Lisbon Talk: “Implicações para a América Latina da rivalidade EUA-China” na Casa da América Latina

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No passado dia 21 de março, a Casa da América Latina recebeu a Lisbon Talk “Implicações para a América Latina da rivalidade EUA-China”. Um almoço/debate, com a presença de Cátia Miriam Costa e José Manuel Félix Ribeiro, e moderação de José Fernando Bautista, embaixador da Colômbia em Portugal.

O evento, organizado pelo Clube de Lisboa e pela Casa da América Latina com o apoio da Embaixada da Colômbia em Portugal, decorreu no restaurante “Panamericana”, a abrir brevemente na Casa das Galeotas.

José Fernando Bautista, Embaixador da Colômbia em Portugal, deu as boas-vindas aos presentes embaixadores e convidados, começando por referir as diferenças macroeconómicas da China e dos EUA face à América Latina: “interessa entender o crescimento da América Latina e quero fazer uma menção especial sobre a relação dos EUA com o México, sendo um país privilegiado por estar em grande parte da fronteira com os Estados Unidos. O número de exportações mexicanas aos EUA é formidável. Estamos a falar de 41% das exportações mexicanas vão para os EUA. Atravessam essa fronteira todos os anos. O Canadá também é um destino de exportações mexicanas, mas não há nenhum país da América Latina que seja um destino das exportações da China. Nos principais exportadores para os EUA está a China, México, Canadá, Alemanha, Vietname e Coreia do Sul e Japão.”

José Fernando Bautista sublinhou ainda o interesse em trazer para a discussão “a diferença de importações e exportações entre EUA e China” e o facto de a balança comercial entre EUA e China estar cada vez mais estreita.
Antes de passar a palavra aos convidados, referiu algumas considerações a ter no debate:
– 67% dos latino americanos acredita que a democracia tem problemas.
– a AL tem progredido muito na parte económica. Das 3 crises económicas entre 94 e 2003, uma afetou profundamente a AL e foi a pandemia (covid).
– o modelo atual é um modelo misto de matérias primas para exportar.
– o mercado de compras tem crescido e a América Latina representa um mercado importante para todos: UE, EUA e China.
– O índice de pobreza na América Latina continua alto. A riqueza continua muito concentrada.
– O maior investidor da América Latina é a União Europeia.

“Hoje em dia a América Latina é um continente atrativo, economicamente para todos. É um continente que tem avançado no processo democrático trazendo igualdade, direitos humanos e diversidade”.

A primeira oradora a usar da palavra foi Cátia Miriam Costa, atual diretora na Global Iberoamerica Chair e coordenadora num projeto de skills no ISCTE, a quem o embaixador da Colômbia em Portugal lançou a seguinte questão: “tendo em conta a história contemporânea da China, no atual contexto global, quais podem ser as áreas de interesse desse país na América Latina?”
Cátia Miriam Costa considera que temáticas como esta, de grande importância, têm de ser vistas “a nível global”:
A multiculturalidade na democracia, o nacionalismo nas mesas de negociação, a governação global, as alterações climáticas, a inteligência artificial, a conectividade e a mobilidade, a governação do oceano e as novas atividades económicas.
Em contexto da América Latina,

“é preciso olhar para a sua história, que tem as populações locais e as populações que sobrevieram no tempo e no espaço.”

A China é deficitária em termos energéticos e tem muito interesse nas energias renováveis porque sabe que “muito dificilmente vai conseguir ser autossuficiente energeticamente se mantiver o ritmo com o qual se comprometeu nos próximos anos”.
Por outro lado, a América Latina é um fornecedor importante de matérias-primas para o desenvolvimento da indústria chinesa que está cada vez mais sofisticada mas dependente nesta área. No sector alimentar, a China precisa de encontrar bons parceiros de comércio e produção no sector primário.
Os países da América Latina podem ser um bom fornecedor no mercado tecnológico e sofisticado que a China procura.

