Homenagem a Quino (1932-2020)

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No mês do desaparecimento de Quino, recordamos o autor de banda desenhada argentino através dos testemunhos de Carlos Quevedo, jornalista, e Carlos Veiga Ferreira, editor de Quino em Portugal.


Que tristeza, Mafalda

Todos conhecem Mafalda e, como muitos argentinos, conheço-a desde que nasceu e eu era um adolescente. Desde o dia em que Mafalda nasceu que foi unanimemente aplaudida e amada. Era impossível não concordar com a sua revolta contra os adultos, o seu pessimismo com o futuro do mundo. 

As conclusões existenciais desta filósofa de idade indeterminada eram partilhadas por jovens e adultos com um sorriso indissimulável, cúmplice. Era tão argentina até descobrirmos que estávamos a ser possessivos, egocêntricos ou simplesmente curtos de vista. Bastaram dois anos depois da sua aparição nas revistas e nos jornais para que, como muitos argentinos nos anos sessenta, chegasse à Europa e fosse reconhecida e publicada em Itália. Depois é o que se sabe: o estrelato em quase todo o mundo ocidental e democrático – já se sabe que os regimes autoritários não têm sentido de humor. Descobrimos que aquilo que achávamos ser o humor nacional não era de todo nacional. As classes médias de todo o mundo são iguais, vivem da mesma maneira, preocupam-se com as mesmas coisas, sofrem dos mesmos problemas. Acredito que Quino também se surpreendeu ao perceber que o seu mundo ia além desse país no extremo sul das Américas. 

Quino muitas vezes queixou-se de Mafalda. Considerava que o seu êxito era um obstáculo para o seu desenvolvimento e progresso como desenhador. Talvez estivesse certo. Quino sabia mais de Quino do que qualquer outra pessoa, particularmente dos seus fãs. Pela minha parte, considero que toda a sua obra não mafaldiana é maravilhosa, intemporal, insolente como deve ser, e ainda mais universal.

Por mais natural, inevitável e previsível que seja a morte nunca é menor a nossa tristeza. Quino não conseguiu fazer o mundo melhor nem mudar nada, mas deu-nos momentos que duram o que dura ver um cartoon, esboçar um sorriso e pensar que um segundo pode ser eterno.

Bem hajas, Quino.

Carlos Quevedo

Testemunho de Carlos da Veiga Ferreira

Como a maioria da gente atenta da minha geração, conheci a Mafalda nos finais dos anos 60, quando a Dom Quixote, onde era então editor o Carlos Araújo, começou a publicá.la regularmente nuns pequenos livrinhos (num total de 12, se bem me lembro). Foi uma revelação. Aquela miúda pensava e dizia o que todos nós pensávamos e dizíamos nesses anos do Maio de 68.

Estava então longe de pensar vir a ser editor e, muito mais longe ainda, de imaginar que, muitos anos depois, um autor da Teorema, Miguel Barroso, me iria perguntar durante um jantar em Paris se eu queria ser o editor do Quino em Portugal – a mulher dele era então agente do Quino para Portugal e Espanha. Passada a surpresa inicial disse imediatamente que sim e em pouco tempo tinha assinado contratos para vários livros.

Pouco tempo depois, o momento inesquecível do meu primeiro encontro com Quino e a mulher Alicia em Madrid. Depois, a publicação de muitos álbuns de Humor e, finalmente, para fechar, a publicação da Mafalda completa, agora em 4 volumes, por sinal traduzidos de novo por mim próprio.

De Quino, ficou-me a imagem do grande artista, que todos reconhecem e a memória de um amigo inesquecível, como a Mafalda,  homem de esquerda rijo e inflexível que por isso mesmo nunca permitiu que os seus desenhos fossem publicados nos Estados Unidos.​

Na memória e nos meus olhos, a serena caminhada que fizemos Parque Eduardo VII abaixo, depois de horas de autógrafos na Feira do Livro.

Agora, Quino foi ao encontro de Mafalda e de todos os outros bonecos que criou e lhe garantem a imortalidade.

Carlos da Veiga Ferreira

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