Taïs Reganelli: “Acho que se pudermos tirar algum benefício desta história é que talvez tenhamos mais pessoas empáticas”
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___________________________________________________________________________________A Taïs Reganelli nasceu em 1978, em Berna, na Suíça, e mudou-se para Portugal em 2017. Porquê?
– Bom, Portugal sempre foi um país que eu gostei demais, tenho amigos aqui. É país ensolarado, é um país bonito, é um país seguro, e acho que esse último é o mais importante para nós. A gente precisava de segurança.
– Sentia-se mais insegura no Brasil.
Completamente insegura. E eu descobri que era muito mais do que eu pensava depois de chegar aqui. Porque mudei completamente os meus hábitos, e descobri o verdadeiro significado do direito de ir e vir.
– O que é que isso quer dizer, Taïs?
Significa poder sair de casa sem ter que pensar em todas as consequências que isso acarreta. Sem ter que me preocupar com o horário, para onde eu vou, de que forma vou vestida, com quais objetos eu vou, o que eu posso encontrar pelo caminho e então quais as alternativas. Parece uma neurose mas é assim que nós vivemos no Brasil, a gente tem de pensar em todas as possibilidades antes de sair de casa.
– Bem vinda, não é? Ainda bem que gosta de estar no nosso país, o nosso país também gosta de a ter cá. Vamos falar um bocadinho do seu percurso, agora. Começou a sua carreira artística aos 9 anos ao lado do seu irmão. Como é que isso foi?
Ele começou a tocar violão em casa, ele é autodidata, deve ter feito uns 3 meses, 4 meses de violão, e depois começou a tocar sozinho em casa. Eu sou a irmã mais nova e queria estar sempre perto dele, então acho que eu comecei a cantar por causa disso, para ver se a música nos unia mais. E foi o que aconteceu.
– Acabou por unir?
Sim, trabalhamos juntos até hoje.
– O seu irmão então participa nos 4 discos que editou até hoje?
Sim, em todos eles.
– Então e se nos quisesse falar desses discos, para quem não conhece o seu trabalho, como é que falaria deles?
É um trabalho autoral grande e de parceiros que também são compositores, então, basicamente a minha carreira é pautada por músicas originais. Eu diria que é uma mistura de todas as vivências que eu já tive na vida, musicalmente falando. Como eu vivi na Suíça e era muito influenciada tanto pela música brasileira que é uma música muito específica e muito diversificada, talvez uma das mais ricas do mundo, e também influenciada pela música europeia, eu misturei um pouco disso tudo e faço um som um pouco diferente do que é feito no Brasil, nesse sentido. Então eu diria que eu faço uma MPB brasileira com world música.
– Essa é a sua atividade principal?
Sim, sim.
É só isso que poderia fazer ou poderia ter seguido uma outra carreira?
Eu fiz a primeira faculdade de Artes Plásticas, e não me formei porque fomos eu e o meu irmão para Itália, fomos eu e o meu irmão para tocar, estivemos um ano e meio ali, depois voltei e fiz uma Faculdade de Letras. Eu poderia ter seguido. Eu gosto muito de línguas, poderia ter seguido algo nessa área. E gosto muito, reviso muitos textos, tenho prazer nisso, mas realmente acho que não poderia ficar longe da música de alguma forma, ou compondo ou cantando.
– O seu percurso musical tem então 4 discos editados, mas depois também tem uma incursão pelo universo infantil.
Exato. Por uma feliz coincidência um pouco antes de eu engravidar eu tinha começado uma tourné infantil, porque muita gente me pedia, dizia que minha voz era muito suave, as crianças gostavam muito. Então eu comecei a fazer um trabalho infantil e me diverti muitíssimo nesse trabalho, gostei muito de fazer, e comecei uma tourné grande. Nessa altura eu fazia canções que já existiam de pessoas consagradas, do Chico Buarque, Vinicius de Moraes, Arca de Noé, Saltimbancos, e quis fazer um disco orginal, autoral, com canções infantis, e foi o que eu fiz. E logo em seguida, quando eu tinha ideia do projeto engravidei, então quando o meu filho nasceu eu pude quase fazer uma homenagem a ele. (risos)
– E cantar para ele, imagino?
Exato.
– Ele foi o primeiro e um ouvinte privilegiado.
(risos) É verdade.
– A Taïs tem feito algumas apresentações ao vivo no Facebook, já vamos falar sobre isso. Antes, imagino que também já tenha feito espetáculos ao vivo cá. Como é que correram?
Gostei muito do público português, é um público que presta muita atenção, e por ser um país com uma língua que é a mesma que a nossa, embora tenha grandes diferenças, e cada vez eu vejo mais isso, na gramática, na forma das palavras… já tentei escrever em português europeu e é uma coisa extremamente difícil para nós, a estrutura é diferente, enfim. Mas por ser a mesma língua vejo que há uma atenção muito interessante para as letras que eu escrevo.
