Sonetos de Sóror Juana

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Sóror Juana Inés de la Cruz ou, simplesmente, Sóror Juana, apelidada de A Fénix da América e também de A Décima Musa é considerada a primeira feminista da América Latina. Escritora barroca nova-espanhola  (mexicana), poetisa e dramaturga da segunda metade do século XVII. Nasceu num povoado do vale do México, San Miguel Nepantla, próximo a Amecameca, e aprendeu náhuatl com os seus vizinhos. Filha natural, a sua mãe foi a “criolla” Isabel Ramírez de Santillana e o seu pai Pedro Manuel de Asbaje y Vargas Machuca, militar espanhol da província basca de Guipúzcoa (Vergara). Descobriu a biblioteca do seu avô e assim se tornou aficionada pelos livros. Aprendeu tudo o que era conhecido na sua época, isto é, leu os clássicos gregos e romanos e a teologia do momento. Aprendeu português por conta própria, assim como latim, o que fez como autodidata em vinte lições. Como se sabe a partir dos dados que se mencionam em algumas de suas obras, fê-lo escutando as aulas que eram dadas à sua irmã, isto às escondidas.

 

SONETOS

Embora fales, Teresilla, tão em cochicho.

dás muito que fazer ao pobre Camacho,

porque dará teu fingimento um cornicho

àquele que melhor se pintar sem empacho.

Dos empregos que teu amor despacha

anda o triste carregado como um macho,

e tem já tão crescido o penacho,

que já não pode entrar nem se agacha.

Estás a fazer-lhe enganos já tão bruxa

e a sair delas bem estás tão feita,

que do que do teu ventre desembucha,

sabes dar-lhe a entender, quando suspeita,

que fizeste, por fazer sua fazenda gorducha,

de alheia semente, sua a colheita.

 

(Suspeita crueldade dissimulada,

o alívio que a esperança dá)

Diuturna enfermidade da esperança

que assim entreténs meus cansados anos

e no fiel dos bens e dos danos

tens em equilíbrio a balança

que, sempre suspensa, na tardança

de inclinar-se, não deixam teus enganos

que cheguem a exceder-se nos tamanhos

a desesperação ou a confiança.

Quem te tirou o nome de homicida?

Pois o és mais severa, se é teu norte

o suspenderes a alma entretida;

e entre a infausta ou a feliz sorte,

não o fazes tu para conservar a vida,

senão por dar mais dilatada morte.

 

Em que satisfaz um receio com a retórica do pranto

Esta tarde, meu bem, quando te falava,

como no teu rosto as tuas acções via

que com palavras não te persuadia,

que o coração me visses desejava:

e Amor, que meus intentos ajudava,

venceu o que impossível parecia:

pois entre o pranto que a dor vertia,

o coração desfeito destilava.

Baste já de rigores, meu bem, baste;

não te atormentem mais ciúmes tiranos,

nem o vil receio tua quietude contraste

com sombras néscias, com indícios vãos,

pois já em líquido humor viste e tocaste

meu coração desfeito entre tuas mãos.

 

Em que dá moral censura a uma rosa, e nela aos seus semelhantes.

Este, que vês, engano colorido,

que da arte ostentando os primores

com falsos silogismos de cores

é cauteloso engano do sentido;

este em quem a lisonja pretendeu

desculpar dos anos os horrores

e, vencendo do tempo os rigores,

triunfar da velhice e do que esqueceu,

é um vão artifício do cuidado,

é uma flor ao vento delicada,

é um resguardo inútil para o fado:

é uma néscia diligência errada,

é um afã caduco e, numa olhada,

é cadáver, é pó, é sombra, é nada.

 

Tradução de Nuno Júdice

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