Carlos Gil de Montes: “Posso comprovar que existem enormes oportunidades para o Peru e para Portugal”

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Entrevista ao novo Embaixador do Peru em Portugal, Carlos Gil de Montes


Chegou a Portugal há pouco tempo. Qual é a sua relação com o nosso país?

Bem, estou muito satisfeito por estar aqui. A verdade é que, nos primeiros meses, pude comprovar o calor da gente portuguesa, e isso é algo importante. Acabo de chegar mas sinto que estou em casa.

Alguma vez tinha estado em Portugal, antes de vir como Embaixador?

Na realidade, passei apenas dois dias em Portugal. Foi em Lisboa, precisamente no ano 2019, a acompanhar o Presidente Viscarra numa visita de estado que fez a Portugal e a Espanha. Tive a oportunidade de estar apenas dois dias em Lisboa mas apaixonei-me pela cidade.

Porquê?

Primeiro porque é uma cidade belíssima. É uma cidade que tem história, é uma cidade com uma luz impressionante, com uma cor impressionante. Encantou-me a sua gente e a sua gastronomia.

A Casa da América Latina tem, como sabe, relações com as Embaixadas latino-americanas com representação diplomática em Portugal, e vai organizando atividades nas várias áreas que trabalha, sendo elas a economia, a academia e a cultura. Na área cultural, como sabe, temos vindo a exibir filmes peruanos na nossa mostra de cinema, que acontece todos os anos, e na área económica há várias conferências e atividades que vamos fazendo aqui, que têm a ver quer com o turismo, por exemplo, ou com atividades relacionadas com as empresas. Imagino que tenha em mente alguns projetos para levar a cabo aqui em Portugal. Pode falar-nos sobre eles?

Claro. O que posso comprovar é que existem enormes oportunidades para o Peru e para Portugal. Tive uma conversa com o Sr. Presidente da República, quando apresentei as cartas credenciais, e o Sr. Presidente Marcelo Rebelo de Sousa também me disse que vê grandes oportunidades para continuar a crescer a nível de comércio, de investimentos, de turismo, e também em relação à aproximação dos povos, no sentido de lhes mostrar a nossa cultura, e esse é o propósito do meu trabalho.

Na área política e diplomática, aproximando as autoridades. Na área de comércio, tentando  que haja cada vez maiores e mais quantidade de produtos peruanos em Portugal. Na área dos investimentos, procurar que o Peru seja atrativo para os investidores portugueses. E na área da cultura, mostrar um país com uma riqueza milenária, e isso é obviamente o meu objetivo principal.

Quando fala da parte económica, dos produtos do Peru virem para Portugal, e de trabalhar esse objetivo de trazer mais produtos peruanos para Portugal, poderíamos estar a falar de que produtos?

O Peru é um país muito diverso. Geograficamente tem 3 zonas muito marcadas. Uma costa, que é árida, desértica, mas com muitos vales onde se produzem muitos produtos. Depois, um perfil que é uma montanha muito alta, a cordilheira dos Andes, montanhas muito altas comparadas talvez aos Himalaias, e depois uma selva amazónica. Essa diversidade geográfica permite-nos ter praticamente todos os produtos que existem. Então, quero dizer que o Peru é muito forte no que toca a produção mineira, porém houve um impulso muito grande na agro-indústria e hoje somos os primeiros exportadores mundiais de uvas frescas, os primeiros exportadores mundiais de amoras, também os primeiros exportadores de abacates, e estamos entre os primeiros lugares de exportação de manga. Quer isto dizer que temos uma grande possibilidade de crescer. E também somos uma potência pesqueira.

Isso significa que o seu trabalho vai também passar por tentar, digamos, impulsionar um aumento destas trocas comerciais.

Exatamente, e também dos investimentos. Temos investimentos importantes portugueses, e refiro-me a importantes empresas portuguesas, por exemplo, está a Mota-Engil, está as Energias de Portugal, está a Fidelidade, está a CJR, de energias eólicas. Então, temos investidores interessados e queremos que hajam cada vez mais investidores portugueses no Peru. Há uma coisa muito interessante que é o facto de o Peru ter subscrito um convénio com Portugal para evitar a dupla tributação. Na Europa, o Peru só fez esse convénio com Portugal e com a Suíça. É uma oportunidade enorme.

Quando é que foi assinado esse convénio?

Penso que foi por volta de 2015, teria de rever, mas é uma oportunidade muito grande porque é para evitar a dupla tributação, a dupla imposição.

E imagino que no mundo global como vivemos hoje, o facto de o Peru e da América Latina não estarem exatamente aqui ao lado de Portugal não seja uma questão. Ou seja, estamos longe mas o mundo é global e as trocas podem fazer-se.

O que comprovo é que cada vez há maior interesse dos peruanos por Portugal. Se voltar atrás no tempo, percebo que havia um interesse especial na Europa; chegavam muitos peruanos a Espanha e de Espanha depois interessavam-se em conhecer a Itália, a França, mas agora é claríssimo que as pessoas têm maior e maior interesse por Portugal, por todas essas coisas que mencionei. A beleza das cidades, a gentileza das pessoas, a história, a gastronomia. Peru e Portugal têm muitas coisas em comum, como países com uma grande história. Lisboa, tenho percebido, foi um centro dos mais antigos da Europa, e muito perto de Lima, a cidade de Caral, com 5000 anos de antiguidade, é uma das cidades mais antigas da América. Temos muitas coisas em comum em relação às nossas riquezas.

E o trabalho das Embaixadas também é esse, o de trazer informação sobre o Peru para os portugueses que possam querer conhecer, trabalhar, fazer trocas comerciais, mas também para o turismo. E uma vez que o Sr. Embaixador está em Portugal, também há o objetivo de dar a conhecer o nosso país no Peru.

