Antônio Grassi: “A atividade cultural e artística têm um papel muito importante”

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No âmbito do encontro “Diálogos Culturais Luso-brasileiros”, que se irá realizar no dia 21 de abril, na Casa da América Latina, conversámos com o gestor cultural brasileiro e moderador de um dos painéis do evento, Antônio Grassi.

Estamos aqui para conversar sobre os Diálogos Culturais Luso-Brasileiros, que vão ocorrer na Casa da América Latina no próximo dia 21 de abril. Apesar de ser conhecido dos portugueses sobretudo pela representação e a participação em novelas, o Antônio tem uma ligação à cultura que em muito ultrapassa essa dimensão artística.  

Na verdade, além da minha carreira artística, eu sempre me dediquei à gestão pública de políticas culturais do Brasil. Dessa forma, eu fui Secretário de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, e depois fui Presidente da Funarte, que é a Fundação Nacional de Artes do Ministério da Cultura no Brasil. Foi nessa oportunidade que nós fizemos, dentro das ações do Ministério da Cultura, diversas ações internacionais envolvendo a área cultural. Fizemos o ano do Brasil na França, a participação brasileira na Feira do Livro de Frankfurt, a Europalia na Bélgica e o ano do Brasil em Portugal, do qual eu fui o comissário, e foi ai que estreitei, pessoalmente, a minha forte relação com Portugal através da área cultural. Criei um vínculo a partir desse movimento e foi daí que resultou a minha vinda para Portugal no ano passado, para me dedicar a esse trabalho, não especificamente apenas da relação Brasil-Portugal, mas também com os países de língua portuguesa.

Eu sei que tem um projeto que fala dos países de língua portuguesa, que está associado a um projeto que se chama “Talante”.

Sim, o “Talante” é, na verdade, um espaço que criámos na Livraria Ler Devagar, na LX Factory, em Alcântara, Lisboa. Na livraria, ocupamos o segundo andar com o espaço “Talante”, que é um espaço cultural que abriga não só exposições artísticas, não é exclusivamente uma galeria, mas tem um espaço para encontros, para conversas, para ciclos de leitura, e onde o tema principal é o da língua portuguesa, são os países de língua portuguesa.

Mais do que justificada a sua associação a esta iniciativa que vai acontecer aqui, na Casa da América Latina, que são os Diálogos Culturais Luso-brasileiros. Estes diálogos vão apontar o foco a várias áreas da cultura. Quer explicar-nos o que as pessoas esperar deste evento?

Este evento, na verdade, complementa uma ação muito mais ampla do ponto de vista cultural, não só de aprofundamento nesse diálogo e nessa parceria Brasil-Portugal, como também, no nosso caso brasileiro, da retomada de uma relação internacional que o Brasil abandonou durante os últimos anos, durante o ultimo governo que tivemos no país. Então, esta retomada começa, inclusive, com o facto do nosso atual Presidente Lula da Silva, ter feito uma viagem a Portugal assim que foi eleito, sinalizando que era a partir de Portugal que essas relações iriam ganhar muita força. E nós pensámos, exatamente a propósito da primeira visita oficial do Presidente Lula a Portugal já em posse (porque a outra visita ele veio quando já tinha sido eleito mas ainda não tinha tomado posse) que essa viagem acontece a propósito do 25 de abril, onde teremos uma série de atividades com a presença do Presidente da República do Brasil, e pensámos em aproveitar esta atividade e esta visita do Presidente para criar um seminário, que são estes diálogos que faremos na Casa da América Latina, envolvendo diversos setores das atividades culturais que estreitam essa relação, como a música, o audiovisual, o turismo, o património cultural, dos dois países. Ou seja, criámos um formato onde essas diversas faces da relação cultural levam estes dois países a terem um diálogo mais estreito. Eu acredito que é uma grande oportunidade de podermos, não só conversar um pouco sobres estes temas, mas também estabelecer formas de ação práticas que poderemos tomar entre os dois países a partir daí.

Este evento que vai decorrer aqui, mais do que analisar, olhar para as relações que já existem entre Portugal e o Brasil ao nível cultural, que são muito antigas, é também um bom ponto de partida para saírem daqui outras ideias de parcerias para o futuro?

