Pedro Santa Clara: “Esta escola está aberta 24h por dia, 365 dias por ano, dá total liberdade e responsabilidade aos alunos”

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Para quem não conhece a Escola 42 ou o projeto 42 Lisboa, como é que falaria dele?

Existem muitas maneiras de falar dele. Uma é dizendo que é a escola do futuro, e já vou explicar porquê. Sendo um pouco mais detalhado, a 42 Lisboa é uma escola de programação em termos de conteúdo, é o equivalente a um grau avançado em engenharia de software e é uma escola que é radicalmente diferente em muitas dimensões. É uma escola em que não há aulas nem há professores, mas em que há uma grande equipa pedagógica dedicada permanentemente a desenvolver uma plataforma de aprendizagem, que apresenta aos alunos uma sequência de desafios, cabendo-lhes a eles aprender tudo o que seja necessário para os resolver, ao seu ritmo, mas com muita colaboração entre os alunos. Portanto é, no fundo, como se fosse um jogo de computador em que os alunos estão presencialmente na escola e em que têm estes desafios, estes níveis que têm que ultrapassar. E este processo de receber um desafio, pesquisar, pedir ajuda, colaborar com outros, tentar uma solução, avaliarem e serem avaliados, está a desenvolver nos alunos, acima de tudo, a capacidade de aprender a aprender, para além de ficarem com conhecimentos muito sólidos. De uma forma muito prática, o que eles estão é a desenvolver uma série de competências pessoais de autonomia, de capacidade de resolução de problemas, colaboração, comunicação, que fazem depois toda a diferença no mercado de trabalho. Isto por um lado. Por outro lado, é uma escola que também se diferencia em termos de acesso, em termos de ser muito inclusiva. Qualquer pessoa, desde que ou seja maior de idade ou tenha completado o 12º ano, pode candidatar-se à escola. Tivemos até agora mais de 22 000 candidatos em pouco mais de um ano, o que é um número incrível, cinco vezes maior do que as nossas expetativas, e temos um processo de seleção que também é muito diferente. As pessoas passam primeiro por uma bateria de testes online, de jogos lógicos que no fundo tentam aferir a capacidade de resolução de problemas que é fundamental nesta área, e depois a seguir vêm fazer um bootcamp de 4 semanas que se chama “piscine” onde têm a oportunidade de experimentar ao vivo a escola e de perceber se é mesmo isto que querem ou não querem. São 4 semanas super intensas, uma experiência extraordinária, absolutamente transformadora para toda a gente que passa por ela.

Tem ainda uma outra característica que me parece importante de realçar, que é o facto de ser gratuita, uma vez que tem o apoio de vários mecenas.

Exatamente. A escola é financiada por um conjunto de pessoas e empresas, que vão desde o Banco Santander, à Fidelidade, desde a Vanguard Properties, à Ms. Ming C. Hsu, à Mercedes-Benz.io, à Huawei, à BA Glass, a pessoas como o Alexandre Relvas, o Filipe de Botton, o Luís Amaral. Portanto, empresas e pessoas que acreditam na importância desta escola. Acredito que hoje em dia a falta de programadores de alto nível é um dos maiores estrangulamentos para a nossa economia e, no fundo, estas pessoas acreditam na importância da escola e, se quiser, nesta inovação tão necessária na nossa educação.

A escola está em Portugal, mas já nasceu em 2013, em França, e está espalhada por vários países. Portanto, podemos dizer que o modelo que estão a instalar em Portugal já foi testado noutros países, e é por isso que se calhar o trouxeram para cá, porque corre bem.

Claro, isso é uma preocupação muito grande que nós temos com todos os projetos que fazemos: garantir que vão ser eficazes, que vão ter impacto. A escola começou em Paris há quase 10 anos, foi uma iniciativa de Xavier Niel, um grande empresário francês, que abriu a primeira Escola 42 em Paris e, portanto, sendo a mais antiga, tem um track record absolutamente extraordinário, é de longe a escola número 1 da engenharia de software em França. E talvez o mais surpreendente no meio disto tudo seja o facto de, ao longo destes anos, tenham surgido uma série de novas Escolas 42 de forma completamente orgânica. No fundo, houve pessoas em diferentes países que viram a importância de abrir uma e, hoje em dia, há 42 Escolas 42 no mundo – isto é apenas coincidência, em breve espero que a 42 Porto seja a 43ª -, e que surgem das formas mais diversas. Por exemplo, em Amesterdão, a Escola 42 foi começada pela Corinne Vigreux, que foi uma das fundadoras da TomTom, dos mapas por GPS, que quis abrir. Noutros países, por exemplo na Alemanha, a 42 Volks porque é financiada pela Volkswagen; em Espanha há 5 campos que são financiados pela Fundação Telefónica. De certa maneira, o que nós vemos é que à volta do mundo há pessoas e empresas que acreditam na importância desta escola e de uma forma muito empreendedora lançam o projeto.

