MCAL 2016: Eduardo del Llano faz “crítica à intolerância” em “Omega 3”
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___________________________________________________________________________________Escritor, professor universitário, realizador, produtor e guionista, Eduardo del Llano nasceu em 1962, em Moscovo, e vive atualmente em Havana, cidade onde se licenciou em História da Arte em 1985. Fundou em 1982 o grupo de teatro de comédia e quarteto literário “NOS-Y-OTROS”, que manteve até 1997. Lecionou História da Arte Latino-americana, entre 1990 e 1995, na Faculdade de Artes e Letras da Universidade de Havana.
O seu último filme, “Omega 3”, que vai ser apresentado na 7ª Mostra de Cinema da América Latina, no Cinema São Jorge, a 10 de dezembro, pelas 19h30, é considerado o primeiro filme de ficção científica realizado em Cuba. A ação passa-se em 2114, no decorrer de uma hipotética guerra mundial causada, não por ideologias, mas pela luta entre Vegs (vegetarianos) e Macs (macrobióticos), pela implementação de uma hierarquia alimentar.
Como surgiu a ideia de escrever sobre uma sociedade pós-apocalíptica?
Escrevo habitualmente contos humorísticos. “Omega 3” baseia-se num pequeno conto homónimo que escrevi em julho de 2010. O conto, por sua vez, baseia-se na filosofia de um familiar que nessa época se tornou fundamentalista em relação à sua dieta.
Esta é uma crítica à sociedade atual, na qual os regimes alimentares parecem definir cada vez mais uma “classe social”?
É uma crítica à intolerância, à ideia que apenas nós próprios somos donos da verdade e que é necessário ou evangelizar os outros nesse sentido ou destruí-los. Pareceu-me interessante que esta ideia se reflita da mesma forma na nutrição: “gosto tanto de ti, preocupo-me tanto, que te matarei caso não comas aquilo que eu acredito te fazer bem”.
Uma Terceira Guerra Mundial é hoje muito antecipada por leigos ou estudiosos, mas aquela que retrata não é entre Estados ou religiões, mas sim, uma questão de dieta alimentar. Existe aqui um paralelo político que pretende estabelecer?
Sempre que uma ideia se torna totalitária, torna-se num dogma, é perigosa. Os diferentes grupos (macrobióticos, vegetarianos, etc) atuam da mesma forma que o fanatismo dos Cruzados. Não seria descabido imaginar que em algum momento possam substituir os credos políticos e religiosos…
Esta é a sua previsão do futuro? Em que fação se posicionaria pessoalmente (vegetarianos, macrobióticos, ovolácteos, carnívoros, frutívoros)?
Num projeto – que nunca chegou a ver a luz do dia – para uma banda desenhada que se passaria no mesmo mundo do filme, aparecia um outro grupo – os Omnis (omnívoros, isto é, os que comem de tudo). Todos os demais grupos odiavam-nos por não se definirem, e tinham de viver escondidos. Eu seria um Omni.
O que é que salva os protagonistas? É a recusa do radicalismo? Que moral encerra esta história?
O amor instintivo entre Ana e Nick, aparentemente, é o que os salva, mas o conceito da película é bastante pessimista: no final acabam por reproduzir a nível familiar os esquemas de dominação alimentar (obrigam o filho a comer).
Este foi o primeiro filme de ficção científica realizado em Cuba. Que dificuldades específicas encontrou na execução dentro do género?
A encenação, os recursos materiais. A título de exemplo, nos uniformes Mac estão integradas peças de borracha que se utilizam na confeção das rodas dos carros cosidas à mão pela figurinista. Por outro lado, a equipa, incluindo os artistas de efeitos visuais, mostraram-se entusiasmados com um projeto que lhes permitiu expandir e mostrar a sua criatividade. Foi graças a isso que o conseguimos fazer.
A temática do seu filme tem um especial relevo na América Latina? Ou o objetivo foi endereçar uma preocupação global?
O meu interesse foi global.
Qual a receção que tem sentido por parte do público e da crítica?
Não foi um filme para as maiorias. A maior parte das pessoas em Cuba, e para além dela, não sabe o que fazer com um filme que não fala de pobreza, repressão, música salsa, tabaco e mulatas. Por outro lado, existe um círculo de admiradores fiéis.
Começou como guionista e está presente na cena cinematográfica cubana desde 1990. Para além disso trabalha também como crítico. Como equilibra todas estas partes e como se vê evoluir?
Não sou crítico, ainda que eventualmente escreva textos, muito impressionistas, sobre o cinema. E não é tão difícil quando se tem o dom de inventar histórias. A mim impressionam-me as capacidades de um carpinteiro ou de um jogador de xadrez, e questiono-me como o conseguem fazer. O meu trabalho, como o de todas as pessoas, tem altos e baixos. Porém, sinto-me orgulhoso com o que faço.
Como é que Moscovo, cidade natal, influencia a sua obra?
Não influencia. Admiro a cultura russa, mas neste caso não tem nenhuma relação. Talvez o tom e o ritmo de “Omega 3” devam algo a “Solaris” e “Stalker” de Tarkovsky, mas seria tudo.
Que outros projetos vê emergir no futuro?
Tenho um guião recém-terminado para uma nova longa-metragem… também de ficção científica, mas desta vez decorrerá em Cuba. Agora vou começar o processo de busca por financiamento… Entretanto, espero filmar uma curta satírica em 2017.
Que cinema lhe tem interessado nos últimos tempos?
Interessa-me todo o cinema, ainda que tenha autores favoritos, como Woody Allen, os argentinos Mariano Cohn e Gastón Duprat, o chinês Zhang Yimou…