Jaime Siles: “É o poema que impõe o seu trilho e fluxo”

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O poeta espanhol Jaime Siles foi um dos convidados da Semana da Poesia Ibero-americana, organizada pela Casa da América Latina, entre 21 e 25 de março, no âmbito da Capital Ibero-americana da Cultura 2017.

Doutorado em Filologia Clássica, Jaime Siles (Valência, 1951), foi professor nas Universidades de Salamanca, Viena, Graz, Salzburgo, entre outras instituições. Recebeu várias distinções pela sua obra e serviços prestados em prol da cultura [Prémio Ocnos (1973), Prémio Crítica Nacional (1983), Prémio Internacional Loewe de Poesia (1989)].

Autor de 36 livros de poemas e 14 livros de ensaios e investigação, assinou duas dezenas de traduções e foi responsável por 144 artigos científicos e mais de mil críticas literárias. Entre os vários cargos que desempenhou incluem-se o de Diretor do Instituto Espanhol de Cultura em Viena e Diretor Cultural na Embaixada de Espanha na Áustria. Atualmente, é Catedrático de Filologia Latina na Universidade de Valência.

É possuidor de uma obra vastíssima, que vai desde o ensaio à crítica, passando por inúmeras traduções e artigos científicos. Sendo em Portugal conhecido especialmente pela poesia, considera que esta ocupa um lugar especial na sua obra?

A poesia ocupa um lugar central na minha obra, e poderia dizer que ela é o centro gerador de tudo o resto: dos meus ensaios, dos meus estudos filosóficos, das minhas críticas e das minhas traduções. Tudo o que tenho feito gira em seu torno, incluindo o que poderia parecer mais distante, tudo se relaciona com a poesia, que, como disse, compõe o núcleo central do meu trabalho.

O que o levou a escrever poesia? Sabemos que começou a fazê-lo na juventude…

Publiquei a minha primeira coleção de poemas – uma plaquette [folheto] – aos 18 anos, no entanto, o meu primeiro livro propriamente dito, “Canon”, apenas foi escrito quando tinha 22 anos.

De facto, comecei a escrever aos 14 anos, no início da adolescência. Foi uma espécie de resposta ao sentimento de adversidade que a realidade que vivia despertava em mim. Digamos que a minha primeira reação foi criar outro mundo – o da ficção – que se opunha ao real, mas que também contribuía para explicá-lo e explicar-mo – algo que as palavras de Casais Monteiro explicam de forma clara: “Real/ é também o mundo imaginado”.

Quando fala de um outro mundo criado como uma forma de fuga ao quotidiano, fala também (parece-me) de uma atitude política, que isso dizer que os acontecimentos políticos no seu país se refletem na sua obra?

Tal como sucedeu na literatura portuguesa, cujos escritores tiveram uma experiência similar, os poetas da minha geração viveram o final da ditadura franquista, à qual não nos oposemos como o havia feito a chamada “poesia social” – que, na nossa opinião, apesar de a razão moral estar do seu lado, tinha corrompido o discurso poético –, mas sim de outro modo: saltando por cima dela, ignorando-a e entroncando com a grande tradição ocidental, da qual o franquismo nos tinha separado. O posicionamento cultural da minha geração foi uma crítica e uma e assim como tal deve ser entendido. Nós admirávamos a modernidade, queríamos fazer parte dela em todos os planos – no político, lutando pela democracia, mas também no literário e cultural. Por isso, reagimos contra o nacionalismo imperante e optamos por um universalismo e um cosmopolitismo ideais que pudessem salvar-nos do provincianismo a que a ditadura franquista nos havia condenado. Um grande latinista italiano, Alessandro Barchiesi, disse que a literatura, “quanto mais fala de si mesma, mais do mundo fala”. Isto é algo em que acredito: que a literatura – como a novela para Stendhal – é um espelho no qual se reflete tudo quanto sucede à sua frente e à sua volta. E, por isso, é sempre um testemunho histórico.

E que outras formas artísticas o inspiram?

