Elmer e Ian Mendoza falam de ‘Eu, a mulher macaco’

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Elmer: Como soube da história de Julia Pastrana, e o que o fez decidir trabalhar essa ideia para uma peça de teatro?

Elmer Veckio Mendoza: Em Fevereiro de 2013 foi notícia nacional no México que, depois de mais de 100 anos, regressavam ao seu lugar de origem os restos de Julia Pastrana, após 10 anos de o processo ser gerido pela artista plástica Laura Anderson Barbata. Tudo tinha características de ficção e implicava um outro país, a Noruega. Oslo e Sinaloa, no México, davam-lhe uma categoria global. Eu nunca havia ouvido falar de Julia Pastrana até que, nesse dia, a sua história me pareceu extraordinária desde o primeiro momento. Queria deixá-la descansar, para não ser sensacionalista. Naquela altura, o meu irmão Ian Carlo e Fernando Cunha, director do Valdevinos Teatro de Marionetas, estavam a pensar fazer um trabalho juntos e queriam pegar em histórias ou lendas mexicanas. Foi aí que apareceu Julia Pastrana, e convidaram-me a escrever a história. Disse que podia escrevê-la desde Portugal, o que me daria mais liberdade, pois estaria longe de onde as pessoas já teriam uma ideia sobre ela, e poderíamos contar a história sem correr o risco de sermos chamados oportunistas. O que fazemos com este trabalho é, basicamente, prestar-lhe uma homenagem.

O que mais lhe chamou a atenção na história de vida de Julia Pastrana?

EVM: A capacidade de superar é, creio, desde sempre um dos dons mais importantes dos seres vivos. Chama-se a isso renascer, reinventar-se. Pastrana tinha tudo contra ela, nas suas circunstâncias: diferente no meio, que era o da serra mexicana, órfã, trabalhava em casa do homem mais rico da aldeia. Cedo a vida lhe deu as voltas e ela aproveitou. Ninguém sabe realmente como foi: há alguns dados, mas nada que seja objectivamente comprovável. Julia Pastrana, penso, tinha a faculdade de transformar, para seu benefício, as adversidades em algo positivo para si. Falava diferentes idiomas, gustava de ler, dançar e cantar, diz-se que era generosa e alegre, e ela própria fazia os vestidos para os seus espectáculos.

Quão difícil foi o processo de adaptação ao teatro da história dela?

EVM: Foi um processo de procura da possível voz de Julia Pastrana. Como havia várias versões não as contradisse, adoptei-as e apareceram distintas vozes, diversas Julias que são a mesma a todo o tempo. Como não tínhamos acesso a gravações nem a documentação directa dela, houve que imaginar também como seria a vida de alguém com hipertricose em 1830, com pêlo em todo o corpo e um maxilar saliente. Que universo a rodeava, e quem era ela na sua relação com ele? Depois, pensámos em como seria a sua relação com o norte-americano Theodore Lent, com quem casou e que foi o seu “dono”. Como foi que esta Julia e este Theodore conceberam um filho, e que relação foi esta? Imaginei que existia aqui uma relação íntima de outro mundo, onde viviam sem preconceitos, mas sob o olhar dos outros, o que mudou a sua relação, gerando a não aceitação por motivos sociais.

Porque devem os portugueses assistir a esta peça?

EVM: Julia Pastrana sensibiliza, faz pensar nas diferenças e no que está por detrás das aparências. Tendo por base o que nos ensinam ou nos acostumamos a julgar, talvez esta peça consiga demonstrar que antes de emitir um juízo sobre algo ou alguém devemos dar tempo para o conhecermos e tentarmos decifrá-lo, porque pode ser que todos, sem excepção, sejamos uma obra de arte. Pastrana, creio eu, foi uma mulher que se foi criando artisticamente.

Ian: Com as músicas que concebeu para esta peça, acredita que conseguirá trazer à mente dos espectadores o período e ambiente de Julia Pastrana?

Ian Carlo Mendoza: Fazer isso seria complexo. Acredito, isso sim, que conseguiremos chegar às pessoas com o todo, já que a música não é da época – não quis fazer isso e achámos que não faria sentido. A música foi feita em dois sentidos que ajudam a sentir e apoiam a história: um, e principal, é o coro (temos um coro ao vivo, o Coro Allegro), que é, digamos, a componente celestial que representa a Julia Pastrana artista e mulher; o outro é composto pelas partes em que eu toco sozinho e que representam o lado mais infantil, sonhador e romântico dela. As músicas vivem em função da historia, estão coladas a ela, e nesse sentido é que refiro o “todo” como o elemento que nos transportará ao tempo das personagens.

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