Patricio Damm: “Os roadshows da CAL são úteis”
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___________________________________________________________________________________A poucos dias de regressar ao Chile, onde terminará a sua carreira diplomática de 39 anos, o Embaixador do Chile em Portugal, Patricio Damm, deu uma entrevista à Casa da América Latina. Nesta parte da conversa, o Embaixador afirma que os decisores políticos e empresários chilenos ainda não consideram Portugal uma prioridade e que a Casa da América Latina é uma das instituições que mais têm feito para melhorar o conhecimento mútuo. Na outra parte da entrevista, Damm aborda aspectos da cultura chilena e portuguesa, de política internacional, da sua carreira diplomática e da poesia que escreve nos tempos livres.
Está satisfeito com o seu trabalho em Portugal, nestes dois últimos anos?
Um diplomata nunca está plenamente satisfeito, porque há sempre muito por fazer, e isso acontece especialmente em relação a Portugal. Há uma relação muito antiga entre Chile e Portugal, mas essa relação nunca se concretizou num maior intercâmbio económico e cultural. Há um potencial enorme para que esse intercâmbio aumente: as oportunidades são muitas e este é um bom momento, porque Portugal está a redescobrir o mundo.
E a América Latina, em particular.
Sim, é certo. Nestes dois anos em que aqui estive verifiquei que o interesse de Portugal pela América Latina é real: os empresários estão muito interessados e querem dar a conhecer os seus produtos à América Latina, que está a emergir. Para além disso, a região pode ser um trampolim para chegarem à Ásia e ao Pacífico. A Aliança do Pacífico, que junta México, Colômbia, Peru e Chile, oferece no meu entender grandes oportunidades a Portugal. O trabalho de aproximar ainda mais Portugal do Chile ficará para o meu sucessor.
Crê que Portugal vem desenvolvendo relações económicas mais fortes com outros países latino-americanos, em detrimento do Chile?
Não é tanto uma questão nacional, tem mais a ver com os empresários de um e do outro país. A abertura da América Latina ao exterior está a iniciar-se em força. É o caso da Colômbia, por exemplo, com um grande crescimento económico. No Chile é mais difícil para as empresas competirem.
O Chile tem menos necessidades básicas de investimento do que outros países na região.
Exactamente. Mas, embora menos, há muitas necessidades ainda em áreas em que Portugal e o Chile podem cooperar e acrescentar valor, como a da habitação social, aeroportos, estações de comboio e energia.
Quer destacar algum contributo positivo concreto do seu mandato em Portugal?
Creio que o meu trabalho aqui foi fundamentalmente (e graças à Casa da América Latina e outras instituições, que me permitiram viajar por Portugal, conhecer distintas regiões e empresas) transmitir a mensagem do que oferece o meu país, tal como fizeram os restantes embaixadores. Falei sobretudo da segurança e da estabilidade do Chile. Vir para Portugal como Embaixador tem sido, nos últimos 20 anos mais ou menos, uma espécie de prémio, porque é um país fantástico, com gente muito amável, comida e clima excelentes, e pensa-se que o trabalho é reduzido. Agora isso está a mudar, estou a tratar de que essa imagem se reverta. Há muito para fazer na relação entre o Chile e Portugal, e isso vai ser difícil de concretizar, mas essa é a mensagem que tento transmitir. Tenho 39 anos de carreira diplomática, e é curioso que eu esteja a adoptar como minha segunda pátria o último país que me calhou. Aprendi nos últimos anos a gostar muito de Portugal.
Há algo importante que tenha ficado por fazer neste seu mandato?
Há sempre mais coisas que poderiam ser feitas. Vou dizer algo que um diplomata não deve dizer: a diplomacia mais difícil é a interna, a que se faz junto do próprio país, para que entendam e captem que Portugal está a mudar e a abrir-se ao mundo, oferecendo possibilidades de investimento e produtos de grande qualidade e bom preço. Isto é o mais difícil e creio que não o consegui tão bem quanto queria. Portugal não é muito conhecido no Chile.
É uma questão de resistência ou de desconhecimento?
Os países vão estabelecendo prioridades. No caso do Chile, há que tentar que Portugal se torne uma prioridade. Há a tendência para tratar a União Europeia como um conjunto, como um ente só, e temos tratados de comércio com a União Europeia. Neste momento parece-me que devemos tentar melhorar as relações com alguns países europeus, em particular com Portugal. O Chile é um grande exportador de produtos agrícolas, em contra-estação com Portugal e a Europa. Agora, com o Porto de Sines e a reabertura do Canal do Panamá, os nossos produtos poderão chegar mais facilmente à Europa, já não através de Roterdão, mas por Sines.
Como foi a sua relação com a Casa da América Latina nestes anos?
A Casa da América é uma instituição que tive dificuldade em compreender, a princípio. Entendia o seu âmbito cultural, a sua ligação à cidade de Lisboa, o não ser um organismo de carácter nacional. Mas ao mesmo tempo promovia iniciativas em todo o país e promovia Portugal, e não só Lisboa, na América Latina.
Crê que a CAL desempenha bem o seu papel?
Penso que sim. Não creio que haja disputas com outros organismos que se ocupam das mesmas áreas, como a AICEP e o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Espero que possam continuar este trabalho, porque certamente todos os Embaixadores latino-americanos ficaram a ganhar muito com as viagens às regiões, às empresas, através da Casa da América Latina. É uma actividade muito útil.
Tem sugestões para o funcionamento da CAL?
Há sempre algo para melhorar. Eu creio que é difícil levar todos os Embaixadores, na mesma altura e ao mesmo lugar, sem que as suas apresentações aborreçam o público. Talvez seja melhor procurar um esquema diferente, com menos Embaixadas representadas em cada viagem, com mais enfoque e concentração nos interesses específicos de cada país. Seria provavelmente mais útil.
A CAL deve então continuar a apostar nos roadshows diplomáticos.
Graças a estes roadshows, e aqui falo também pelos meus colegas, os nossos países são mais e melhor conhecidos cá. Creio que Portugal deve ainda fazer um esforço maior para dar-se a conhecer no estrangeiro. Na América Latina sabe-se pouco, lamentavelmente, sobre Portugal. Temos laços históricos e idiomáticos, mas para o chileno médio que viaja – e está a fazê-lo muito – Portugal continua fora do seu circuito turístico na Europa: ele vai a Madrid, a Frankfurt, a Roma, mas não vem a Lisboa, o que é um grande erro. Como diz a minha esposa, quando vamos ao Chile parece que fazemos imensa publicidade a Portugal. Toda a gente fica fascinada com o que vê em Lisboa. É uma das cidades mais bonitas do mundo, no meu entender. Os chilenos que aqui vêm sentem-se muito cómodos, adaptam-se com facilidade.
Como pode a CAL dar mais a conhecer Portugal na América Latina?
Não creio que esse papel deva caber à Casa da América Latina. Parece-me que deve cumprir a sua função cá em Portugal. As Embaixadas de Portugal na América Latina, a aicep (destaco a delegação no Chile, que vem fazendo um trabalho excepcional) e o Governo português têm essa outra tarefa. Quanto à CAL, tem vindo a desempenhar bem o seu papel aqui em Portugal.