Miguel Henriques em Bogotá: “A paz não se assina; a paz constrói-se”

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Miguel Barreto Henriques é licenciado em Relações Internacionais e doutorado em Política Internacional de Conflitos pela Universidade de Coimbra, pela qual apresentou a tese intitulada Laboratórios de Paz em territórios de violência(s): abrindo caminhos para a paz na Colômbia?, premiada em 2013 com o Prémio Científico Casa da América Latina/Santander Totta na categoria de Ciências Sociais. Hoje é o diretor do Observatorio de Construcción de Paz da Universidade de Bogotá Jorge Tadeo Lozano. A Casa da América Latina falou com ele.

A sua tese de doutoramento tem o formato de uma pergunta – Abrindo caminhos para a paz na Colômbia? – três anos depois, a resposta está a ser consumada?

A minha tese de doutoramento defendia a ideia que o conflito armado na Colômbia tem na base causas estruturais e raízes profundas, razão pela qual a construção da paz neste país será necessariamente um processo multidimensional e de longo prazo. Realmente, a paz não se assina, nem se materializa como um café instantâneo com a finalização de uma negociação; a paz constrói-se. No entanto, este acordo com as FARC significa um passo de gigante no caminho da paz – o fechar de um dos mais sombrios capítulos da história da Colômbia e um dos mais visíveis rostos da violência no país.

O que representou o “não” no referendo de 2 de outubro?

O “não” no referendo revela uma sociedade profundamente polarizada e dividida na perceção do conflito armado e na projeção de saídas para a paz. A recusa popular do acordo com as FARC relaciona-se com uma satanização generalizada desta guerrilha na sociedade colombiana, provocada pelos próprios erros cometidos por este grupo (sequestros, extorsão, massacres, ligações com o narcotráfico), mas também pelos meios de comunicação dominantes, que veiculam uma perceção desequilibrada do conflito armado que sobrevaloriza e expõe a violência guerrilheira e oculta a violência paramilitar e do Estado colombiano. Assim, em grande medida a vitória do “não” no referendo representou a supremacia do rancor, do ódio e do desejo de vingança sobre os guerrilheiros das FARC, em detrimento da paz e da reconciliação no país. Para uma muito significativa parte da população colombiana era inaceitável que guerrilheiros das FARC pudessem ter assento no parlamento colombiano e se submetessem a mecanismos de justiça transicional que não implicavam penas de prisão efetiva; da mesma forma que era ilegítimo negociar e definir temas políticos de importância para o país, com um grupo guerrilheiro ou terrorista.

“Este acordo de paz não é melhor que o anterior”, afirmou numa entrevista recente. Pode apontar algumas das diferenças e críticas apontadas?

Este não é um acordo de paz radicalmente novo e reestruturado. As mudanças foram cirúrgicas e nalguns casos cosméticas. Alguns novos pontos foram adicionados, outros retirados, outros reformulados. No entanto, não se tocou nos cavalos de batalha da campanha do “não”: a participação política das FARC manteve-se e o acordo sobre justiça transicional preservou os pontos principais. Todavia, o eixo político e ideológico do acordo deslocou-se para a direita. A reforma agrária foi limitada e moderada. Privilégios para os grandes proprietários de terras e militares foram incluídos. Neste sentido, este não é um melhor acordo de paz. No entanto, de certa forma, é mais representativo da sociedade colombiana. Se algo de positivo saiu dos resultados do referendo foi abrir a mesa de negociação a mais sectores sociais e políticos, ao mesmo tempo que gerou um movimento social pela paz.

Qual é o ambiente que se sente na Colômbia? Existe uma atitude de otimismo em relação ao sucesso desta nova oportunidade para os acordos?

Como foi patente nos resultados do referendo, meio país sente um profundo ceticismo relativamente ao acordo de paz. A outra metade viveu o “não” como um imenso balde de água fria que fez cair por terra o otimismo que sentia. Além do mais, continua ativa a segunda maior guerrilha colombiana, o ELN, assim como o fenómeno paramilitar de extrema-direita, que tem vindo a reciclar-se e a espalhar novas vítimas em muitas zonas da Colômbia. Neste sentido, sente-se alguma esperança no ar e consciência da importância do momento histórico que o país vive, mas não há um clima de euforia nem de grande otimismo.

Depois do trauma do plebiscito de 2 de outubro, não se arriscou levar a novo referendo popular o acordo de paz. A aprovação fez-se por via parlamentar, sem o apoio do partido do ex-presidente Uribe e sem grande entusiasmo popular e mediatismo.

Tem vindo a trabalhar sobre este tema ao longo de vários anos, sendo o atual diretor do Observatório para a Construção da Paz em Bogotá. Que trabalho é desenvolvido neste espaço de investigação?

O Observatorio de Construcción de Paz da Universidade de Bogotá Jorge Tadeo Lozano integra-se na tradição da investigação para a paz, uma área das ciências sociais que vê a investigação académica como uma ferramenta de transformação social. Serve de base a vários projetos de investigação e consultorias que pretendem não só analisar criticamente o conflito armado na Colômbia (e noutros países), como fazer propostas políticas para a paz com justiça social.

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