27 junho a 29 agosto
A exposição patente de momento na Casa da América Latina chama-se “Linha Recta Linha Curva” e tem curadoria de Ana Viegas e Tiago Montepegado, da Galeria Ratton. Resulta da junção de artistas, projetos e olhares diferentes sobre a realidade da natureza e da cidade. O artista plástico Pascal Ruesch vive no Brasil há mais de 20 anos e traz o lado reto desta mostra, a partir da cidade de São Paulo. A artista plástica Sara Maia é portuguesa e representa o lado curvo, a partir da selva colombiana. Júlio Moreira, escritor e paisagista, faz os textos que acompanham esta proposta plástica.
“Linha Recta Linha Curva”, a cidade e a natureza. Um confronto. Um encontro. Duas visões que se afastam e complementam, para ver na Casa da América Latina até dia 29 de agosto.
CAL
– Começamos, se calhar, Sara Maia, por apresentá-la. Para quem não a conhece,
como se apresentaria, brevemente?
Sara Maia – Ui. (risos) Estudei no Ar.Co, trabalho como artista plástica há algum tempo, até porque comecei muito novinha, comecei com 19 anos a trabalhar com galerias. E portanto, digamos que já tenho uma diversidade de experiências em Portugal e no estrangeiro de vários projetos.
CAL –
Há alguma área de que goste mais?
Sara
Maia
– Essencialmente o meu trabalho é desenho e pintura. É old fashion, nesse sentido (risos), e também tem algumas
instalações, mas acaba por ser sempre o desenho e a pintura que prevalecem.

O
Pascal Ruesch é arquiteto paisagista de formação.
Pascal
Ruesch – Arquiteto paisagista de formação, arquiteto não sou. Eu
fiz um percurso mas não acabei, não concluí. Na verdade, no começo eu vivi em
França, e depois, faz mais de 20 anos, fui viver para o brasil. Antes disso vivi
um ano em Portugal. Antes de encontrar o Brasil eu estava mais ligado ao
cinema, fiz alguns filmes de documentário, e trabalhava sempre com as artes
plásticas mas em paralelo. Produzia, fazia pequenas exposições mas não
exatamente profissionais. As exposições eram profissionais por si só mas não
participava do movimento e tudo isso. No Brasil desenvolvi muito a parte
paisagística. Quando cheguei no Brasil (Roberto) Burle Marx era a grande figura
do paisagismo brasileiro. Morreu nesse ano, mas eu encontrei ele, digamos,
sentimentalmente. Fiquei bem influenciado por ele. Ele também é um paisagista e
é artista plástico. É uma figura grande. Bom, fui para o Brasil trabalhar no
paisagismo mas continuei a trabalhar sempre na minha arte plástica ao lado, e
aos poucos, chegando a idade, falei: “tenho uma coisa para produzir, quero
acabar no mundo das artes plásticas. Vou parar com o paisagismo e dedicar-me a
100% a isto.”
Há
quanto tempo é que fez essa opção?
Pascal
Ruesch – Há uns 6 anos. Infelizmente não estou mais tão jovem,
mas considero que ainda tenho tempo para acabar um processo, digamos.
A
Sara dizia que a área privilegiada de trabalho dela é o desenho e a pintura. E
a sua, qual é, Pascal Ruesch?
Pascal
Ruesch – Eu entendo bem a Sara porque debaixo do meu trabalho
que é bem estrito, bem abstrato, bem conceptual, houve uma formação que é a da
Sara, na verdade.
Mas
o seu trabalho não é visualmente semelhante ao da Sara.
Pascal
Ruesch – Nada a ver, mas as origens sim.
Então,
para quem não conhece, como é o resultado?
Pascal
Ruesch – Bom, o Tiago Montepegado, que é o diretor da Galeria
Ratton, viu uma coisa urbana, forte. Eu nem pensei no urbano, eu pensei na
civilização. Penso em pedaços, em cacos, em resquícios de uma civilização que
sumiu ou que há-de vir, para o futuro. Não sei, é enigmático. Na verdade, o
trabalho é enigmático para nós mesmos que fazemos. Estamos muito inquietos,
procuramos respostas, fazemos, e nasce isto. Não sabemos exatamente porque faz
isso. O meu intuito natural seria trabalhar como a Sara. Desenho, lápis livre,
que eu fiz antes. E afinal afastei isto e cheguei a um trabalho mais
conceptual, mais rígido, mais duro, mais digamos, protetor até.
Protetor?
Pascal
Ruesch – Sim, porque é uma superfície que se abre um pouquinho
mas não tanto. A Sara trabalha com o inconsciente, vai no inconsciente,
trabalha com emoções que logo criam emoção no outro. No meu caso demora para
criar uma emoção no meu trabalho.

