com uma exposição dedicada à viagem de Magalhães com artistas latino-americanos. Foi, de facto, interessante, sobretudo a reação das pessoas. O interesse manifestado por essa exposição foi extraordinário e isso leva-nos a pensar que, para lá da pandemia, vamos também prosseguir com essa experiência. Vamos encontrar outras situações para utilizar a mesma solução, e não quer dizer que seja só com a América Latina.
Há também aqui um aspeto de ordem pessoal que gostaria de referir. O Presidente da Câmara de Cascais teve na sua vida anterior profissional uma relação muito próxima com o Brasil em especial. Aliás, ele tem uma boa relação com a Secretária Geral da Casa da América Latina, com quem eu também tenho boas relações de há muitos anos, e por isso tenho uma longa experiência de relacionamento com a vossa Secretária Geral. E o que eu queria dizer é: nós até estamos abertos a sugestões que possam vir da Casa da América Latina para podermos colaborar.
Entrevista realizada por Raquel Marinho