Interesso-me muito pela pintura: na minha família existiram pintores. A pintura ajuda-me a libertar-me de uma forte tendência para a abstração, de padeço devido à minha educação germânica. Nos meus anos de Viena – cidade na qual vivi desde 1983 a 1990 – a música tornou-se uma referência.

A música associada à arquitetura, está muito presente na minha conceção do poema e do livro. O cinema e o videoclip também me ensinam formas narrativas que, no que poderíamos considerar a sua vertente poética, por vezes – tal como as mensagens da publicidade – utilizei. Sobretudo os seus fotogramas pós-modernos, que recordam a figura em planos própria do cubismo.

Qual é o seu método de escrita? No que toca à poesia, é necessária uma inspiração momentânea? Quando é que o poema está acabado?

Não existe apenas um método, mas sim vários e muito distintos entre si, porque só se escreve o que o poema quer. É ele – e não o autor – que impõe o seu trilho e fluxo. Surge de um momento em que a perceção do poeta é especial e produz uma espécie de deslumbramento, porém, ainda não é o poema, mas sim a sua primeira manifestação. O poeta deve situar-se perante ele como um cientista perante o fenómeno que estuda; deve observá-lo cuidadosamente, descrevê-lo e analisá-lo até o compreender. Só então se sabe qual poderá ser a sua forma e linguagem, porque nem aquela nem esta são sempre as mesmas: variam em função de cada poema como um perfume varia dependendo da pele e corpo no qual é aplicado. Por isso, na realidade, o poema acaba quando começa, porque se converte num outro em cada leitor. De modo que, ainda que na sua textualidade esteja acabado, nas suas sucessivas leituras e leitores nunca o está: é um organismo vivo e, como tal, move-se. O difícil é saber se o primeiro verso que se escreve é o do início do poema ou o último ou faz parte do seu meio. E esse sim, é o trabalho que compete ao poeta e constitui a sua tarefa mais dura também.

Que escritores têm influência mais direta na sua obra?

Muitíssimos. Os clássicos gregos e latinos, o Século de Ouro e o Barroco europeu e espanhol, os poetas metafísico ingleses, os românticos ingleses e alemães, o modernismo anglosaxónico, o expressionismo alemão, as vanguardas históricas, a geração de 27, e – já que estamos em Portugal – Cesário Verde, Camilo Pessanha, Mário de Sá Carneiro, Fernando Pessoa, Miguel Torga, António Ramos Rosa, Eugénio de Andrade, Sophia de Mello Breyner, Herberto Helder, Pedro Tamen, Nuno Júdice… É uma lista muito extensa.

Que poetas acompanha com entusiasmo na América Latina nos dias de hoje?

Sempre admirei muito Jorge Luis Borges, Pablo Neruda, César Vallejo, Octávio Paz, José Lezama Lima. Idea VIlariño, Ida Vitale, Blanca Varela… e, entre os poetas de hoje, José Emilio Pacheco, Alejandra Pizarnik, Carlos Germán Belli, Gonzalo Rojas, Javier Sologuren, Roberto Juárroz, Piedad Bonnet, Raúñ Zurita, Óscar Hahn… e os poetas brasileiros, claro, tão inovadores nos seus variados discursos desde Manuel Bandeira a Haroldo Campos, passando por Cabral de Melo…

Na literatura ibero-americana, e na poesia em específico, existem tendências consonantes e caminhos que se cruzam para além da língua comum?

Sim: há linhas que, apesar de estarmos dos dois lados do Atlântico, convergem, porque – com todas as variantes consideradas –, partem de uma mesma tradição, e é a tradição que proporciona a originalidade: fora da tradição, a originalidade não existe.

Que projetos literários tem para o futuro?

Terminei um novo livro de poemas. Acabei de preparar várias antologias da minha obra que se vão publicar no Chile e em Espanha. E em breve publicarei vários volumes de ensaios: um sobre poesia universal, e outro sobre a poesia espanhola. E não deixo de estudar – por se tratar de um desafio filológico -, a inscrição lusitana de Arronches, sobre a qual escrevi um estudo que está agora a ser impresso.

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