Exatamente. E é nesse caminho que observamos que a atividade cultural e artística têm um papel muito importante no trabalho de ligar esses pontos. Quando fizemos aqui o ano do Brasil em Portugal e o ano de Portugal no Brasil, nós tivemos várias experiências nesse caminho. Um dos exemplos era o facto de passarem nessa altura pelo aeroporto de Lisboa milhares de brasileiros por ano – eu não tenho o número exato mas creio que na época eram cerca de 900 mil brasileiros que passavam pelo aeroporto de Lisboa e não saiam -, faziam ligações para outros países. Então, uma série de ações foram criadas e tomadas iniciativas a partir daí, além das atividades culturais especificamente. E acho que hoje conseguimos reverter isso: não só os brasileiros saem em Portugal como ficam, temos visto esse exemplo durante os últimos anos. Claro que esse é um dos trabalhos que essa ligação permite, de trabalhar efetivamente e de como se mudarmos alguns cenários, especificamente na área cultural, o que temos é um vasto e enorme trabalho nessas áreas. A presença do Brasil em Portugal através das telenovelas, através da música, dos concertos, das exposições, do trabalho das artes visuais, do cinema, permite uma interface a vários níveis, uma relação mais viva e de diálogo. Quando falamos em diálogo, não estamos, obviamente, a falar num monólogo onde apenas um lado fala, estamos a falar de uma mão dupla onde é possível pensarmos também nessa contrapartida, de que forma o Brasil também recebe as produções portuguesas. E temos a grande presença, no Brasil também, de vários nomes, tanto da literatura como da área da música no Brasil, de artistas portugueses, de escritores portugueses, e eu acho que é importante que isso possa ser aprofundado.

Há esta impressão de que nós portugueses estamos em contacto com a cultura brasileira há mais de 40 anos, por força do contacto com a música e a televisão, e que no sentido inverso o movimento é mais recente. Portanto, eventualmente, os brasileiros conhecem ainda menos bem a cultura portuguesa do que os portugueses a cultura brasileira. Acha que isso está a mudar?

Eu acho que isso é um facto, que está a mudar, mas que pode ser mais aprofundado e pode mudar ainda mais. Hoje, artistas como António Zambujo ou Carminho têm um trabalho forte no Brasil. É claro que esse trabalho forte também acontece a partir do momento em que esses artistas fizeram tanto gravações, como relacionamentos com artistas e compositores brasileiros. A Carminho fez um disco dedicado ao Tom Jobim e o António Zambujo fez do Chico Buarque, que são personagens incríveis do Brasil, e essa relação foi ficando mais presente. A mudança que a atividade cultural provoca fica patente nestas relações que presenciamos aqui em Portugal. A forma como os portugueses entendem muito rapidamente a maneira como os brasileiros falam vem da relação com as telenovelas, que aqui em Portugal, como disse, estão presentes desde a “Gabriela”, da adaptação do livro do Jorge Amado, até aos dias de hoje. E nós, que fizemos e fazemos parte de vários projetos de telenovelas no Brasil, testemunhamos isso no nosso dia-a-dia, como as pessoas nos reconhecem na rua e têm essa relação viva presente. E essa presença da telenovela teve uma atuação na maneira de falar, tornou possível o entendimento da língua portuguesa com sotaque brasileiro aqui em Portugal fosse muito mais compreensível.

Está em Portugal há quanto tempo?

Há 1 ano e meio, a meio do ano fará 2 anos. Na verdade, é uma retomada da minha relação com Portugal, porque no ano do Brasil em Portugal, em 2012-2013, já vão 10 anos, foi um grande momento da minha relação mais profunda com Portugal, com a área cultural, e criou um vínculo que felizmente nós conseguimos retomar agora.

Como é que está a ser essa experiência de viver em Lisboa, de se ter mudado para cá?

Eu pessoalmente sou muito encantado por Lisboa. Acho que Lisboa tem um astral, tem uma leveza que às vezes é difícil encontrar noutras cidades e noutras capitais pelo mundo. Eu comento sempre que às vezes vou a outras cidades que adoro também, como Paris, Londres, Madrid, e quando volto a Lisboa eu sinto mesmo uma certa leveza, a luz e o céu de Lisboa favorecem esse sentimento, mas as relações culturais são muito estreitas. Eu lembro-me da primeira vez que cheguei a Lisboa, a primeira vez que eu vi Portugal na minha vida, foi uma experiência fantástica, porque parecia que eu estava a visitar a casa de familiares que eu tenho em Minas Gerais desde a minha infância, e eu via, em casa lugar que passava, a presença de, como se fosse um tio, um avô, um amigo, um parente, existe uma ligação muito viva que, mesmo para mim, que sou descendente de italianos, a minha vivência aqui em Portugal foi muito presente.


Entrevista realizada por Raquel Marinho

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