XIV Encontro Internacional Malcolm Lowry

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Malcolm Lowry demorou quase 10 anos a escrever “Debaixo do Vulcão”, um livro publicado em 1947 e aclamado pela crítica. Passado no México, “Debaixo do Vulcão” é considerado um dos romances do Século XX, e continua a ser objeto de estudo e admiração mundo fora. Alguns desses admiradores juntaram-se em 2001 para criar a Fundación Malcolm Lowry, precisamente na cidade mexicana de Cuernavaca onde se passa a ação do romance. Desde então, reúnem-se anualmente naquele país mas este ano o Encontro Internacional Malcolm Lowry decorreu em Lisboa. Foi organizado pelo português Marcelo Teixeira, editor da Parsifal, e reuniu admiradores da obra do escritor inglês de vários pontos do mundo na Biblioteca Municipal Camões. No evento, que contou com o apoio da Embaixada do México em Portugal, esteve também presente a Casa da América Latina que conversou com o organizador português Marcelo Teixeira e com Félix García, membro fundador da Fundación Malcolm Lowry.   

MARCELO TEIXEIRA

É um dos organizadores deste Encontro Internacional Malcolm Lowry, que acontece pela primeira vez fora do México. Quando é que conheceu a Fundación Malcolm Lowry e como é que isso aconteceu?

– Eu estava um dia a consultar um jornal mexicano na internet, como consulto com frequência, e vi um anúncio de que iria haver um encontro lowriano em Cuernavaca na semana seguinte. E então, como, enfim, tinha umas férias para gozar antecipei-as, comprei o bilhete de avião e cheguei a Cuernavaca onde conheci esta rapaziada toda, que hoje são grandes amigos naturalmente.

Então foi um impulso? Ou seja, gostava do Malcolm Lowry, gostava do livro, viu que ia acontecer esse encontro e comprou um bilhete de avião?

– Foi isso, basicamente foi isso que aconteceu. E foi caríssimo porque quando se compra com 3 ou 4 dias de antecedência, é particularmente caro, mas enfim. Foi, de facto, um impulso.

Félix García (esquerda), Jennifer Feller (centro) e Marcelo Teixeira (direita)

Valeu a pena?

– Muito a pena. A melhor prova é aquela que nós podemos testemunhar hoje. Temos casa cheia e alguns, bastantes, dos que estão presentes são amigos que vêm do México que, mais do que serem admiradores do Lowry como eu, são já amigos, naturalmente.  

Então, para quem não conhece esta Fundación Malcolm Lowry no México, na cidade onde se passa o romance “Debaixo do Vulcão” trata-se de quê, um conjunto de pessoas que gostam da obra de Malcolm Lowry e se reúnem frequentemente?

– De certa forma, sim, a última parte é que não é verdade, porque este “frequentemente” é uma vez por ano. É tudo muito informal, chegam pessoas de vários países, umas num ano, outras noutro, outras regressam, às 1 ou 2 ou 3 anos depois, mas acabam sempre por regressar.

Mas juntam-se porquê?

– Juntamo-nos para discutir o “Debaixo do Vulcão”, as outras obras do Malcolm Lowry, sobretudo o “Debaixo do Vulcão” e, no fundo, cada um a cada ano que chega acrescenta um olhar novo àquilo que é a nossa interpretação do livro.

Isso significa que a obra do Malcolm Lowry, não só o livro “Debaixo do Vulcão” continua a suscitar interpretações novas e estudos académicos, apesar de ser uma obra que já tem tantos anos?

– Sem dúvida. O livro “Debaixo do Vulcão” é uma obra tão intensa, tão rica, tem tantas camadas de leitura que mesmo quem leu o livro 1,2,3,4 vezes descobre sempre algo novo, e daí também a sua atualidade.

Se calhar por isso é que há uma mesa neste encontro chamada “Debaixo do Vulcão: Um Livro para Levar para uma Ilha Deserta”. Porque levar este livro para uma ilha deserta, Marcelo Teixeira?

– Porque para alguns de nós, como é o meu caso, é o livro da minha vida, e portanto, quando frequentemente nos é colocada a questão “que livro levarias para uma ilha deserta?” eu levaria naturalmente o “Debaixo do Vulcão”, e sei que está nas prioridades de outras pessoas. O que isso significa basicamente é que é um livro eleito, pode ser o primeiro, pode ser o segundo, mas é um livro de eleição. É um dos grandes livros do Século XX.

E diria que é o livro da sua vida porquê?

