Pedro Norton de Matos: “Nós acolhemos sempre com muito entusiasmo a Casa da América Latina”

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No âmbito do Greenfest Valongo, a Casa da América Latina conversou com Pedro Norton de Matos, organizador do Greenfest, sobre esta edição e sobre a participação da CAL neste evento.


Queria que começássemos por falar sobre o tema do Greenfest deste ano: a Economia Circular Regenerativa e as “Nature Base Solutions”. Como apresentaria estas duas ideias?

De facto, isto é uma inspiração na natureza. Como dizia Lavoisier “nada se perde, tudo se transforma” e, portanto, a questão do desperdício zero é um ensinamento da natureza, e quando se fala em economia circular regenerativa há muitos que dizem isso é uma utopia. Ora bem, não é. A natureza prova que não é. E portanto, nós, infelizmente, desenvolvemos um modelo, que também tem muitas virtudes, mas dentro dos inconvenientes do modelo de desenvolvimento das últimas décadas, e refiro-me fundamentalmente ao mundo ocidental, criámos inúmeros desperdícios. Nós desperdiçamos praticamente tudo em que tocamos: desperdiçamos água – só para se ter uma ideia, as cidades portuguesas desperdiçam cerca de 1/3 da água potável, a água que agora está debaixo dos holofotes em ano de seca, e infelizmente as previsões para os próximos anos são pessimistas. Portanto, desperdiçamos cerca de 1/3 da água, desperdiçamos comida, nutrientes, desde a semente ao final do seu ciclo, desperdiçamos energia nos edifícios, e acho que desperdiçamos a capacidade e o talento das pessoas e da cidadania ativa. Portanto, eu acho que há muito campo para trabalhar, e isso é o lado positivo e otimista: é que temos tanto para recuperar, temos tento para não desperdiçar, que a economia regenerativa e circular é seguramente uma boa resposta.

Esta extensão do Greenfest à cidade de Valongo prende-se também com uma característica da cidade este ano. Valongo foi distinguida na área do ambiente.

Sim. Felizmente vão-se vendo no nosso país vários bons exemplos, e Valongo é indiscutivelmente um bom exemplo ao ponto de ter sido reconhecida pelo um prémio europeu “Green Leaf”, que distingue centros urbanos com menos de 100.000 habitantes. Valongo, Ermesinde, tem cerca de 90.000 habitantes e devido às suas boas práticas e visão de futuro, Valongo foi distinguida. Portanto, convidaram-nos para organizar um Greenfest, e é com grande empenho e motivação que conjuntamente com a Câmara de Valongo e outros parceiros organizamos este evento em Valongo.

A Casa da América Latina associa-se mais uma vez ao Greenfest, nesta edição com 2 conteúdos. Um do Panamá e outro do Brasil, um mais focado na floresta Amazónia e outro focado na importância da natureza associada às tradições. Eu sei que o Pedro já viu os nossos conteúdos. Como os comentaria?

Bem, desde logo muito interessantes. E nós acolhemos sempre também com muito entusiasmo a Casa da América Latina. O nosso evento tem um caráter universal, e queremos mostrar, de facto, que vivemos no condomínio, somos condóminos do condomínio Terra. E, portanto, tirando um bocadinho aquela perspetiva muito egoísta, localizada. Assim sendo, podemos ver isto em várias dimensões, desde a nossa casa até à casa comum que é o universo, que é o globo, o globo terrestre.

A Casa da América Latina traz sempre também, naturalmente fazendo jus à sua missão, conteúdos de outras partes do mundo, nomeadamente da América Latina, com quem também temos uma ligação cultural muito forte. E estes exemplos da Amazónia e do Panamá, e de trazer também pessoas ligadas a culturas ancestrais ligadas à natureza, são, de facto, uma mensagem muito forte porque no nosso modelo de desenvolvimento, e temos de ter muita atenção a isso, parte desse desenvolvimento foi feito de costas voltadas para a natureza, e isso é uma fatura que se paga de forma muito cara. Aliás, a perda de biodiversidade, da extinção de espécies, das alterações climáticas. Enfim, tudo isto está ligado e tem muito a ver com esse modelo de costas viradas para a natureza. Estes exemplos do Brasil e do Panamá trazem-nos histórias muito autênticas, muito verdadeiras, trazem esse resgate de uma memória coletiva da ligação à natureza. E as “nature base solutions” cada vez mais começam a entrar no léxico da sustentabilidade que é o chamado capital natural, começar a valorizar o que a natureza nos dá e que nós, por um lado, assumimos quase como garantido, um ar que se respira, uma água potável que se bebe e outros serviços como são até o caso da polinização (que nós damos por adquirido e não sabendo ou desconhecendo que, por exemplo, as abelhas e outros insetos fazem um trabalho fabuloso e que aumenta em muito a produtividade das árvores de fruto e de outras reproduções no mundo vegetal) mas se, de facto, envenenamos esses agentes, se destruímos os seus habitats, se pervertemos os seus ecossistemas e essa biodiversidade, pomos em risco todos esses serviços que são prestados. Portanto, as “nature base solutions” chamam muito a atenção para os serviços que a natureza nos pode dar, nomeadamente a captação do carbono, a libertação de oxigénio, enfim, todos esses serviços que a natureza nos presta e que devem ser por nós cada vez mais valorizados e protegidos.

Sabemos que este ano, porque vimos de uma pandemia que ainda não se extinguiu, o Greenfest adotou um modelo que passa pelo presencial e pelo digital. Nesse sentido, o que se pode esperar do Greenfest Valongo, e imagino que também do que se vai seguir depois na Nova SBE em Carcavelos, é um modelo misto. Tendo isto em conta, queria pedir-lhe para nos contar o que se pode esperar desta edição, quer para quem se deslocar a Valongo, quer para quem quiser acompanhar a programação online. Imagino que há imensos conteúdos que as pessoas podem consultar. Como é que o podem fazer e o que esperar encontrar?

Sem dúvida. Este modelo híbrido acaba por ser o modelo consagrado. A pandemia trouxe-nos um desenvolvimento aceleradíssimo do digital que, conjugado com o mundo presencial, analógico, tradicional, que todos nós conhecemos, acaba por nos dar o melhor dos dois mundos. Este modelo híbrido é o modelo do Greenfest 2022 e é seguramente o modelo de Greenfests futuros, assim seja possível por condições sanitárias. E o que isso nos traz, no fundo, são duas experiências complementares, duas experiências diferentes mas complementares. Algumas são comuns, portanto temos alguns palcos que são espelho – o que se está a passar no presencial está-se a passar no digital -, mas depois há muitas coisas que se passam no presencial que só quem estiver presente é que pode participar e assistir, e há coisas que se passam no digital que também não passam no presencial. Portanto, eu diria que são duas modalidades complementares e que, sobretudo, na questão presencial valorizamos a proximidade. É a chamada “filosofia do quilómetro zero” que é a menor deslocação possível, o menor impacto, a menor pegada possível. Valorizamos, portanto, a proximidade geográfica e no digital temos acesso a pessoas e conteúdos remotos, seja no país seja no globo, que de outra forma não seria possível ou seria logisticamente mais complicado, e sobretudo teria uma pegada ecológica grande. Este modelo híbrido consagra, eu diria, o melhor dos dois mundos e o Greenfest claramente pretende tirar partido do melhor dos dois mundos.


Entrevista realizada por Raquel Marinho

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