Marina Tapia Pérez: “As pessoas sempre me disseram que a minha poesia é muito plástica, com muitas imagens coloridas que fazem parecer que se está a ver o que se está a dizer”

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Marina Tapia Pérez nasceu em Valparaíso, Chile, em 1975. É poeta, mas também artista plástica, marionetista e diretora cultural. Nasceu numa família de artistas. O pai e a mãe são pintores e poetas, a irmã fotógrafa e o irmão designer. Em 2000, instalou-se em Madrid e criou a companhia de marionetas La Galina Azul, com a qual realizou espetáculos, workshops e digressões pela comunidade. Ganhou inúmeros prémios de poesia e vive atualmente em Granada, onde continua a escrever e a criar. No mês de outubro esteve em Portugal, a fazer uma residência literária na vila de Óbidos. Aproveitámos a ocasião lhe fazermos uma entrevista.

Marina, são conhecidos os seus dados biográficos oficiais. Por isso, queria começar por lhe perguntar: se tivesse de apresentar-se a pessoas que não a conhecem, o que é que diria?

Bem, acho que diria que, fundamentalmente, com muita humildade mas também com muito entusiasmo, considero-me uma poeta. E a minha visão do mundo é uma visão recetiva, entusiasta: tudo o que me rodeia desperta em mim o desejo de o compreender em toda a sua profundidade. E acho que posso dizer que sou uma grande ouvinte. Gosto de ouvir as pessoas que estão à minha frente, de ouvir o que se está a passar, e depois tentar tomar pequenas notas. Acho que isso talvez me defina.

Sim, mas além da poesia leva acabo outras atividades. Há a pintura, mas também as marionetas, algo muito original.

Sim, o mundo dos objetos em geral sempre chamou a atenção dos poetas. A marioneta é o mundo do gesto, do que se insinua. E creio que se relaciona muito bem com a criança que todos temos. E de alguma forma as pessoas que se dedicam à arte tentam manter viva a infância.

Para que se mantenha também este espanto de ver as coisas pela primeira vez.

Sim, é como a descoberta inicial das palavras, do que se observa.

E como é que estas três artes – a poesia, a pintura e as marionetas – se comunicam? Como é que depois resultam em trabalho? Quer dizer, há ou não comunicação entre elas?

Comecei era ainda muito jovem, muito pequena. Por assim dizer, aos 10 anos já estava a tentar fazer escrever ou pintar. Por isso, das três atividades, o que mais tenho feito é escrever. Mas houve sempre um diálogo entre todas elas. Por exemplo, através das marionetas tentei comunicar a minha paixão por algumas obras de grandes poetas e escritores, e criei marionetas que tentavam levar essa poesia a outras pessoas, a um público. Então, através das marionetas, a poesia também estava presente. E também no trabalho informativo, ou para comunicar alguns elementos-chave da poesia ou da literatura, utilizei exatamente isso, as marionetas ou a imagem. Ou seja, sempre estiveram em diálogo. Em alguns dos meus livros fiz uma série de colagens ou desenhos que, de alguma forma, me ajudaram também a abordar o tema que estava a tratar de um outro ponto de vista. Depois, também fiz exposições de pintura em que as palavras eram coladas sobre o texto, escritas sobre o texto ou acompanhavam-no de um lado. Ou seja, todas se juntam, todas se tocam.

Continuam a tocar-se até hoje?

Sim, estão sempre em diálogo. O que não quer dizer, por exemplo, que eu tente fazer com que um poema se sustente por si só. O texto mantém-se por si só e não precisa de outro suporte, o suporte visual. Mas se o poema for lido e, de alguma forma, o leitor chegar a ele e depois vir uma imagem dele, acho que também é outro meio de transmissão. São independentes mas de alguma forma também estão ligados.

Para quem não conhece o seu trabalho, penso que ainda não está traduzida em Portugal?

Traduziu-me um senhor, o que foi uma surpresa para mim, vai ter de me perdoar porque não me consigo lembrar do seu nome, mas traduziu um dos meus livros porque gostou muito do “El relámpago en la habitación”, o meu segundo livro que é poesia erótica, muito subtil mas erótica, e gostou desse trabalho, traduziu-o e enviou-mo mas ainda não está publicado.

Não está disponível para os leitores portugueses. Por isso queria fazer a pergunta seguinte que é sobre o que é a sua poesia. Como a descreveria.