– Isso seria conversa para muito tempo. É um livro que tem vários níveis de leitura, é um livro que tem um leque de referências eruditas absolutamente extraordinário porque vai de encontro àquilo que é a nossa humanidade: o que tem de cruel, o que tem de bom, o que tem de idílico, o que tem de irracional, de ilógico também.

Como é que surgiu a ideia de trazer este encontro internacional para Portugal?

Foi uma decisão coletiva. Começámos a pensar um dia internacionalizar o encontro e, “onde é que se faz? Onde é que não se faz?”, e eu se calhar devo ser aquele que tem mais cara de totó e disseram “o Marcelo faz em Lisboa”, e então veio, mas a decisão não é minha, foi tomada coletivamente.

E está contente por receber este encontro em Lisboa?

– Sim, muito contente porque as coisas estão a correr muito bem. Muito cansado também, mas a felicidade supera o cansaço.

Para o ano regressa ao México, à cidade do romance, para novo encontro?

– Bem, eu não faço mais em Lisboa. Naturalmente será em Guernavaca.

E o Marcelo vai?

Sim.

FÉLIX GARCÍA – FUNDACIÓN MALCOLM LOWRY

Como é que começou a Fundación Malcolm Lowry?

– A fundação começou em 2001 em Guernavaca, que é a cidade onde sucede o romance “Debaixo do Vulcão”, porque foi lá que nos encontrámos, um grupo de amigos fanáticos de Malcolm Lowry e desse livro. E nos bares da cidade, tomando Mescal, fizemos o plano de fundar um grupo de amigos como este, que agora está aqui em Lisboa.

E qual era o objetivo inicial da Fundação?

– O objetivo fundamental era encontrarmo-nos para desfrutar do livro, isso era no fundo aquilo de que gostávamos. Somos umas 7 ou 8 pessoas, de países distintos, mexicanos, norte-americanos, um francês, e não me lembro de quem mais, de vários países, que estávamos tão contentes por ler o livro, que é pouco conhecido, não é popular, por encontrarmos com outras pessoas que conheciam o livro e o desfrutavam cada um à sua maneira mas de uma maneira muito profunda, que queríamos falar e falar, horas e horas, de um texto, que tem muitos níveis de compreensão. E quando um de nós encontrava algo que os outros não sabiam era fantástico.

Uma festa.

– Era uma festa. Porque alguém chegava e dizia: “conheces a relação que o Malcolm Lowry teve com a música de Jazz ou alguma coisa”. “Não, nunca me tinha dado conta”. “Pois sim, está aqui.” (risos) E então, pois, bebíamos mais.

Qual é a sua opinião sobre a ideia de trazer este encontro para Portugal?

– Bem, o Marcelo Teixeira escreveu um conto muito bonito onde cria a ficção de um encontro que não sucedeu mas podia ter sido possível, entre Fernando Pessoa e Malcolm Lowry em Lisboa, em 1933. E a partir disso, começámos a pensar que devíamos vir a Lisboa para fazer também uma homenagem ao Pessoa. Porque, bem, somos fanáticos de Lowry mas gostamos muito de boa literatura, e atraía-nos muito essa conexão que o Marcelo Teixeira apontou, então queríamos vir. Tentámos em 2014, quando se assinalavam os 50 anos da publicação de “Debaixo do Vulcão” em português, mas não conseguimos, e agora não estamos a celebrar qualquer efeméride, mas fascina-nos estar aqui.

Uma última pergunta: para as pessoas que ainda não leram este livro, do qual se diz fanático, por que razão lhes diria que devem ler este livro?

– Bem, há que ter em conta que é uma leitura muito difícil, sobretudo as primeiras 50 páginas. Se um leitor consegue passar a página 51, bem, está dentro do livro e então vai encontrar um universo fantástico. Mas é muito difícil passar da página 50. A maioria das pessoas das pessoas, quando estão na página 10, deixam o livro.

O desafio é que não o façam.

– O desafio é seguir por ali adiante e encontrar o universo que está dentro. Por exemplo, no livro, tudo o que se passa ao redor está descrito sem que se explique. Se fosse aqui e agora, acabámos de escutar uns passos ali fora, uma voz de um senhor que passou por nós, o ruído lá fora, no livro estaria tudo descrito de uma maneira que torna fácil a confusão, e é uma leitura difícil. Mas quando se consegue entrar, entra-se num universo que tem muitas conexões sonoras, visuais, faladas, escatológicas, mitológicas, há de tudo. É uma esfera fantástica quando se consegue ver, nos deixa loucos!

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