Luís Fialho: “Partimos do zero e instalámos mesmo uma bateria à escala real, integrada numa rede de um edifício da universidade, com energia fotovoltaica”

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Luís André Pereira Fialho foi um dos vencedores do Prémio Científico Mário Quartin Graça 2019, na categoria de Tecnologias e Ciências Naturais, com uma tese sobre o tema do armazenamento de energia fotovoltaica.

O Luís Fialho é um dos vencedores do Prémio Santander na categoria de Tecnologias e Ciências Naturais com uma tese de Doutoramento. Qual é o tema da sua tese?

A tese foca-se na integração de baterias, no fundo, em redes elétricas com energia solar fotovoltaica.

E isso dito por outras palavras significa o quê?

Significa que as energias renováveis nas nossas casas, nos nossos edifícios, na nossa indústria, são intermitentes. Seja a eólica que funciona mais à noite, seja a solar que, obviamente, funciona de dia. E então temos de vencer esta barreira da intermitência para podermos ter mais energia, basicamente. E para termos mais só temos de ter armazenamento, temos de conseguir armazenar essa energia para poder utilizá-la quando quisermos e integrar isto nas nossas redes que existem. A minha tese focou-se nisto: estudar soluções de armazenamento que pudéssemos integrar com, neste caso energia solar fotovoltaica, e armazenar esta energia para utilizarmos quando quisermos.

Significa que estudou é uma forma de armazenar energia recolhida durante o dia para que possa ser utilizada posteriormente?

Ou inclusive durante o dia, no caso de haver nuvens. Porque ela é intermitente.

Portanto, o problema é a intermitência.

Exatamente.

E, segundo a sua tese, este armazenamento pode fazer-se como?

Este armazenamento pode fazer-se numa série de tecnologias de baterias. Na minha tese foquei-me essencialmente em baterias de fluxo redox de vanádio.

Ou seja?

Ou seja, são baterias que, ao contrário das baterias de lítio que temos nos nossos equipamentos, armazenam num líquido. São baterias eletroquímicas e armazenam esses eletrões em dois tanques líquidos. Estudei também a aplicação dessas baterias, a modelação, e a experimentação.

Estudou a forma de fazer isso.

Sim, como é que se faz. Porque além da parte teórica que teve o meu trabalho, também houve uma parte experimental forte.

Ou seja, materializou aquilo em que pensou. Podemos dizer assim?

Sim, sim. Na Cátedra de Energias Renováveis (da Universidade de Évora) onde estou a continuo a investigar, temos por base trabalhar sempre com equipamentos à escala real. E então partimos do zero e instalámos mesmo uma bateria à escala real, integrada numa rede de um edifício da Universidade, com energia fotovoltaica. Portanto, passou desde a parte teórica que teve a tese, a modelação e tudo isso, até depois à experimentação, à implementação disso na realidade e ao teste na realidade.

Como é que correu essa implementação na realidade?

Correu bem. Teve bons resultados e ainda continua a funcionar. Portanto, a bateria continua a funcionar previsivelmente durante muito tempo.      

Mas, para termos uma ideia do que significa o que a sua tese representa, a sua tese veio trazer uma abordagem nova que ainda não era usada no aproveitamento de energia ou já existia antes?  

Digamos que esta energia está na fase de passagem para o mercado. Ou seja, está numa fase já com alguma maturidade e começam a aparecer os primeiros produtos comerciais ou pré-comerciais. O que fizemos foi, em parceria com um fabricante do Reino Unido que tinha um primeiro protótipo, pegar nesse primeiro protótipo e instalá-lo em escala real. E depois tratou-se de, a par com a própria tese, levá-lo até um produto comercial em que o fabricante pudesse pô-lo no mercado.

Mas essa fase já está concluída?

Já está e, dado que já passou algum tempo sobre a tese, o fabricante já tem produtos comerciais no mercado, sim.

Mas a sua tese e o produto que propõe foi, digamos, inovador na altura em que o fez?

