Numa conversa que teve como protagonistas o Professor Doutor, Nuno Severiano Teixeira da Universidade Autónoma de Lisboa e Bruno Figueroa, Embaixador do México em Portugal, organizada a 28 de novembro de 2024, pela Casa da América Latina e pelo Clube de Lisboa, refletiu-se sobre como a América Latina será diretamente influenciada pelas políticas americanas, onde o comércio, as migrações e a segurança foram os pretextos para uma análise desapaixonada perante a incerteza global.
Perante o reforço do lema “América First”, onde políticas de protecionismo e de isolamento, contrariam tempos de comércio regional mais fluido e liberal, conclui-se que a diplomacia também terá de se adaptar. Perante o enfraquecimento do multilateralismo, a diplomacia, instrumento fundamental da política externa mundial, terá de se tornar mais pragmática, hábil e de cariz mais pessoal, onde a personalidade do responsável político de cada país conta, para a relação pessoal que se pode ou não estabelecer com Donald Trump.
Comércio
Na América Latina há diferentes perfis comerciais, no que toca à relação com os EUA. Logo, as consequências das novas políticas comerciais americanas serão, naturalmente, diferentes. Em 2000, com exceção de Cuba e Haiti, os EUA eram o primeiro parceiro comercial de toda América Latina. Mas em 2023, já não é assim. O primeiro parceiro comercial é a China, exceção feita ao Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana e México. Em 23 anos, o comércio com este país passou de 12 milhões a 450 mil milhões de dólares. A China está a moldar uma divisão no mundo ocidental. Com as limitações que também são colocadas aos seus produtos, por razões de segurança nacional – o caso mais emblemático é o da Huawei, que já não tem acesso ao Canadá – a China pode “contra-atacar” boicotando a importação de produtos de diferentes regiões do Globo, alterando as regras do comércio internacional. Quererá Elon musk o bloqueio à venda de Tesla aos seus clientes chineses?
México, 80% do seu comércio é com os EUA. Sendo o país fronteiriço é, obviamente, o país mais vulnerável. No entanto, trata-se de uma vulnerabilidade muito complexa, dado que esse mesmo país, também é, atualmente, o seu principal parceiro comercial, ultrapassando o Canadá e a China. O comércio entre o México e os EUA é de 1,5 milhões de dólares por minuto, ultrapassando 10 vezes o comércio com o Japão ou a Alemanha. 800 mil milhões de dólares de comércio bilateral e um superavit para o México de 150 mil milhões, tal como o superavit do Canadá, não são “bem vistos” para a administração Trump. A consequente ameaça do aumento das taxas alfandegárias surge nesse contexto e no contexto de controlo da taxa de inflação. Mas, impor 20% a todo o comércio com o México, pode significar, por exemplo, que praticamente todos os veículos, comprados pelos cidadãos americanos, terão um aumento imediato, entre 10 a 15%. Esse é um exemplo da complexidade nas cadeias de fornecimento e nas conexões económicas entre países vizinhos. Na sua anterior administração, Trump exigiu uma revisão do Acordo de Comércio Livre, entre México, Estados Unidos e Canadá (T-MEC), incluindo uma cláusula de revisão periódica. Está prevista uma revisão em 2026. Por isso, é essencial que o México e o Canadá negoceiem de forma inteligente, aproveitando essa complexidade, e talvez assim proporcionar alguma segurança ao comércio, favorecendo toda uma região.
A importância da aproximação à Europa
Quando se fecha uma porta, abre-se uma janela. A América Latina e o México, em particular, têm países aliados, interesses comuns. Neste cenário protecionista, em que o mercado norte-americano se vai tornando mais difícil, é do interesse comum da Europa e da América Latina, lutar para manter o mercado europeu aberto. Por isso, em relação ao Tratado União Europeia/Mercosul, se a França e a Polónia se mantiverem contra o acordo, isso é um mau presságio para o futuro do comércio mundial. Porque havendo uma diminuição do comércio mundial, haverá uma diminuição do bem-estar das nossas populações e consequente diminuição do crescimento económico dos nossos países.
Migração
Com 1 milhão de cruzamentos legais por dia na fronteira EUA/México, as consequências das novas políticas de Trump serão diárias para milhões de pessoas. Assistiremos a medidas mais radicais, como proibições de entrada de imigrantes ou a deportações em massa, construção de campos de deportação do lado americano ou reforço do investimento militar, para o maior controle das fronteiras? Recorde-se que com Biden, mais de 6,3 milhões de pessoas foram detidas ao entrarem nos EUA nos últimos quatro anos. Mas também ao México, em período homólogo, chegaram mais de 8 milhões de migrantes. Algo nunca visto. Por outro lado, Biden também concedeu 530 mil vistos. Os EUA cresceram e está provado, devido ao fluxo da mão-de-obra estrangeira legal e a não documentada. Os EUA irão exercer pressão sobre o Governos latino-americanos, pelo menos até à Colômbia. Negociará Trump com o Governo do Panamá para controlar
a passagem de migrantes a pé desde o Istmo de Darien até à fronteira? E com o México, encerrarão a fronteira a sul? Trump é a favor da migração legal. Trump é um empresário, sabe que vai precisar de mão-de-obra qualificada e não qualificada. A concessão de vistos para trabalhadores temporários não irá abrandar. Assim sendo, poderá a política migratória tornar-se uma oportunidade negocial?
Segurança
O uso de drogas nos EUA causa mais de 100 mil mortes por ano. A principal preocupação dos EUA e do México é tentar conter o fluxo de fentanil. Esta nova droga gerou um novo fluxo, não do México para os EUA, mas o inverso. Tendo como grande produtor a China, esta droga desequilibrou os tradicionais circuitos “comerciais” deste produto, apresentando novos desafios a uma “guerra” sem tréguas.
Num contexto de incerteza, onde os países passam a ser parceiros em vez de aliados, onde “dividir para reinar” se tornou a prática e não a exceção, onde o ceticismo no multilateralismo colabora para a paralisação dos projetos de integração entre países da Organização dos Estados Americanos, que papel caberá a Portugal? Estabelecer pontes, negociador? Numa União Europeia enfraquecida, o Presidente do Conselho da União Europeia poderá ser fundamental, aliando-se ao Presidente da Comissão, na defesa da democracia liberal e dos direitos humanos, na defesa de uma ordem internacional multilateral, negociando, com o intuito de prejudicar o menos possível o comércio internacional e assim manter alguma paz social, numa “guerra comercial” que dificilmente conhecerá fronteiras e com consequências imprevisíveis.
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Publicado: Janeiro, 2025.