Em geral, creio que uma caraterística que vejo na minha poesia é o facto de estar sempre a investigar muito com o lúdico, com a linguagem, Simultaneamente, a minha poesia tenta ser profunda ou abordar coisas para além do quotidiano com uma abordagem mais simples, mas também não é uma poesia obscura. Ou seja, também tem um objetivo que é o de comunicar, como eu acho que a linguagem deve ser.

As pessoas sempre me disseram que a minha poesia é muito plástica, com muitas imagens coloridas que fazem parecer que se está a ver o que se está a dizer, porque acho que nesse sentido ela é devedora do mundo da arte plástica que eu conheci.

É uma poesia visual, então?

Sim, são imagens poderosas. E outra coisa que tento fazer é que cada livro tenha uma unidade. Não reúno poemas isolados e coloco-os todos juntos, tento desenvolver uma ideia. Por exemplo, há um livro que fala do silêncio e das florestas, outro que é poesia de amor erótico, outro que fala mais de identidade, outro que tem mais a ver com paisagem, espaços abertos. Assim, em cada livro tento também ter uma unidade de estilo e falar de uma determinada coisa.

Por que razão se mudou para Espanha, Madrid, em 2000?

Bem, esta é uma história muito longa. Tentando resumir, venho, como disse, de uma família de artistas. A minha irmã é fotógrafa, o meu irmão faz filmes através de imagens, faz jogos de vídeo, a minha mãe é pintora, o meu pai também, e ambos escrevem. Ou seja, todos nós tínhamos esses interesses. Quando era muito novo, aos 10 anos, o meu irmão ganhou um prémio para o bicentenário e eram dois bilhetes para Espanha e mil dólares, o que na altura era muito bom. Então, a minha mãe veio com o meu irmão ver a Espanha, a Suécia, Paris, alguns sítios na Europa. Gostou muito e disse: “os meus filhos têm de estar na Europa para desenvolverem os seus talentos.” Acabou por passar algum tempo e nós viemos, o que quer dizer que a origem foi um bocadinho essa. Curiosamente, desde criança que a literatura com origem em Espanha me fascina. Dom Quixote, todas as grandes obras sempre me fascinaram. Eu imaginava que ia estar aqui, tinha essa projeção interna e acabou por se realizar.

E agora, tanto quanto sei, também trabalha com a língua espanhola e a poesia em Espanha, porque tem muitos workshops e atividades relacionadas com a poesia e as palavras, organização de eventos culturais. Pode contar-nos um pouco esse lado da sua vida?

Sim. Bom, é inevitável que quando se escreve também se queira partilhar o que se faz e não só partilhar a sua obra mas também as suas leituras. Quer dizer, acho que acontece o mesmo com muitos escritores, antes de serem escritores são leitores ou leitoras. Depois cria-se um amor por diferentes escritores, escritoras de diferentes épocas, e esse entusiasmo e esse apreço pela obra que se lê quer-se partilhar com os outros, e também se quer que os outros se surpreendam com essas leituras. Portanto, é aí que a parte informativa é inevitável. E depois acho que tenho competências porque o meu pai é professor de pessoas invisuais. Ou seja, há também um ramo familiar didático, e ele acha que as minhas aulas são muito boas, que eu transmito muito bem as coisas que quero exprimir, que ajudo um pouco a desenvolver o jogo das palavras. E é mais ou menos isso que faço através dos workshops.

Está em Portugal numa residência literária. Podemos esperar alguma coisa desse trabalho que está a fazer cá?

Sim, a verdade é que tinha vários projetos pendentes e depois chegou-me este espaço de tanta tranquilidade, com um mês pela frente e quase sem distrações. O principal era fazer uma proposta de poesia visual, como alguns poetas que têm trabalhado não só com caligramas mas com uma forma de abordagem à linguagem na sua totalidade. Então, tenho feito alguns poemas visuais. É uma pequena coleção e também algumas colagens poéticas, que já são com óleo e materiais pintados. Tenho feito essas duas coisas. Também tinha um livro de poesia infantil que queria terminar, terminei-o e ilustrei-o. Ou seja, tenho feito muita coisa.

Muito produtiva a passagem por Portugal.

Muito. E também escrevi muitos poemas, muitos poemas sobre a paisagem, os objetos, os elementos. É um lugar que me inspirou, que me estimulou muito.


Entrevista realizada por Raquel Marinho

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