Eurico Brilhante Dias: A imagem de um país “não se constrói apenas com a política externa e economia”
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___________________________________________________________________________________O Secretário de Estado da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias, reuniu no passado dia 4 de outubro com a secretária-geral da Casa da América Latina, Manuela Júdice, para definir as linhas orientadoras da ação desta instituição, a partir das necessidades e preocupações das empresas portuguesas no âmbito da internacionalização.
Salientando a importância da integração cultural e das indústrias criativas na exportação de bens e serviços, Eurico Brilhante Dias, afirmou que a internacionalização portuguesa pode beneficiar muito deste valor acrescentado associado às trocas comerciais, sublinhando ainda a necessidade de alargar o espectro de países de destino para fora da União Europeia.
A América Latina é um dos focos atuais da internacionalização portuguesa, e o investimento nesta região pode, segundo o Secretário de Estado, ser favorecido por iniciativas de foro cultural e científico, como é o caso da Feira do Livro de Guadalajara, que em 2018, receberá Portugal como país convidado.
Olhando para o seu currículo, é quase como se estivéssemos perante duas pessoas diferentes, por um lado possui um extenso percurso académico, e, por outro, uma atividade política constante. Como equilibra estas duas vertentes – uma que lida com a teoria e outra mais suscetível à pragmática quotidiana?
São duas coisas que eu gosto muito de fazer desde muito cedo. Quando era professor e investigador já me sentia político. E quando enveredei pela política, foi como cidadão. Atuo com empenho e gosto nas duas áreas, e acho que a vertente que associo mais à curiosidade e investigação, à procura pelo saber e pesquisa, é-me útil do ponto de vista político e ajuda-me a fazer a política de outra forma. Obriga-me a estar mais focado na resolução dos problemas, sendo essa a atividade central de qualquer cientista.
O que o atraiu na área da Internacionalização?
Eu sou doutorado na área de Logística e Estrutura de Canais de Distribuição. E a minha tese de doutoramento é nessa mesma área. Em 2006 fui convidado para ser administrador de uma empresa da AICEP que estava ligada à logística, e, particularmente, à área portuária. Era a empresa que gere a zona logística e industrial de Sines, e, portanto, a primeira questão foi a de captar investimento para esta área. A partir daí comecei progressivamente a migrar para a internacionalização. Fui administrador da área das PME’s. Nos últimos 10 anos praticamente não publiquei nada na área da Logística (fora algumas exceções). Quase tudo o que publiquei foi na área da Internacionalização e na área de captação de investimento estrangeiro. Regressei depois cinco anos à universidade, tempo durante o qual estava na direção do partido socialista, e, seguidamente, fui para o Parlamento. Aí foi evidente que a área das Finanças e da Economia era a minha área. Quando o ministro [Augusto Santos Silva] me convidou para vir para o Ministério dos Negócios Estrangeiros foi quase natural. Mas, de facto, não comecei pela internacionalização, mas sim pela Estrutura de Canais de Distribuição (que é uma área muito interessante).
Porque é que esta é uma vertente determinante para a economia do país?
Nós, por opção política, coletiva (não é uma questão apenas portuguesa) temos vindo, desde a Segunda Guerra Mundial, e de forma mais acentuada a partir dos anos 90, a fazer uma redução progressiva das barreiras alfandegárias (das barreiras tarifárias, e também das não tarifárias). O modelo económico da globalização tem fundamentos tecnológicos, mas essencialmente de opção política. A ideia de que o comércio internacional é ganhador no desenvolvimento tem os seus choques e as suas fraturas (e até, por vezes, ruturas do ponto de vista social), mas o comércio internacional e o investimento são promotores de crescimento económico, de criação de emprego e de desenvolvimento.
Essas opções políticas (da União Europeia, dos Estados Unidos, do conjunto dos países do mundo no quadro da Organização Mundial do Comércio) vieram como que aprofundar a pureza, o carácter pouco firme e permeável das fronteiras do ponto de vista económico. Essa abertura implica que o território seja muito mais permeável a importações, e, portanto, tenha, ao mesmo tempo, de ser capaz de ter músculo para ter exportações e para aumentar o grau de abertura da sua economia.
