Luís Filipe Castro Mendes: “É um escritor extraordinário porque usa a língua de uma maneira inovadora”

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Quando é que conheceu Rubem Fonseca? Em que circunstâncias, recorda-se?

Portanto, eu estive no Rio de Janeiro como Cônsul Geral entre 1998 e 2003, conheci muita gente que circulou pelos meios culturais brasileiros através de grandes amigos que tive lá como o José Aparecido de Oliveira, o Millôr Fernandes. Eu conheci essas pessoas e através delas fomos conhecendo as pessoas do as pessoas do meio cultural. O Rubem da Fonseca é um homem extraordinariamente afetivo, extraordinariamente simpático e atento aos outros, e é um grande escritor. Eu já conhecia os livros já conhecia e continuei a lê-lo sempre. É um escritor de uma crueza extraordinária, ele realmente consegue trazer à linguagem as experiências mais frias, mais amorais, mais cruéis, e tem também o outro lado dele, que é o lado mais luminoso da escrita dele que é o lado erótico, o lado fescenino, e isso está muito presente, essa polaridade entre o negro da condição humana, do crime, da violência, da dor, e o que é solar naquele gosto fescenino que é de um erotismo verdadeiramente, enfim, lembra-me o Bataille. É radical, quer dizer, ele vai até ao fundo e é de facto um escritor notável. Como amigo, era um bom amigo naturalmente, mais velho que nós, nós somos da idade da filha dele, de quem somos amigos, a Bia, e convivíamos muito. Ele tinha uma grande ironia, um olhar sobre as mulheres, um olhar muitíssimo atento a todas as mulheres bonitas que passavam, e era bom estar com ele.

E há alguma característica pessoal que distinga desse contato mais privado, que a maioria das pessoas não teve, porque apenas o conhecem de o lerem? Como é que ele era em convívio? 

Ele tinha muito humor, muita graça, fazia parte da personalidade dele. Nos contos dele, nas histórias dele há sempre uma referência a qualquer coisa portuguesa. Ele sentia uma ligação extraordinária a Portugal. Os pais dele eram portugueses, ele próprio teve nacionalidade portuguesa, por descendência adquiriu-a, e ele tinha realmente uma grande ligação às coisas portuguesas, por isso a conversa com ele era estipulada pelos amigos comuns, pela brincadeira, porque ele introduzia sempre o tom de brincadeira no convívio de leveza, de graça, de diversão. E, portanto, conviver com ele nunca era pesado, era um convívio que nos animava sempre, que nos fazia felizes. E portanto, esse convívio não de intimidade. Enfim, estou mais próximo da Bia, aliás continuamos muito amigos, a Bia e o Pedro (filha e genro de Rubem Fonseca), e com ele havia uma diferença de idade que se respeitava, mas não era uma distância porque ele era um companheirão, estava ali e como digo, a conversa dele era extremamente sedutora.

Ele é conhecido também por não ter dado entrevistas, não gostava desse da exposição pública, de dar entrevistas e falar do trabalho dele. O que pode levar a querer que era uma pessoa mais fechada. Não é o caso, era apenas uma decisão?

O convívio que tinha com ele não era um convívio de amigo íntimo, era uma convívio de pessoas que se estimavam. Eu senti que ele me estimava e era extremamente agradável conviver com ele. Nunca o senti fechado, talvez tivesse alguma dificuldade ou alguma relutância da exposição pública. Talvez não gostasse ou talvez tivesse uma certa coquetterie. Não sei bem, não sei bem, porque a minha relação com ele não se punha nesse pé. Essa distância que ele poderia manifestar a algumas pessoas, no nosso círculo ele não a manifestava. 

E esse círculo, Luís Filipe, era um círculo que ligava também a comunidade portuguesa lá no Brasil ou era o Luís Filipe, enquanto representante e também da diplomacia, com o meio cultural brasileiro? Havia portugueses ou não?

Eram pessoas com quem simpatizámos, que simpatizaram connosco, que nos adotaram dessa rede. E eu também tive a oportunidade de utilizar o Palácio de São Clemente, que é o nosso consulado lá, que é um grande palácio, para receções, encontros, colóquios, festas, para essas pessoas brasileira. A comunidade portuguesa estava presente também mas o Rubem Fonseca estava através da sua ligação a Portugal e não propriamente à ligação com as pessoas portuguesas da comunidade do Rio de Janeiro. Não era bem o mundo dele, a comunidade portuguesa, mas ele era, como muitos brasileiros, profundamente ligado aos seus pais e avós.

Para terminar Luís Filipe, para quem não o leu, porque é que diria a alguém que vale a pena ler Rubem Fonseca?

É um escritor extraordinário porque usa a língua de uma maneira inovadora e, ao mesmo tempo é um romance que se lê muito bem. Ele usa o género policial, o seu detetive é o Mandrake, e vários romances dele têm essa natureza. Portanto, é uma escrita que apaixona e é um enredo que também nos empolga. Depois tem o outro lado, o lado dos contos, que são extraordinários. Aliás, em vários contos dele ele reflete conteúdos mais erótico nesse sentido. Vale a pena lê-lo! Quer o lado do romance, tem um romance histórico muito bom que é “Agosto”, sobre o que se passa no tempo Getúlio Vargas  e acho que vale a pena lê-lo por todas essas razões.

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