Quantos alunos tem a Lisboa 42 e qual é o tempo total da formação?

Neste nós momento temos 400 alunos. Diria que, daqui a 1 ano, vamos chegar aos 700 ou 800 alunos, que é a capacidade total desta escola. No Porto prevemos replicar mais ou menos esta escala. Portanto, entre Lisboa e Porto, daqui a uns anos, vamos estar a formar, por ano, qualquer coisa como 500 técnicos nesta área de programação. O programa dura cerca de, em média, 3 anos e meio, mas como é feito ao ritmo de cada um haverá quem o faça mais depressa ou mais devagar. Em termos de conteúdo, e nós fizemos aqui o benchmark com as principais escolas do país, o tipo de formação é equivalente em conteúdo a um mestrado integrado em engenharia informática.

Porque é que uma pessoa que tem 18 anos, que está na idade de ir para a faculdade, há-de escolher ir para a Escola 42 em vez de fazer um curso de programação numa universidade?

É uma boa pergunta e eu acho que tem muito a ver com as características pessoais das pessoas. Esta escola está aberta 24 horas por dias, 365 dias por ano, dá total liberdade e total responsabilidade aos alunos, e há muita gente que se revê nesse método. Acho que há outros que não. Há pessoas para quem é importante o sistema tradicional, haver um professor que, de certa maneira, é a figura tutelar, que diz o que é preciso fazer amanhã e daqui a uma semana e daqui a um mês. Mas há muitas outras pessoas que preferem o contrário, que querem aprender de uma forma muito mais prática e menos teórica, aprender baseado-se em projetos e num modelo colaborativo, e isso faz toda a diferença. Dos nossos 400 alunos, a idade média é 26 anos, mas nós temos alunos dos 17 aos 53 anos, com uma variedade de perfis: um grupo muito grande são esses de 17 anos que acabaram o ensino secundário, depois temos também um segundo grupo muito grande de alunos que estavam já na universidade, muitas vezes em escolas tradicionais, e que mudam para a 42 porque não se revêm na aprendizagem que estavam a ter, e temos ainda um terceiro grupo interessante de profissionais das áreas mais diversas, economistas, engenheiros, advogados, médicos, que vêm para esta escola à procura de um treino avançado em temas digitais. Finalmente, temos ainda um último grupo de pessoas muito diversas, desde pilotos de aviação a uma bartender, de um personal trainer a um oficial do exército, de um músico a um operário que, por alguma razão, ao longo do seu percurso não puderam ir para a universidade logo a seguir ao liceu, tiveram de começar a trabalhar por alguma razão, e que agora encontram nesta escola uma oportunidade de retomar os seus estudos e muitas vezes de mudar de vida.

Tendo em conta a experiência até dos outros países mas também da escola em Portugal, qual é a taxa de empregabilidade expectável para as pessoas que fazem esta formação?

Bem, eu ia dizer 200% mas se calhar estou a exagerar (risos). A taxa de empregabilidade é total. De alguma maneira, o nosso desafio aqui é convencer os nossos alunos a não aceitarem as ofertas de emprego que têm muito antes de terminar o programa. Hoje em dia, A 42 aparece em vários rankings internacionais como uma das 10 melhores escolas do mundo em engenharia de software, até já apareceu em primeiro lugar algumas vezes. Portanto, o mercado é gigantesco e é mundial. Todos eles vão ter muitas ofertas de emprego.

Antes de terminar, queria perguntar-lhe sobre a visita que o grupo de Embaixadores latino-americanos que está em Portugal vai fazer à Escola 42. O que se pode encontrar ou esperar de sinergias entre alunos latino-americanos que venham para Portugal ou para outros países e que queiram experimentar ou candidatar-se a este conceito e a este projeto.

Diria que o modelo da Escola 42 é particularmente interessante em países como os da América Latina, que não têm necessariamente a infraestrutura de universidades tradicionais que deem resposta às suas necessidades, e este é um modelo que é escalável, que é acessível, que pode ter um impacto muito grande nestes países.

Ainda não existe em nenhum país latino-americano?

Existe. Existem duas no Brasil, não sei se já abriu a 42 de Buenos Aires, na Cidade do México estará a abrir. Em relação à sua pergunta específica, neste momento, nas 42 à volta do mundo, há um pouco mais de 15 mil alunos que estão todos eles ligados. Há muita colaboração, não só dentro da escola mas entre alunos de todas as escolas, e há total mobilidade de alunos duma escola para a outra. O programa tem 21 níveis, os primeiros 7, que é o core, tem de ser feito na escola de origem, mas a partir de essa altura os alunos podem escolher ir passar uma temporada a qualquer escola 42 do mundo. Portanto, também por esta via, isto pode ser muito relevante para alunos da América Latina.

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