Doze horas após o presidente dos EUA, Donald Trump, impor unilateralmente tarifas às importações de quase todos os países, com um mínimo de 10%, agravado conforme os países e setores, a Casa da América Latina e o Clube de Lisboa promoveram a 3ª edição de Lisbon Talks – América Latina, intitulada “Globalização e protecionismos: cenários na América Latina”, que teve lugar na Casa das Galeotas, sede da CAL.
A sessão foi moderada pelo Embaixador do México em Portugal, Bruno Figueroa e com intervenções iniciais protagonizadas por Alejandro Hernández Lacorte, Diretor Geral da Bimbo Portugal desde 2023 e por Filipe Vasconcelos Romão, Professor Auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) e especialista em assuntos da américa Latina.
Perante uma sala cheia a conversa foi iniciada com a pergunta sobre como pode a América Latina posicionar-se num cenário de crescente protecionismo liderado pelos Estados Unidos, tendo na sessão sido debatido o futuro económico da região, tendo como pano de fundo a tensão entre globalização e interesses protecionistas.
O ponto de partida foi a constatação de que as políticas comerciais da administração Trump estão a redesenhar o mapa do comércio internacional. A imposição de taxas alfandegárias sobre importações de vários países latino-americanos levanta desafios imediatos à fluidez do comércio regional e às estratégias de internacionalização de empresas .
Comércio
A globalização permitiu que grandes grupos económicos latino-americanos expandissem as suas operações para os cinco continentes. No entanto, essa expansão tornou-se, ao mesmo tempo, uma vulnerabilidade. No caso do México, onde 80% do comércio internacional é feito com os EUA, a dependência é estrutural, sendo, por isso, qualquer alteração política ou tarifária, um risco sistémico. . O desafio atual das empresas é, pois, encontrar equilíbrios entre manter a presença nos EUA e diversificar mercados, apostando em hubs logísticos espalhados por várias regiões do mundo. A estratégia das empresas tem a ganhar com o aprofundar de sinergias internas, promovendo o comércio entre várias unidades dos grupos. Esta lógica de distribuição reforça a resiliência das cadeias de abastecimento, mas não deixa de estar exposta à volatilidade das decisões políticas globais.
Acordos e relações com a Europa
A par da tensão com os EUA, a América Latina procura reforçar os seus laços com a União Europeia. Foi destacada a importância de acordos como o da UE-Mercosul, cuja concretização poderá representar uma nova etapa de integração comercial transatlântica. No entanto, foram salientados os obstáculos políticos internos na Europa, como a oposição de países como a França ou a Polónia, que colocam em risco não apenas o acordo, mas o próprio princípio do comércio multilateral. O México, que já beneficia de um acordo com a União Europeia desde 2000, surge como um exemplo de parceria estratégica que pode servir de modelo para outras economias latino-americanas. Nesse sentido, Portugal foi identificado como interlocutor privilegiado, com capacidade para estabelecer pontes, dado o seu histórico de relações com a América Latina e o seu compromisso com o multilateralismo.
Migração e sustentabilidade
As alterações nas políticas comerciais não são neutras do ponto de vista social. A imposição de taxas alfandegárias e o encerramento de fronteiras impactam diretamente o quotidiano de milhões de pessoas. No caso mexicano, as novas políticas norte-americanas podem afetar não só o comércio, mas também a circulação de trabalhadores e as remessas que sustentam milhares de famílias. A discussão alertou para o risco de políticas migratórias mais agressivas e para a necessidade de negociar, de forma coordenada, respostas humanitárias e jurídicas eficazes.
Neste contexto, foi também destacada a necessidade de as empresas adotarem uma postura de responsabilidade social e ambiental, investindo em práticas sustentáveis e em cadeias logísticas mais éticas, numa tentativa de conjugar competitividade com impacto positivo nos territórios onde operem.
Uma geopolítica em mutação
A sessão terminou com uma reflexão sobre a importância da lucidez estratégica. O mundo encontra-se num ponto de inflexão, onde a previsibilidade foi substituída pela incerteza e onde as regras do jogo são alteradas unilateralmente. A América Latina precisa, mais do que nunca, de consolidar a sua posição internacional, diversificar os seus parceiros e reforçar a sua autonomia económica. Se o protecionismo avança, cabe aos países latino-americanos, às suas empresas e aos seus aliados, como Portugal, reinventar a forma de fazer comércio e de exercer influência. Num cenário em que os blocos geopolíticos se tornam mais fechados, serão necessárias diplomacias mais ágeis, lideranças mais determinadas e sociedades civis mais informadas para que se mantenha aberta a janela da cooperação internacional.
Publicado: Maio 2025