Aurélio Aiasin: “Uma pessoa, quando escreve um poema, nunca sabe como é que esse poema é na cabeça de outra pessoa”
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___________________________________________________________________________________Entrevista ao poeta e tradutor mexicano Aurélio Asiain, no âmbito da sua participação na edição deste ano do Festival Lisboa 5L em Lisboa.
Aurélio Aiasin está em Portugal para participar neste festival mas esteve também na Faculdade de Letras a falar sobre Octavio Paz e Fernando Pessoa. O que mudou em Octavio Paz depois de conhecer a poesia de Fernando Pessoas?
Octavio Paz começou a ler Pessoa em 1958 e é um momento muito importante porque ele. Na década anterior tinha publicado os livros mais importantes da sua primeira etapa, estava consolidado como poeta, e nesse momento estava completamente apaixonado por uma mulher, que não é a sua primeira nem segunda. Dito isto, ele estava num momento de grande amplitude, mas como nesse momento tinha publicado “piedra de sorte”, o seu poema mais famoso, ele não sabia bem para onde ir poeticamente, porque sabia que tinha cancelado uma etapa. Fernando Pessoa, numa parte, coincide muito com uma ideia básica de Octavio Paz que é a ideia de que os seres humanos têm máscaras, e que essas máscaras às vezes são uma armadilha. Esta coincidência com Pessoa ajuda a entender também essas máscaras, não de uma maneira angustiada, como antes, mas de uma maneira lúdica. E não é apenas Pessoa, que coincide com ele, mas a experiência com a Índia, mais a experiência japonesa, mais o estruturalismo. Tudo isso se junta na década seguinte e produz uma poesia totalmente distinta da anterior. Para resumir, Fernando Pessoa é muito importante para Octavio Paz, para encontrar quem é, uma vez que chegou ao topo e não sabe o que fazer. E uma das coisas que o ajuda a encontrar o que tem de fazer é Fernando Pessoa. Fernando Pessoa é um poeta de pensamento, não é um poeta filosófico, é um poeta que pensa através da poesia, e Octavio Paz é esse mesmo tipo de poeta.
Para além de ser poeta, critico, ensaísta, conheceu também Octavio Paz e trabalho duas décadas com ele. Como é que o recorda?
Essa pergunta é muito complicada para mim (risos). Primeiro, contra a imagem que as pessoas têm dele, era um homem simpático, talvez porque eu era muito jovem e a ele interessava-lhe as pessoas jovens, interessava-lhe muito o que os jovens pensavam, o que escreviam. Talvez por isso, desde o princípio, a relação foi muito franca, muito aberta, muito amistosa. A segunda coisa de que me lembro é de ele ser um homem com uma curiosidade incessante pela literatura, pelos problemas de pensamento e pela atualidade política. Era um homem que ao acordar lia dez jornais de todo o mundo, e não era porque não havia internet, estava permanentemente informado. Já o conheci com alguma idade, já tinha mais de 60 anos.
Mas era um homem frio, distante, quente, como era?
Não, era um homem muito apaixonado e que se entusiasmava muito com certas coisas. É uma situação que demora a contar mas eu conheci-o porque me convidou a visitar a sua casa, e foi muito cordial e aberto, e a minha experiência dele é essa, nunca foi um homem distante. Eu suspeito que com outras pessoas era, mas no meu caso não.
No seu caso não porquê? Porque gostava do seu trabalho?
Gosto de pensar que foi por isso (risos). Eu não o procurei, ele procurou-me a mim, mas não é uma coisa excecional, ele procurava pessoas e com as pessoas que ele encontrava era muito aberto, cordial e muito generoso. Mas eu diria que, sobretudo, era um homem sempre curioso, inteligente e sempre alerta.
Estamos aqui numa sessão de poesia com poemas escolhidos por si. Qual foi o critério para eleger estes poemas?
É muito difícil em uma hora falar da poesia latino-americana, porque são uma quantidade enorme de países e de línguas, não só a espanhola, e isso quer dizer que temos uma grande quantidade de estilos, de personalidades, de figuras. Por outro lado, neste momento, não temos um Neruda, um Borges, um Lezama, mas há outros grandes poetas. Então, escolhi da maneira mais simples: quais são os poetas que me parecem, neste momento, realmente importantes, dos vários países.
Para fazer uma mostra variada que inclua muitos países latino-americanos
Sim, tratei de escolher poetas de diversos países. É como parar à frente de uma livraria e escolher os livros que mais gostas. Tendo isso à frente, eu posso falar de cada um e encontrar quais são as conexões, o que representam, etc.. São, em geral, poetas que conheço muito bem.
Vamos ter também poemas seus lidos pela escritora Cristina Norton. Sabendo que não é uma pergunta fácil, como a descreveria aos leitores portugueses que não a conhecem? De que fala? É contemporânea, contemplativa, de amor, do dia-a-dia? Como falaria da sua poesia?
Há uma parte da poesia que é muito erótica, no sentido mais óbvio da palavra, e há outra poesia que é mais apaixonada, no sentido mais tradicional. Mas o que me preocupa muito e está nos poemas que escolhi hoje é que uma pessoa, quando escreve um poema, nunca sabe como é que esse poema é na cabeça de outra pessoa, e todos estes poemas falam disso. Este poema que estou a escrever, eu não sei o que é, não sei o que é porque este poema apenas existe na cabeça de outra pessoa. Há ainda outro tipo de poema que é aquele que nos lembramos escrevendo, mas segundo a minha experiência, nós escrevemos e depois sim lembramos. E quando isso acontece, aquilo de que nos lembramos é algo completamente novo. Na verdade, recordar é reinvenção.
Entrevista realizada por Raquel Marinho