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Amalia Bautista, poeta espanhola com três livros publicados em Portugal, é uma das convidadas da Casa da América Latina, com o apoio do Instituto Cervantes, para o Dia Mundial da Poesia, no Centro Cultural de Belém. Na sessão, lerá alguns dos seus poemas.

A Amalia Bautista tem três livros publicados em Portugal. Um pela editora Relógio D’Água, chamado Trípticos Espanhóis (onde aparece ao lado de outros dois poetas), e outros dois chamados Coração Desabitado e Estou Ausente, ambos publicados pela editora Averno. Qual é o feedback que tem dos seus leitores portugueses? 

Creio que
tenho mais leitores portugueses do que os que poderia imaginar. Pelo menos é o
que me dizem os meus editores, porque as edições esgotam. Isto, tratando-se de
poesia, não deixa de ser surpreendente, e eu só posso estar agradecida.

– Está prevista a publicação de mais algum livro seu
em Portugal? Se sim, que livro é e como falaria dele?

Sim, está
quase a sair “Conta-mo Outra Vez”, de novo pela editora Averno. “Conta-mo Outra
Vez” é um livro de poesia publicado pela editora espanhola La Veleta há muitos
anos, em 1999, e é um livro em que estão alguns dos meus poemas com que mais me
identifico.

A sua poesia trata, muitas vezes, o tema do
amor, um dos grandes temas de toda a literatura, mas também trata dos temas da
morte e da vida. É uma inevitabilidade?

Creio que
são temas fundamentais da poesia e do pensamento humano. São as três feridas de
que falou Miguel Hernández, e não me ocorrem muitas mais coisas, fora desses
três conceitos, que impulsionem a criação. Para além disso são três feridas
eternas, que continuam motivadoras em qualquer época e lugar, tendo em conta
que, de facto, são inevitáveis.

Nesse sentido, aquilo que lemos na sua
poesia, pode ser, de certa forma, autobiográfico, ou o poeta, em sua opinião,
pode escrever poemas recorrendo a um exercício de criação que não passa
necessariamente pela sua experiência e por aquilo que vive?
 

Ambas as possibilidades estão certas. Os leitores tendem a pensar que a narrativa é um género de ficção e a poesia um género confessional. Para a poesia, eu reivindico esse mesmo direito de fazer ficção. Mas, no meu caso, a verdade é que a mina poesia tem vindo a parecer-se cada vez mais com a minha vida, à medida que o tempo passa. 

– Ainda tendo em conta a ideia da morte, um dos
grandes temas da literatura, o que gostaria de ver escrito no seu
epitáfio? 

Não sei. Não
gosto de pensar nisso.

Variadíssimos leitores da sua poesia dizem
encontrar nela eco para aquilo que sentem, ou para aquilo que estão a viver no
momento em que a lêem. Considera que a poesia pode ou deve servir para esse
espelho? 

Dizem que
quem termina o poema é o leitor, e também dizem que quem lê um poema sente que
o poema está a falar de si. Por isso, uma das aspirações dos poetas, ou pelo
menos uma das minhas aspirações, é ser capaz de ir do particular ao universal e
vice-versa, de maneira a que o poema interesse a qualquer pessoa até chegar a
essa identificação que às vezes, milagrosamente, se dá.

Tem em conta o leitor quando está a
escrever?

Se for sincera, não. É-me muito difícil pensar em pessoas que não conheço. Penso, de facto, nos meus primeiros e melhores leitores: o meu companheiro e as minhas filhas. Em todo o caso, tendo a pensar que o que escrevo não vai ser lido por mais ninguém além deles. E isso basta-me.

– Estudou jornalismo. Encontra alguma ponte entre o
exercício do jornalismo e o exercício da poesia?  

Estudei
jornalismo porque tinha mais jeito para escrever do que para fazer outras
coisas, e pensei que não teria outras possibilidades para ganhar a vida. Mas no
trabalho com a  linguagem, não creio que
o jornalismo e a poesia tenham muita relação.

– Gostaria de se ter licenciado noutro curso que não o
de jornalismo? Qual?

Sim,
gostaria de me ter licenciado em filologia, mas só pensei nisso quando já era
tarde, e já não me apetecia voltar à universidade por vários anos.

– A poesia serve para quê? 

Felizmente, para nada. Esse é o seu luxo. E há uma grande carga de rebeldia, dedicarmo-nos, como poetas ou como leitores, a algo tão inútil. Num mundo tão mercantilista, onde os valores utilitários e monetários estão tão sobrevalorizados, a poesia converte-se num ato de liberdade, de valentia e de protesto.

– Deve saber vários versos de cor. Qual o primeiro que
lhe vem à cabeça?

Cito vários
que me acompanham sempre: 

“Ten
paciencia, / que yo alcanzo razón, y estoy ausente”, de Garcilaso

“Verás con
cuánto amor llamar porfía”, de Lope de Vega

“Si tú la
luz te la has llevado toda, / ¿cómo voy a esperar nada del alba?”, de Claudio
Rodríguez

“Porque
éramos amigos y a ratos nos amábamos”, de Rosario Castellanos

– O que é para si um bom poema? 

Aquele que
me faz pensar e sentir, que me obriga a relê-lo muitas vezes e acaba por se
tornar parte da minha memória. Aquele que me surpreende, me deslumbra e me
prende. Aquele que me provoca admiração e inveja. Aquele que não é
pretensioso. 

Vai estar em Portugal, por ocasião do Dia
Mundial da Poesia, para ler alguns poemas e conversar sobre a sua obra mas não
é a primeira vez que cá vem. Como recorda as outras visitas?
 

Portugal é
um país que adoro. Em todas as minhas visitas anteriores as experiências foram
maravilhosas. Venho sempre embora com nostalgia e tenho sempre vontade de
voltar.

– O que espera desta visita que se aproxima?

Tenho a
certeza de que desta vez também vou sentir alguma coisa muito parecida com a
felicidade.

– O Dia Mundial da Poesia tem alguma utilidade? Qual?

Voltamos a falar de utilidade. Bem, quem sabe talvez ajude um possível leitor a conhecer um possível poeta. E, sobretudo, para dizer ao mundo que a poesia importa embora não sirva.


Entrevista realizada por Raquel Marinho

Fotografia: José Frade / EGEAC