Marina Teitelboim: “Sem memória não há futuro nem há presente”

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Entrevista com a Embaixadora do Chile, Marina Teitelboim, no âmbito do ciclo dedicado a assinalar os 50 anos do golpe militar do Chile em Loulé

Intervenção da Embaixadora do Chile em Portugal, Marina Teitelboim, na abertura do ciclo dedicado aos 50 anos do Golpe Militar no Chile em Loulé

Na sua primeira intervenção, falou da importância da memória nesta celebração dos 50 anos do Chile. Ontem falou sobre a sua própria história, em que teve de sair do país com a ajuda do embaixador sueco. Como explica a importância de todas estas ocasiões em que as pessoas, até mesmo a embaixada chilena mas também outras instituições, se ocupam em pensar o passado, refletindo também sobre o presente, a importância da democracia, as ameaças à democracia?

Como disse no início da minha intervenção, penso que o principal é educar o tema da memória porque as novas gerações podem não saber e, obviamente, não viveram tudo o que tem a ver com a ditadura, a repressão. Conhecer e saber o que aconteceu ao seu país, o bom e o mau, é muito importante, penso que isto se aplica à história de todos os países. No caso do Chile, agora que temos 50 anos, estamos a comemorar os 50 anos do golpe de Estado, é uma espécie de catarse da nossa sociedade, do que está a acontecer, do que aconteceu, porque estamos assim neste momento. Quem nos influenciou na questão de como a ditadura mudou a nossa maneira de ser, não só a sociedade mas também a mudança de mentalidade, o chileno, os valores, os chilenos. Por isso, penso que a questão da história e da memória é a mais importante. Porque sem memória não há futuro nem há presente. Porque no futuro não devemos fazer as mesmas coisas que fizemos no passado, mas para isso é preciso saber.

Ontem contou-nos a sua história pessoal de como saiu do Chile na altura do golpe de Estado. Como encara esse passado pessoal quando pensa nele nos dias de hoje?

Olho para isso com atenção, porque olho e penso no que me poderia ter passado se isso não me tivesse acontecido, se não me tivessem tirado do Chile, se Harold Edelstam não tivesse inventado toda esta minha história para atravessar a fronteira e viajar para a Suécia. Acho que sou uma sortuda, tenho muita sorte. Não foi o caso de muitas crianças, muitos chilenos que ficaram para trás, que foram torturados, que foram assassinados. Porque durante muito tempo falei com a minha mãe, em Moscovo, e ela disse-me “olha, podiam ter-te feito muitas coisas. No melhor dos casos podiam ter-te dado uma família de militares que não podiam ter filhos, noutros casos, podiam ter-te vendido, não sei, para obter órgãos ou dar-te a uma família de fora”, o que também aconteceu. É uma parte da história do Chile, venderam muitas crianças à Europa, a famílias europeias. E, noutros casos, podiam ter-me matado, porque os militares também não tinham compaixão pelas crianças e, obviamente, se me tivessem feito prisioneira, os meus pais teriam de regressar e, depois, teriam sido assassinados. Por isso digo que sou uma sortuda e sou uma sobrevivente.

Estamos aqui em Loulé, no sul de Portugal, Algarve, precisamente para celebrar esta efeméride numa colaboração entre a Casa da América Latina, a Embaixada do Chile e a Câmara Municipal de Loulé. São dois dias com várias atividades, como é que falaria deste ciclo que estamos a fazer aqui?

Agradeço muito à Casa América Latina e à Câmara Municipal de Loulé porque quase todas as atividades que nós, como embaixada, tivemos para comemorar os 50 anos do golpe foram muito bem-sucedidas, muito importantes, mas esta foi no sul e também numa região que sempre apoiou muito o Chile e onde vivem muitos chilenos. Portanto, penso que é uma atividade magnífica, para além do facto de o tema dos 50 anos do golpe continuar a interessar não só ao povo chileno mas também, é evidente pelo número de pessoas que vieram a este seminário, que interessa à população, aos portugueses. E também é interessante, neste caso, que foram os portugueses e os espanhóis que organizaram este seminário e nós somos apenas dois oradores chilenos, o que mostra o interesse que despertou em Portugal, bem como o interesse que despertou em tudo o que nos aconteceu em 1973, a proximidade que têm connosco por causa da Revolução dos Cravos de 1974, a solidariedade do povo português para com o Chile. Foram mais ou menos 200 pessoas que Portugal recebeu durante a ditadura militar chilena e estiveram sempre muito próximas de nós. Portanto, isto mostra a solidariedade e a amizade entre os nossos povos.

Para terminar, a última atividade deste ciclo aqui no Algarve, é um concerto de uma banda cujo nome é uma homenagem a um importante cantor chileno chamado Vitor Jara. A Embaixadora era muito jovem quando Vitor Jara foi morto, mas qual é a informação que tem sobre ele e a sua morte? Como é que cresceu com a informação sobre este cantautor chileno?

Bem, como lhe disse, vivi no exílio e no exílio costumavam fazer aquilo a que chamavam a “fiesta o peñas” onde se reuniam todos os estudantes políticos chilenos e havia sempre as canções de Vitor Jara. Portanto Vitor Jara para mim sempre foi um símbolo e sempre cresci com as suas canções. Conheço muito bem a história de tudo o que lhe aconteceu e gosto muito das suas canções, as letras que são letras muito profundas. Especificamente gosto muito da canção ‘Amanda’, uma canção sobre uma mulher trabalhadora que perde o marido enquanto trabalha na fábrica e o seu amor acaba. São canções que mostram um lado popular mas muito sensível e também mostram todos os problemas de Vitor Jara. Ele cantava para o Chile, ele cantava e queria mostrar porque é que o governo de Allende veio, porque é que foi necessário chegar ao governo de Allende, e é um símbolo. Em setembro não foi só o golpe militar, a comemoração dos 50 anos do golpe militar mas também da morte de Vitor Jara, 50 anos, e também da morte de Neruda, o nosso Prémio Nacional e poeta.


Entrevista realizada por Raquel Marinho

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