Guatemala – um amor inesperado

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[Testemunho de Ana Luísa, participante na partilha de experiências “Eu fiz o Mochilão na América Latina”, promovida pela CAL na Bolsa de Turismo de Lisboa]

Quando parti para a minha viagem pela América Latina sabia que passaria por vários países e que em alguns acabaria por ficar mais tempo do que noutros e que esse tempo dependeria de muitas variáveis. No entanto, na Guatemala foi impossível não ficar, ficar sempre mais um bocadinho, mais um dia, mais uma semana e mais uma e mais e mais! E não me cansei de ficar, mas como queria conhecer a restante América Latina obriguei-me a avançar.

Entrámos na Guatemala pela fronteira com o Belize numa carrinha de mais ou menos quinze lugares, daquelas desenhadas e construídas a pensar em grandes famílias e, embora fossemos ainda só duas lá dentro (eu e a S.) estava garantido que mais pessoas se iriam juntar na nossa travessia. Mas por ora nós as duas, o condutor e a música blues que tocava no rádio fazíamos o quarteto perfeito.

Chegadas à fronteira, a primeira peripécia acontece e com ela de braço dado, surge um gesto de muita generosidade. (E por mais ou menos surpreendente que possa parecer não é uma raridade! É antes um lugar bastante comum estas duas expressões – peripécia e generosidade – andarem lado a lado).

Não tínhamos dinheiro para pagar uma qualquer taxa de saída ou de entrada da fronteira, já não me recordo com precisão qual delas. Um senhor, ele próprio guia turístico, ao aperceber-se da nossa situação ofereceu-se de imediato para nos emprestar dinheiro com a nossa promessa de que o devolveríamos assim que encontrássemos uma máquina de multibanco. Et voilá: um assunto resolvido! Um companheiro de viagem descoberto! Para além de guia turístico era músico e costumava tocar e cantar em festas de casamento, pediu por isso que falássemos de músicos portugueses e assim foi o resto da viagem até Flores, a nossa primeira paragem na Guatemala, a falar de música, lugares bonitos para ver, política e cultura dos nossos dois países!

Depois deste bom pronúncio, a viagem pela Guatemala só podia correr muito bem.

Visitei as ruínas Maias do Tikal, ouvimos o acordar da selva com todos os pássaros e macacos uivadores a darem as boas vindas ao nascer de um novo dia, encontrei-me em Antigua em tempo de celebrações pascais, com as ruas da cidade cobertas de flores e de peregrinos. Decidi subir um vulcão quando o que mais queria era dormir, pois tinha chegado de uma viagem de seis horas às sete da tarde ao hostel e a caminhada começava à meia-noite. E quando a frase “porque é que me meti nisto?” ecoou na minha cabeça, cheguei ao fim e deparei-me com uma das vistas mais bonitas que presenciei até hoje! Valeu a pena o esforço! Seguram-se as cidades de Nebaj, Chajul e Todos Santos, onde as pessoas ainda vestem os seus trajes tradicionais e onde os dias de mercado são uma loucura de mistura de cores, cheiros e barulhos incríveis. Caminhei durante cinco dias pelas montanhas de Cuchumatanes, dormindo em escolas ou em casa de pessoas locais que nos acolheram, alimentaram e nos cuidaram da alma com dois dedos de conversa e, em dias de sorte, com uma maravilhosa sauna Maia! Andei por grutas de água onde a luz que me aluminava era a da vela que tinha na mão e que tentava cuidadosamente manter acesa, entre braçadas desajeitadas para depois chegar ao fim, ou melhor à entrada de um pequeno paraíso chamado Semuc Champey – um conjunto de piscinas de água azul turquesa cristalina, algo que jamais tinha visto em toda a minha vida.

Como se a beleza natural do país e a simplicidade e generosidade de quem lá vive não bastasse, ainda há acrescentar a riqueza da gastronomia. Por ser vegetariana pensei que pudesse ser um pouco complicado encontrar soluções alimentares adequadas. Mas enganem-se as mentes mais pessimistas! Comer vegetariano nunca foi um problema! Em cada lugar as pessoas faziam questão de cozinhar sem carne ou peixe mesmo que esse prato não constasse do menu ou essa não fosse a sua dieta habitual. Para além de os mercados providenciarem tudo aquilo que um vegetariano possa precisar para comer! Já para não falar da fruta! Deliciosa e suculenta à minha espera em cada esquina ou praça de qualquer cidade, pronta para me saciar a gula e a sede nos dias mais quentes.

Muitas vezes me perguntam como foi deslocar-me de um local para outro dentro da Guatemala. O sistema de transportes públicos não podia ser mais “turista friendly”. Aparentemente confuso é bastante simples na verdade e muito eficaz também! Basta chegar ao terminal de autocarros (existe um em qualquer cidade ou vila) e das três, uma: olha-se para as placas escritas na dianteira do autocarro e procura-se pelo nome da cidade para onde se quer ir, presta-se atenção aos condutores a gritar em alto e bom som o destino a que se dirige o autocarro ou então aguarda-se e alguém aparece a perguntar para onde se quer ir! Os autocarros, que mais parecem andar em competição constante no que toca às cores da última estação, só partem quando estão cheios. E quando digo cheios, é mesmo CHEIOS. De pessoas, de frutas, de legumes, de cereais, de pintos, galinhas, de tijolos, de malas e de bagagens. Dentro do autocarro ou no tejadilho tudo é possível de se fazer entrar, mesmo quando todos os passageiros concordam que nem mais uma mosca é capaz de ali ter espaço para voar. Isto só é possível porque os condutores e “gestores” do autocarro fazem a magia acontecer e entre pedidos de licença, mais uma pessoa e a sua mercadoria encontra o seu espaço, dentro do já lotado autocarro. Para além disso, qualquer lugar pode ser uma paragem de autocarro, o que dá bastante jeito para quem caminha com bagagem pesada e quer ficar mesmo em frente do hostel, onde pretende passar os próximos dias! E nunca se passa fome, nem sede, durante uma viagem de autocarro, por mais longa que ela seja, porque em cada paragem existem pessoas que entram dentro do autocarro a vender todo o tipo de coisas! Pode soar um tanto ou quanto louco este mundo dos autocarros, em que cada um se faz acompanhar de uma banda sonora de hits latinos que passam na rádio ou na televisão instalada, mas tem sem dúvida os seus benefícios!

Por tudo isto, a Guatemala foi uma viagem inesquecível que guardo numa gaveta especial do armário das minhas memórias! Aconselho a todos a visitar e a mergulhar num mundo novo de cores, sabores, sons e cheiros imperdíveis, bem como na generosidade e simplicidade imensa das pessoas que lá vivem e tornaram esta viagem tão especial!

Ana Luísa
https://alcamino1anodepois.wordpress.com/

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