Demora,
mas não quer dizer que não chegue lá. O Pascal tem essa emoção, imagino.
Pascal
Ruesch – Tenho, tenho, e tem lá emoção. A minha obra é uma
parte de mim.
Então
significa, Sara Maia, que o resultado do vosso trabalho é visualmente muito
diferente.
Sara
Maia
– Absolutamente. Mas ao mesmo tempo, o facto de ser tão diferente quase que se
complemente. Ou seja, a exposição chama-se Linha Recta Linha Curva…
A
Sara Maia é a curva.
Sara
Maia
– Eu sou a curva (risos).
E as
pessoas então encontrar essa curva em que tipo de paisagem visual, digamos
assim?
Sara
Maia – No meu caso este projeto começou em 2015, numa proposta
da curadora Elisa Ochoa, para o Centro Cultural Gabriel García Marquez, em
Bogotá. Eu não conhecia nada da Colômbia e tinha de fazer uma proposta.
Obviamente, a primeira coisa foi pesquisar sobre o que é o país e o que se
passa lá. E descobri que a palavra Bogotá quer dizer “Fim dos Campos”, ou seja,
início da cidade, início da construção. Bogotá em si é uma cidade com uma vida
como São Paulo, por exemplo, é uma cidade enorme, gigante, ao estilo
América-Latina mas muito viva. E está enquadrada realmente no meio da natureza,
e isso é incrível. E estas duas ideias foram o princípio do projeto. Ou seja,
comecei a pensar qual a razão por que nós precisávamos de construir abrigos, e
também a tentar perceber como é que nós equilibramos a parte de construção, que
o homem precisa para sobreviver e para viver protegido, com a natureza. E na
Colômbia isso ainda faz mais sentido porque depois eu e o meu marido voámos até
lá e fomos até à selva, e estivemos lá 3 dias. Aqui, uma pessoa pensa em ir
para o campo e tem um passarinho que canta. Na selva, é como se fosse uma
cidade em ebulição. E o som é uma coisa que eu não posso quase explicar, o som
da selva é uma cidade como se fosse Nova Iorque. E o ser humano não sobrevive
bem àquilo. Nós saímos de lá completamente comidos por mosquitos, mesmo com
repelentes e todas as proteções, e isso ainda me criou mais a noção de que nós
realmente precisamos de equilibrar as coisas. Não é a natureza contra o homem,
é saber como é que podemos equilibrar esta necessidade de abrigo com o resto.
Portanto,
concluiu que o abrigo é uma necessidade.
Sara
Maia
– O abrigo é uma necessidade e a pergunta é: como é que nós podemos viver em
harmonia com esta necessidade e ao mesmo tempo protegermo-nos também.
Como
é que podem coabitar.
Sara
Maia
– Coabitar, exatamente. As duas realidades em harmonia. E isso é que é a grande
questão e essa é que eu acho que é a grande questão para o futuro.

Então,
como é que essa reflexão e essa pergunta se traduz no seu trabalho. O que é que
as pessoas vão encontrar?
Sara
Maia
– Vão encontrar uma floresta que é uma floresta, neste caso, imaginada. Porque
é verdade que a Colômbia é um país muito rico em fauna e flora, e daí também
despertar esta imaginação, mas eu não escolhi os animais iguais aos que vi. É
quase como se fosse uma tapeçaria de natureza em 3 painéis, onde está essa
harmonia da natureza. Mas os animais que eu pus lá não são uma escolha científica,
by the book.
Por
oposição, na exposição este ambiente imaginário de que fala a Sara vai coabitar
com um ambiente mais frio, não sei se lhe podemos achar assim, que o Pascal
traz. O seu trabalho é o lado reto.
Pascal
Ruesch – O que trago a esta exposição não é a intenção de
querer ilustrar uma cidade, é só uma parte da cidade, mas é um trabalho também
sobre a luz, e sobre o espelho. Eu uso o espelho, digamos. O espelho no sentido
de que eu uso estes azulejos industriais como tijolo de base, como material.
Então, permito-me, em vez de só fazer a cobertura à superfície, que é muito
importante porque na verdade é como a pele, o azulejo é como a pele – mesmo em
Portugal é uma pele dos prédios – e o que tentei foi desvirtuar um pouco essa
pele e tentar fazer transparecer o que está por trás dessa pele.
Que
materiais é que usa no seu trabalho?
Principalmente azulejos industriais brancos. 15 centímetros
por 15 centímetros, que é uma base modular. Depois, em cima da superfície
desses azulejos eu furo, digamos, fazendo histórias enigmáticas que lá seriam
uma sugestão do que estará por baixo. Porque a floresta da Sara, na verdade, é
a nossa floresta. Essa floresta está dentro de nós, entende? Então essa riqueza
da floresta, que é pictórica, que seria ideal sem o homem interferir, mas na
verdade o homem interferiu. E eu sou o homem que interfere francamente na
natureza só que eu sei bem que o meu trabalho vai ser invadido pelo trabalho da
Sara, por exemplo. (risos) Porque o trabalho da Sara é o trabalho da vida
incontrolável.
E o
Pascal está a tentar controlar.
Pascal Ruesch – Eu estou controlando a vida para não perder o controlo. A sara tem a capacidade de se perder. É uma capacidade que eu tenho também, mas é uma escolha.
-
Satellite de Pascal Ruesch -
Fleur de mars de Pascal Ruesch
Então
se é uma escolha, a do Pascal esta e a da Sara outra, como é que vocês acham
que resulta esta junção destas duas linguagens?
Sara
Maia
– Nós não podemos nunca ver como é que os outros veem, mas podemos ver como é
que nós vimos. Ou seja, eu acho que tudo faz parte do mesmo mundo. É o tal
complemento. De qualquer maneira, como é que as pessoas vão ver esta harmonia
entre mim e o Pascal, acho que é uma incógnita. Mas é por isso que é um convite
para que venham ver e façam as suas próprias interpretações.
Pascal
Ruesch – A reunião de nós os dois na exposição dois acho que se
vai fazer muito naturalmente porque é como você ter dois ouvidos ou dois olhos,
são duas fontes de informação. E a pessoa vai fundir as duas e vai enxergar um
caminho na exposição. Acho que não vai ser difícil. Vai haver uma energia de
confronto, então vai ser fantástico. Não que seja desestabilizador mas vai ser
inquietante.
Entrevista realizada por: Raquel Marinho