Na altura, sim. Na altura era um protótipo, basicamente.

Portanto, não existia essa forma de armazenar energia?

Não existia num formato comercial. Existia em escala de laboratório, de investigação. Não num produto comercial. Ainda tem muito caminho para fazer em termos de mercado, como é óbvio. Além de ter vantagens e desvantagens, tem ainda uma barreira de know how, de conhecimento do próprio mercado mais técnico. Ou seja, quem vai aplicar isto, no fundo são instaladores, empresas especializadas, que ainda não têm esse know how. Portanto, falta ainda vencer uma barreira, digamos, além de regulatória da própria lei, também uma barreira técnica de uma barreira de know how do mercado.

A utilização será depois unipessoal e singular ou de empresas?

Uma das desvantagens desta bateria é o tamanho. Ou seja, se compararmos com uma bateria de lítio tem um tamanho bastante maior. Estamos a falar do tamanho de uma garagem, por exemplo. Portanto, a aplicação disto será sempre em edifícios de serviços, empresas, indústria, ou grandes centrais de produção de energia renovável ligadas diretamente à nossa rede nacional.

O que é que uma indústria da eletricidade ganha em aplicar aquilo que criou?

Bom, para responder a essa questão temos de olhar para o panorama global. Atualmente, em termos de armazenamento de energia, pelo menos em Portugal, nós armazenamos energia em termos de bombagem reversível nas hidroelétricas. Ou seja, temos duas barragens, uma mais acima uma quota mais abaixo, e quando temos excesso de energia volta-se a bombar água da quota mais baixa para a barragem mais acima, e armazenamos energia assim. Isto é o que existe em Portugal hoje, digamos que em 90 e muitos por cento do nosso armazenamento de energia. Há alguns casos pontuais de armazenamento em baterias de lítio, como nós conhecemos nos nossos equipamentos mas com uma escala um bocadinho maior, mas todas estas tecnologias têm vantagens e desvantagens. Ou seja, se olharmos para o mercado e olharmos para as aplicações, obviamente a hidroelétrica e este tipo de armazenamento é muito muito localizado geograficamente. As baterias de  lítio que começam a entrar no mercado têm um preço elevado e um tempo de vida ainda algo reduzido para o que se pretende, e estas baterias encontram outra área no mercado que é o facto de terem um tempo de vida para já sem uma estimativa final. Ou seja, se me perguntar não consigo dizer honestamente se esta bateria vai durar 20, 30 anos, 40, não sei. Porque não tem a degradação que está associada às baterias de lítio. As baterias de lítio, como nós as conhecemos nos nossos equipamentos, morrem ao fim de algum tempo, conforme a utilização que fazemos delas, e estas não.

Mas estas também podem ser aplicadas aos nossos equipamentos?

Não têm o tamanho para isso. Serão aplicadas provavelmente em aplicações estacionárias, paradas, num local só. Qualquer tipo de aplicação móvel como em carros ou telemóveis não é possível.

Então é uma forma de armazenamento de energia que não concorre com outras que já existem no mercado. Podemos dizer assim?

Também concorre porque as baterias que nós conhecemos nos nossos equipamentos também existem em escalas industriais. Portanto, entramos num mercado que é realmente transversal a estas tecnologias todas.

Dê-nos uma ideia de uma aplicação prática desta forma de armazenamento.

Por exemplo, uma aplicação prática seria numa indústria, deve ser a aplicação mais imediata que vejo. Numa indústria que tenha necessidade de energia e que já tenha um campo solar fotovoltaico mas que não consiga aproveitar toda essa energia durante o dia, e que tenha turnos de trabalho à noite, que tenha operação à noite. Pode desfasar esta energia que produz durante o dia para a noite e, no fundo, armazenar o excesso que não consome durante o dia. 

Quanto tempo demorou a estudar esta solução para a sua tese de doutoramento?