Sim, claro. Na semana passada participámos na Bolsa de Turismo de Lisboa, e foi uma boa oportunidade para mostrar também este interesse, para que haja um maior crescimento no intercâmbio do fluxo turístico entre Portugal e Peru.

Sei que chegou há pouco tempo, mas de facto as relações entre Portugal e o Peru, ou pelo menos algumas relações, já são muito antigas. Estou a falar de uma estátua, um busto, que existe num jardim de Lisboa. Não sei se é do conhecimento de todas as pessoas, mas nós temos uma estatua de um busto do Inca aqui no jardim do campo mártires da pátria que é Garcilaso de la Veja. Como é que isto aconteceu e porque é que o busto de uma figura importante peruana está aqui em Lisboa?

Quero começar por dizer que o nome original do Inca, Garcilaso de la Vega, era Gómez Suárez de Figueroa, e o Inca Garcilaso de la Vega é um cronista peruano que é filho de um conquistador espanhol e filho de uma princesa inca, e por isso se denominou Inca, Garcilaso de la Vega. Ele é considerado como um dos precursores da literatura na América. Foi um escritor que relatava um pouco como viviam os antigos incas. O interessante é que realiza duas principais obras, os “Comentarios Reales de los Incas” e “La Florida del Inca”, nos quais relatava como viviam os incas, os seus costumes. O que liga muito o Inca, Garcilaso de la Vega a Lisboa é que a primeira impressão das suas obras é realizada cá. Essas obras imprimem-se por volta dos anos 1605, “La Florida del Inca”, e 1609 os “Comentarios Reales de los Incas”, que foram dedicadas pelo Inca, Garcilaso de la Vega a Catarina de Bragança.

É por isso que veio imprimir cá?

Sim, exatamente.

É muito interessante, portanto, é uma relação já muito antiga.

É isso mesmo.

Pelo que tive oportunidade de ler este busto foi oferecido pela República do Peru à cidade de Lisboa numa homenagem da nação peruana a Portugal que tem a ver com as relações entre os dois países, e já foi inaugurado em 1984, portanto já é antigo. Há um reconhecimento então das relações entre os dois países.

Sim, é uma maneira, digamos, de simbolizar esta aproximação de uma figura que nos une, e uma figura muito importante da história do Peru.

Para terminarmos, e para falar da área cultural, temos então este evento anual que a Casa da América Latina organiza – a Mostra de Cinema Latino-Americano -, onde o Peru costuma estar presente, mas queria perguntar-lhe também se há algum aspeto da cultura peruana que queira destacar. Dito de outra forma, para quem não conhece a cultura peruana, o que é que destacaria? Como é que falaria da cultura peruana?

A cultura peruana é muito diversa e muito rica. Como é óbvio, quando falamos de cultura peruana eu tenho de falar da nossa história, e a nossa história está presente em todos os lugares do Peru. Quero referir que temos 12 lugares que são património histórico da humanidade. É muito, não é? E a nossa cultura é muito rica, muito diversa. É um país muito grande – é praticamente, em território, três vezes a Espanha -, e isso dá uma ideia da diversidade de culturas. E claro, também nas outras áreas, temos de falar da literatura, desde o Inca, Garcilaso de la Vega, que viveu em 1560, até Mário Vargas Llosa, um Prémio Nobel, uma pessoa que nos prestigiou no mundo e que é reconhecido pelas suas obras, eu faria essa trajetória no tempo. E, como é claro, temos grandes poetas. Cesar Vallejo, por exemplo, e muitos outros. Poderíamos estar muito tempo a conversar sobre a literatura peruana.

E porque é que diria aos portugueses que ainda não foram ao Peru e não conhecem o Peru, para irem ao Peru?

Diria que se vão sentir em casa, assim como eu me sinto em casa aqui em Lisboa. Diria que vão conhecer um mundo mágico, um dos poucos destinos da América Latina que pode oferecer tal diversidade em termos de cultura, de história, de geografia, porque podem visitar, como dizia, uma costa, um deserto, uma floresta amazónica, os Andes. O Peru, como dizemos, tem tudo. E também quero mencionar algo muito importante: a gastronomia peruana. Comprova-se que há um “boom” da gastronomia peruana no mundo, que percebo que está a irradiar em Portugal, e especificamente em Lisboa. Fico muito contente por encontrar restaurantes peruanos em Lisboa, mas também por encontrar na carta de muitos outros restaurantes alguns pratos que são caraterísticos da cozinha peruana, sendo que o mais importante é o ceviche. E, ao mesmo tempo, é muito bom encontrar a nossa bebida nacional, que é o pisco sour. O pisco sour é um cocktail, mas elaborado à base do pisco, que é uma aguardente de uva.

Tem de se beber com cuidado e moderação.

Com muito cuidado (risos).

Última pergunta: referiu que quem visitar o Peru vai encontrar um país mágico, onde há magia, e essa palavra é uma palavra que de facto associamos à América Latina, que tem sempre um pendor mágico, feérico. No caso do Peru, qual é a magia?

A magia é diversa. Eu tive a oportunidade de ir à cidade de Cusco, por exemplo, cerca de 15 vezes, e fui a Machu Picchu umas 4 vezes, 2 vezes fazendo o caminho inca, o “inca trail”, para chegar a pé a Machu Picchu, durante 4 dias, e posso dizer que é absolutamente mágico, repito a palavra, chegar ao 4º dia e ver do alto este lugar de características incríveis. Mas assim como falamos do Machu Picchu, que é o nosso emblema, temos de falar de muitos outros restos arqueológicos que dão a conhecer o mundo, e com muita importância, mencionei Caral, mas também há muitos outros.


Entrevista realizada por Raquel Marinho

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