– Agora, desde que estamos confinados em casa por causa desta pandemia, vários artistas têm encontrado alternativas para continuar a proporcionar ao público momentos de lazer, momentos bons. E a Taïs não é exceção e não o faz sozinha. Tem feito parcerias e tem feito uma coisa que me parece muito meritória que é fazer algumas apresentações nas redes sociais com vista a angariar dinheiro para ajudar músicos. Estou certa?
Está certa, sim. Vamos por partes. Os vídeos que tenho feito, eu diria que são um bem para mim e tentando confortar as pessoas em casa também. Nesses momentos eu acho que é muito fácil a cabeça começar a ficar um pouco confusa, acho que todos nós ficamos confusos nessa quarentena, e também eu aproveitei para fazer parcerias com pessoas que eu sempre admirei e acabei nunca fazendo durante a carreira, porque para você fazer um trabalho ou um disco específico, você precisa de tempo, estudo, pensar nos arranjos, na produção. Então essa quarentena tem-me permitido fazer gravações menos preocupadas com estética, com qualidade de gravação, mas nem por isso deixam de ser parcerias bonitas e emocionantes. Então eu estou tendo muito prazer em fazer isso.
– Ainda bem que a tecnologia permite esta proximidade apesar da distância.
Exatamente. Nós temos muita sorte de estarmos passando por esta situação com a tecnologia. Claro que somos privilegiados. Sabemos que nem todo o mundo tem essa sorte de ter esses meios, principalmente no Brasil, as pessoas não têm internet tão facilmente, enfim, sei que somos privilegiados mas agradeço por isso e faço o meu melhor.
– E as doações?
Em relação às doações, nem sempre são para músicos. Essa última foi para os músicos mais necessitados, os nossos colegas de trabalho que precisam mais agora. E no passado foi para uma amiga que cozinha comida para levar para as pessoas em situação de rua. Então, ela cozinha na casa dela, e até então ela estava fazendo com recursos próprios, então eu tentei angariar alguns fundos para ajudá-la. Depois de uma apresentação on-line que eu fiz, uma outra amiga entrou em contacto comigo e perguntou se… porque eu acho que eu vou fazer agora uma live infantil, aproveitando o mote do meu trabalho infantil, vou fazer uma live infantil porque algumas mães têm-me pedido para entreter os filhos. E coincidentemente depois de eu anunciar que ia fazer isso, uma outra amiga entrou em contacto comigo e perguntou se eu podia angaria fundos para levar cestas básicas para crianças mais necessitadas. Ela diz que uma aluna telefonou para ela nessa semana, dizendo que não tinha absolutamente nada para comer naquela semana. E ela ficou muito desesperada ouvindo essa situação, e conseguiu dar um jeito de alguém levar para ela, porque ela mesmo não poderia, tem uma saúde frágil por causa de uma doença crónica, e conseguiu que alguém levasse cestas básicas para essa aluna dela.
– E isso aconteceu cá ou no Brasil?
No Brasil. Então, ela me pediu, perguntou se eu poderia fazer uma live para angariar fundos para essas crianças. Mas eu acho que qualquer pessoa que me peça, eu vou fazer com o maior prazer do mundo, porque não é só o Brasil que precisa. Mas é que no Brasil eu tenho mais conhecidos que precisam.
– E esta pandemia de facto agravou as condições sociais e económicas de muitas pessoas.
Eu acho que sim. Acho que se pudermos tirar algum benefício desta história toda, é que talvez tenhamos mais pessoas empáticas.
– Taïs, se calhar, e para terminarmos a nossa conversa, convido-a a dirigir-se diretamente às pessoas que vão ler a nossa entrevista, dizendo-lhes por que razão devem procurar as suas páginas, e por que razão a devem ver, aos seus diretos e às suas partilhas.
Primeiro motivo, porque eu acho que devemos conhecer coisas novas. Gostando ou não gostando, é sempre bom conhecer música nova. Faço o meu trabalho com muito, muito amor, espero que as pessoas gostem. Segundo, neste momento mais ainda porque é o nosso recurso para conseguir ganhar algum dinheiro pelas plataformas digitais. Não digo pelas lives, não digo pelos vídeos que eu tenha feito, mas digo pela visibilidade, isso pode nos ajudar futuramente. E nas plataformas como por exemplo YouTube, Spotify, Apple Music, tudo isso são coisas rentabilizáveis. Então, quanto mais eu for ouvida mais eu posso ganhar alguma renda com isso.
Entrevista realizada por Raquel Marinho
Foto: Juliano Luccas