José Barahona na MCAL: “Temos tendência a menosprezar a nossa cidade”

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A Mostra de Cinema da América Latina encerra no Cinema São Jorge com o filme “Estive em Lisboa e Lembrei de Você”, no dia 11 de dezembro, pelas 21h30, contando com a presença do realizador, José Barahona.

Realizador, técnico de som, argumentista e produtor, José Barahona formou-se na Escola Superior de Teatro e Cinema, tendo completado os estudos em Cuba e Nova Iorque. Em 2003 licenciou-se em Realização pela Escola Superior de Teatro e Cinema. Paralelamente trabalhou como técnico de som desde 1992 em diversas longas-metragens, curtas, e documentários. Em 2013 tornou-se sócio da produtora brasileira Refinaria Filmes e foi programador e produtor da Mostra Cinema Português Contemporâneo.

José Barahona falou sobre o seu filme à Casa da América Latina.

Como surgiu a ideia de fazer a adaptação do romance de Luiz Ruffato?

Quando li o livro já estava a trabalhar muito entre o Rio de Janeiro e Lisboa. Em 2009 estava a acabar o meu filme “O manuscrito perdido”, que aborda algumas questões da presença portuguesa no Brasil na sua relação com a história. Eu queria abordar essa questão, as relações entre os dois países de um ponto de vista contemporâneo. Eu já pensava em viver e trabalhar no Brasil por um período mais longo, por isso história de um brasileiro que emigra para Portugal pareceu-me ideal para fazer um filme que, ao mesmo tempo, pudesse refletir aspetos da minha vida nesse momento.

A vida do personagem principal leva uma reviravolta quando decide emigrar para Lisboa. Tendo em conta o seu percurso (que de certo modo é o contrário – nasceu em Lisboa, tendo completado os estudos lá fora), considera que o filme é reflexo da sua experiência pessoal?

Quando comecei a trabalhar neste filme, na adaptação, eu estava ainda entre Lisboa e o Rio de Janeiro, onde resido atualmente. Na época eu estava a começar a perceber o que significa estar fora, estar longe do lugar onde sempre pertencemos e o que significaria tentar pertencer a um novo lugar de uma forma mais definitiva, pois quando estava a estudar foram períodos de tempo relativamente curtos. Acho que muitas coisas funcionaram de forma inconsciente nessa altura. Eu queria descobrir como viviam os brasileiros que eu tinha conhecido em Lisboa, mas antes de terem ido para lá. Depois, com o avançar do trabalho tudo começou a se encaixar. Nesses cinco anos até à conclusão do filme, identifiquei-me cada vez mais com o personagem e com o desenraizamento de estar fora. Sim, foi um reflexo, um espelho de mim próprio, o que está no filme.

O filme adota também o modelo de entrevista, que reflete o romance em que se baseia. A realidade que procurou captar é também inspirada em pessoas que lhe são próximas?

Não são entrevistas. São conversas encenadas. O que aconteceu é que os personagens que o Luiz Ruffato descreve no seu livro são personagens que eu conhecia em Lisboa, personagens tipo. O angolano que esteve na guerra em Angola, a prostituta brasileira, o emigrante português que teve uma padaria no Brasil nos anos 60, etc. Procurei as pessoas que tinham vivido essas histórias e pu-las como personagens do filme. No fundo eles representam-se a si próprios. Não são de todo entrevistas, mas todos contam a sua história. Este é também um filme que assume essa estrutura do documentário, de dar voz às pessoas.

Portugal é (ou já foi) um país idealizado como uma porta aberta para a Europa, principalmente para um rapaz “simples” do interior brasileiro?

É. Já foi mais. Depois da crise, todos no Brasil entenderam que as coisas na Europa e em Portugal não estavam fáceis, principalmente quem morava em Lisboa. Na época em que se passa o filme, 2005/2014, eram pessoas de classes sociais mais desfavorecidas que vinham para Portugal e para Lisboa, mas hoje em dia são brasileiros endinheirados de classe média alta que procuram refúgio em Lisboa. Conheço muitas pessoas aqui no Rio que foram ou querem ir morar em Lisboa. São pessoas que não estão necessariamente à procura de trabalho. Vão passar a reforma ou trabalhar para o Brasil à distância, escrevendo ou investindo e criando as suas oportunidades. Lisboa é uma cidade que neste momento está na moda no Brasil. É que nós, por vezes, ao vivermos em Lisboa temos tendência a menosprezar a nossa cidade. Mas as misérias sociais e políticas do Brasil e do Rio de Janeiro, a violência do dia-a-dia, a violência do crime e a violência política que se vive através do golpe de estado institucional neoliberal e fascista que serve como manto para tapar a corrupção faz com que Lisboa seja um paraíso se comparado com o Rio e o Brasil. A miséria no Brasil não tem comparação com a pobreza que existe em Portugal. Mesmo com a crise económica da qual ainda estamos a sair. Durante o auge económico no Brasil, há uns três ou quatro anos, muitos brasileiros regressaram e foi quando muitos portugueses vieram também para o Brasil. Mas, tirando as possibilidades de trabalho, a vida no Brasil é muito dura. Eu vim para trabalhar, para filmar e fazer este filme. Mas é uma vida dura.

Qual a sua relação pessoal com Lisboa? Sente que é hoje um local de passagem/ turismo, e hostil para quem quer cá viver?

Lisboa mudou muito nos últimos anos. Eu não reconheço muitos lugares da baixa e do Chiado, ou do Bairro Alto. As minhas tascas e restaurantes mudaram ou fecharam e transformaram-se e não foi para melhor. Há uma espécie de globalização turística que transformou Lisboa. Padarias “gourmet”, tasKas com K metidas a moderninhas, enfim, coisas que descaracterizaram a cidade mas das quais o turista gosta. Isso aconteceu em parte como saída para a crise económica. Mas não me parece nada uma cidade hostil. Nem para estrangeiros. Claro que chegar sem conhecer ninguém, à procura de trabalho e com muita ingenuidade e pouco dinheiro torna a pessoa muito vulnerável, que é o que acontece no filme. Muita gente sofreu muito ao vir para Portugal nessas condições. A máfia da prostituição e o trabalho escravo existem em Portugal. Por outro lado Lisboa é uma cidade tão pacata, tão tranquila, não é? Não há muito transito, se comparado com o Rio ou São Paulo onde se demora séculos para ir de um lugar ao outro. O crime é muito pouco atuante, não há milícias nem traficantes que governam zonas em que o governo e a autoridade oficial não entra como acontece nas Favelas. Não se corre um risco de vida tão grande nas ruas. Então é um outro mundo. Pessoalmente é, e sempre será, a minha cidade. Embora as mudanças que referi já me façam estranhar e sentir-me por vezes como estrangeiro na minha cidade. É uma cidade com um turismo muito forte neste momento. Ainda há problemas económicos e de desemprego muito graves. Mas temos muito sol, vinho bom e barato e sardinha assada. (Risos) Tenho muitas saudades!

Que outros projetos vê emergir no futuro?

Tenho em curso vários projetos que abordam essa temática das ligações entre Portugal e o Brasil. Uma ficção sobre o naufrágio de um navio negreiro português e brasileiro numa costa deserta no final do século XIX em que os brancos ficam em inferioridade numérica numa praia que desaparece na maré cheia deixando os náufragos literalmente sem pé. E um projeto de documentário sobre a língua geral amazónica, o Nheengatu que tem origem no Português e no Tupi Guarani. E vários outros projetos sempre em desenvolvimento.

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