Se nós formos capazes de exportar mais e melhor, com valor acrescentado, temos condições de importar mais também, de forma equilibrada, sem gerar um défice e dívida. Quanto maior for a capacidade de exportar, maior será a capacidade de importar mais barato. E é este equilíbrio que fará com que o país (todos os países, mas Portugal em particular) possa aumentar de forma considerável os seus salários, a remuneração do capital, e os níveis de vida dos portugueses. Não há opção política, neste momento e neste contexto, sem internacionalização. O país não tem proteção aduaneira para 75% das nossas exportações e para uma parte substantiva (mais de dois terços) das nossas importações. Estas últimas entram sem pagar direitos aduaneiros – vêm de Espanha, da Alemanha… de dentro da União Europeia. Na ausência de barreiras, só a elevada competitividade das nossas exportações permitirá ao país continuar a crescer e a exportar.
Esse equilíbrio de que fala é possível de estabelecer em mercados com a dimensão dos da região da América Latina? Estes constituem um foco para a internacionalização portuguesa?
Como disse, temos 75% das nossas exportações no perímetro aduaneiro da União Europeia. Existe a necessidade de ir diversificando esta realidade. Apesar do esforço que fomos fazendo nos últimos 10 ou 15 anos, o país continua a ter uma excessiva concentração de exportações em mercados muito maduros e sofisticados, na Europa. As empresas portuguesas têm de diversificar o risco para poderem crescer, e para isso têm de apostar em mercados fora da União Europeia. Evidentemente, nos mercados africanos e na Ásia, mas a América Latina é também um mercado relevante. Muitas empresas portuguesas já o exploram, mas devem procurar explorar ainda mais, até porque existe uma proximidade, não só ao Brasil, mas também a comunidades, por exemplo, na Venezuela (apesar do momento político não ser o mais favorável), ou em outros países que são fortemente importadores, como é o caso do México (um dos 15 maiores importadores do mundo). Estes são mercados fundamentais para que as empresas portuguesas possam crescer, não só na área da construção civil ou do agroalimentar, mas também em muitos setores de bens manufaturados, em que um futuro acordo entre a União Europeia e o Mercosul vai necessariamente abrir novas oportunidades. E com a esperança que esse acordo seja realizado, devemos preparar esse caminho.
A escolha de Portugal como país convidado da Feira do Livro de Guadalajara 2018 tem um papel importante na promoção da relação entre os países? Que relevância têm os eventos de cariz cultural na internacionalização?
Temos de aumentar o relacionamento entre Portugal e os países da América Latina (em particular o México, neste caso específico), não só a nível empresarial e económico, mas também noutras dimensões. Para além da questão da política externa, a dimensão cultural e de produção de conhecimento são centrais para promover o país. A feira de Guadalajara é uma feira muito importante também para a forma como o país quer ser visto na América Latina. Quando exportamos um produto português manufaturado, têxtil, calçado e levamos com ele uma marca de origem – que é Portugal -, sabemos que o consumidor do lado de lá, quando olha para o produto, faz imediatamente uma associação ao local de origem, e essa associação deve ser uma associação positiva, reforçada de valor. Esta não se constrói apenas com a política externa e económica (e temos tido boas notícias), mas também com a imagem como culturalmente interagimos com os outros e como construímos conhecimento e ciência.
Falou ainda na importância de criar valor acrescentado às nossas exportações, do ponto de vista da união entre a produção e as indústrias criativas. Como é que esta aposta se pode revelar favorável ao sucesso das exportações portuguesas?
Reforçando, insisto que devemos ter uma visão da internacionalização mais vasta e global. As exportações portuguesas pautam-se acima de tudo por uma produção de grande qualidade, nomeadamente na área do calçado, da cortiça, dos bens alimentares, mas se somarmos a esse aspeto a vertente cultural, ou do design, e das indústrias criativas, (como é o caso, por exemplo, das iniciativas da ExperimentaDesign), esse é um valor acrescentado que se cria em torno da nossa produção. Esse valor não deve ser descurado e pode impulsionar de forma positiva a internacionalização. Mostrar um país criativo é muito importante para a economia, e temos de procurar fazê-lo da forma mais abrangente possível, porque só assim teremos acesso ao nosso verdadeiro potencial de exportação.