Foi alargado, à volta de 7,8 anos. E isto porquê? Porque ao contrário de muitas teses tradicionais nesta área, que são puramente teóricas, de modelação, produção de resultados teóricos, a parte experimental é muito pesada. Porque nós partimos do zero, realmente. Partimos de um espaço vazio na universidade, onde não tínhamos nada, e instalámos tudo. Desde os painéis fotovoltaicos, os equipamentos todos, computadores, bateria. Portanto, a parte experimental neste tipo de doutoramentos é um trabalho invisível. A tese em si reflete isso de alguma forma mas, no fundo, em termos de tempo dispensado é enorme. E a resolução destes problemas técnicos que depois não surgem diretamente nos resultados da tese reflete-se em muito tempo de desenvolvimento.

Porque é que quis estudar este assunto?

A grande barreira que temos hoje em dia para a penetração em massa das renováveis no nosso dia-a-dia é esta do armazenamento. Não é o preço, é conseguirmos armazenar para podermos utilizar quando queremos.

E a sua motivação foi precisamente encontrar uma solução para a barreira do armazenamento de energia?

Sim. Hoje em dia, de facto, é a maior barreira que temos para as renováveis se tornarem uma tecnologia de massa. Especialmente a eólica e a solar, que produzem energia elétrica. Para estas energias se tornarem realmente predominantes no nosso planeta, precisamos realmente de vencer este problema da intermitência. Quer a nível das nossas casas, das nossas indústrias, mas também da Rede Nacional de Energia. A Rede nacional de Energia precisa de ser estável. Precisa de ter energia quando alguém liga um interruptor no norte e é de noite, ou quando alguém liga uma torradeira em faro. Portanto, para termos estabilidade na rede temos de ter armazenamento de energia. Para podermos encerrar Sines, encerrar o Pego, encerrar essas centrais ultra poluidoras.

Então quis contribuir, com o seu estudo e esta proposta cientifica a académica, para, digamos, melhorar o aproveitamento da energia e até o uso da energia.

Sem dúvida. Há muita investigação a ser feita nesta área das baterias, especialmente nas baterias de lítio, mas nestas tecnologias mais marginais mas com muito potencial há muito menos investigação a ser feita. E o interesse pessoal foi nesse sentido.

Acredita que esta sua proposta científica e académica vai contribuir para melhorar um bocadinho o mundo?

Espero que sim. Temos estado a caminho por aí. Espero que, pelo menos, traga o conhecimento para quem pode realmente depois fazer esta instalação no mercado que existem estas tecnologias, que já existem como produtos, quais são as vantagens e desvantagens, como as podem fazer, e começar a resolver este problema que temos com uma solução prática.

Para terminar, esta é uma tese portuguesa, de uma universidade portuguesa e de um investigador português. Uma vez que acrescenta informação àquilo que já se sabia sobre o armazenamento de energia e é, portanto, uma novidade, já foi partilhada com outras universidades de fora do país?

Sim, sem dúvida. A unidade de investigação onde trabalho agora é a infraestrutura nacional de investigação de energia solar, e o nosso trabalho é maioritariamente, diria 95%, com entidades internacionais, temos muito pouca colaboração com entidades nacionais. Portanto, o nosso trabalho, e por força do que temos, é virado para fora, para o exterior. Por exemplo, isto foi enquadrado num projeto europeu e este projeto europeu incluía parceiros desde o Reino Unido, a Bélgica, Espanha. E este tipo de tecnologia foi disseminada e divulgada desde Bruxelas, à Alemanha… fizemos apresentações em muitos países.

Como é que foi recebido?

É recebido com muita curiosidade, porque para já é uma coisa inovadora em termos de mercado e portanto há muita gente, inclusivamente muita gente na parte da energia mais técnica, que não conhece. Temos inclusive, e continuamos a ter, muitas visitas ao nosso campus em Évora, para visitar as tecnologias. E foi com curiosidade acima de tudo. É o primeiro passo, terem curiosidade sobre a coisa. (risos)

Entrevista por: Raquel Marinho

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