“Dada a situação geopolítica atual, o que a China e Al podem esperar uma da outra? É a América Latina um ator passivo ou ativo nesta relação?” foi a segunda pergunta do almoço/debate, a que se seguiu uma terceira: “Tendo em conta o dinamismo que viemos do mercado Latino-americano, o crescimento da sua classe média e, também, o crescimento da sua capacidade de compra, o que espera a AL da China? E em que é que a China se quer focar? Tendo em conta que a China cresceu muito em influência e presença comercial, sendo um observador importante no tema político e militar.”
Cátia Miriam Costa considera que a América Latina pode esperar da China uma iniciativa “de estreitar laços económicos, por uma decisão geoeconómica.” A Investigadora do ISCTE acredita que a América Latina ao aprofundar relações económicas, terá mais interesse em ser mais exigente com a China. Por outro lado, a China vai esperar uma América Latina mais focada na diversificação de parceiros, na sua intervenção em diversos sectores, permitindo à China entrar em novos modelos de cooperação.

O segundo orador, Professor José Manuel Félix Ribeiro, licenciado em Economia, doutorado em Relações Internacionais pela Faculdade da Universidade Nova de Lisboa, ex-militar da reserva Naval com carreira na Administração Pública, membro do Instituto Português de Relações Internacionais, colaborador do Instituto de Defesa, publicou uma série de estudos, “sendo uma pessoa que conhece muito bem a história dos países em debate e que será muito interessante ouvir”, como referiu o Embaixador da Colômbia em Portugal, que deixou uma série de questões:
1- “Dado o histórico de uma estreita relação dos EUA na região, quais poderiam ser os interesses a curto e médio prazo na América Latina?
2- Considerando o crescente interesse dos EUA pela Ásia Pacifico como é o caso da India, Austrália, Nova Zelândia, e outros países, o que a América Latina pode esperar da sua relação com aquele país?
3- A “desdolarização” da economia mundial já discutida pelos BRIX durante a cimeira de Joanesburgo, afetaria a relação entre os EUA e a América Latina, tendo em conta que vários países da região são dolarizados informalmente na atualidade?
4- Quais podem ser as consequências da relação dos EUA com a China e entre os EUA e a América Latina, no caso de uma vitória do presidente Biden ou do ex-presidente Trump nas próximas eleições?

O professor começa por dividir por camadas a sua análise: a camada geopolítica, geoeconómica e a rivalidade estratégica que está mais próxima do confronto militar.

“A rivalidade é uma coisa muito séria, tem um grande peso, e o que eu entendo é que uma grande parte das coisas que se relacionam dos EUA e da China com a América Latina, não fazem parte da rivalidade estratégica para cada um dos países”.

Portanto, a questão essencial que a América Latina coloca aos EUA e à China são problemas de natureza geoeconómica, a abertura de mercados.
“Os EUA têm uma relação histórica muito profunda com a América Latina mas a América Latina não teve a sorte que a Ásia Pacifico teve de aprender com os EUA.”
“A grande novidade que a globalização trouxe foi que os EUA tem défices a nível comercial, e quem financia esses déficits são a quantidade gigantesca de capitais do mundo inteiro que vão à procura do investimento nos EUA que é muito rentável. Por isso, a atração dos mercados de capitais americanos é uma segurança para a força do dólar.”
Resumindo, o professor José Manuel Félix Ribeiro acredita que “os EUA em relação à América Latina têm de fazer uma redescoberta do seu papel fundamental, serem a alavanca de modernização e desenvolvimento tecnológico e científico da AL como forma da Asia Pacifico”.
Félix Ribeiro lembrou ainda a dolarização referindo que “os EUA têm de ajudar os países dolarizados a desenvolverem-se. Tem de existir uma contrapartida pelo facto de terem aceite o dólar como a moeda do país. Isto traduz uma enorme confiança no dólar e nos EUA.”
Entre ideias e sorrisos do público, o professor José Manuel Félix Ribeiro deixou o seu conselho a Trump: ter uma conversa muito séria com o Papa Francisco para o ajudar a orientar-se.

O debate terminou com o Embaixador da Colômbia em Portugal, José Fernando Bautista, a agradecer as grandes intervenções dos oradores Cátia Miriam Costa e José Manuel Félix Ribeiro, deixando a sugestão para um novo debate: “o mundo cristão evangélico e a igreja católica”.

A Lisbon Talk almoço/debate decorreu no recente restaurante Panamericana, cujo nome é o da estrada que une a Argentina ao Alasca, o novo projeto do chef argentino Chakall, tendo um espaço final para perguntas do público.

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