Maria do Rosário Pedreira: “A poesia e a literatura são também uma forma de encantarmos um pouco o mundo”

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A Casa da América Latina conversou com a poeta portuguesa Maria do Rosário Pedreira a propósito da sua participação na Bienal Internacional do Livro de São Paulo, e sobre Portugal ser o país convidado deste evento.


Portugal é o país convidado de honra da Bienal Internacional do Livro de São Paulo e a Maria do Rosário é uma das autoras convidadas. Sei que está convidada, digamos, devido a várias atividades. Como poeta, editora, e também como autora de literatura infantil. Quer falar-nos do que vai fazer?

Bem, na verdade eu fui convidada como poeta porque tenho um livro que é A Casa e o Cheiro dos Livros, que foi comprado por uma editora brasileira, a Pontes, para uma “Coleção Atlânticos”, que está ligada à Cátedra Fidelino Figueiredo da Universidade da Bahia, e é nesse âmbito que eu fui convidada. Ou seja, fui convidada porque tinha um livro para sair. Mas, como me acontece quase sempre quando sou convidada para festivais internacionais e mesmo nacionais, aproveitam sempre para outras coisas (risos). E o que acontece é que, muito provavelmente, esta mesa sobre edição organizada pelo AICEP, já não apanha as pessoas que foram à ronda de negócios na Bienal, que são os editores, e, portanto, como essas já se tinham ido embora era preciso arranjar alguém que dialogasse com o editor da Globo sobre a questão da internacionalização dos autores brasileiros e, sobretudo, sobre a sua publicação em Portugal, e pediram-me para eu fazer isso. Em relação à literatura infantil, teve a ver com o facto de eu ser poeta e ter havido uma ideia de que eu escrevia poesia para crianças, o que não é verdade. Mas vou ler letras, porque também são poemas que podem funcionar para crianças. Como ia uma criança dizer um poema e queriam que fosse uma sessão sobre poesia, era muito difícil para mim falar de outras coisas. Portanto, resolvi explicar o que é o fado, como eles têm o samba nós temos o fado, ler as letras mais fáceis que as crianças que lá estejam possam perceber, e vou ler também algumas letras da Amália para os miúdos verem que, efetivamente, o fado se calhar não é aquela coisa tão pesada que pensam e há até letras bastante divertidas para eles.

A Rosário já foi a outras feiras do livro internacionais e acumula, de facto, várias funções na sua vida do dia-a-dia. Qual é a perceção que tem, enquanto poeta, da importância da participação dos autores neste tipo de eventos?

Há eventos muito diferentes porque há muitas feiras que são feiras do negócio, feiras do direito, são sítios onde os editores vão comprar e vender livros, e essas são pouco interessantes para os autores. Às vezes os autores vão porque jantam, por exemplo, com o grupo de editores no mundo que se interessou pela sua obra, mas não há sessões com autores. Agora, quanto a este tipo de bienais, eu já fui a uma no Rio de Janeiro mas nunca fui à de São Paulo, parece que são lugares extremamente frequentados, que têm um fim-de- semana fortíssimo em que toda a gente vai; são um pouco longe da cidade mas até por isso cria uma certa atração porque é um bom programa de fim-de-semana e, portanto, são sítios onde os autores se podem efetivamente mostrar ao seu público ou ao seu público potencial, se não tiverem livros lá publicados e, no caso dos poetas, até podem fazer leituras além das conversas. Portanto, aquilo que eu vou fazer em termos da poesia é não só o lançamento e apresentação do livro com a pessoa da Cátedra Fidelino Figueiredo, que é a professora Rita Aparecida, e vou fazer isto numa sessão onde existe também um livro de ensaio da mesma coleção do Pedro Eiras, que também é poeta, o que significa que podemos falar ambos da poesia nessa sessão. Mas depois terei mesmo uma mesa redonda, digamos assim, um debate com um poeta brasileiro onde o tema é “A Lanterna da Poesia”. Até que ponto é que a poesia pode significar ou apontar caminhos nesta sociedade tão pouco poética em que o mundo vive.

É um belo tema! Mas perguntava-lhe sobre a edição, porque a Rosário é editora, conhece muitos autores, trabalha muitos autores, e os autores com quem trabalha também andam nestes eventos internacionais a mostrar a sua obra. Tem a perceção de que este tipo de eventos são importantes para o trabalho dos autores e para a sua divulgação literária?  

Sim. Se pensarmos que houve autores que dispararam, mesmo no seu próprio país, depois de terem disparado noutro país. Eu estou-me a lembrar, por exemplo, daquela cena do Valter Hugo Mãe em Parati que foi um sucesso extraordinário. E é tão raro nós acharmos que os nossos autores podem ter sucesso no estrangeiro que o que aconteceu foi ele ter ido logo ao Telejornal, a uma entrevista em horário nobre para ai de uma hora. Isso levou a que, por outro lado, o público português, que não o conhecia ou que o conhecia mal, fosse atrás dos seus livros e acabasse por conhecer o Valter. Portanto, claro que esses encontros têm esse impacto, que é um impacto que não tem nada a ver com os festivais portugueses que têm 30 pessoas no público. Estas sessões muitas vezes têm 1000 pessoas. Eu já fui à Argentina, a um festival que estava ligado à educação falar de leitura, e estavam mil e tal pessoas. Eu nem queria acreditar que estava a falar para mil e tal pessoas. São encontros em países que têm muita gente, é muita gente que nos está a ouvir e que está a prestar atenção ao nosso trabalho. Por outro lado, em “petit comité”, digamos assim, no hotel, aqui e acolá, muitas vezes há cruzamentos de autores dos dois países. Vamos imaginar: o João Tordo conta que conheceu o Saldanha Paris, já não sei se no Canadá ou no México, e fizeram amizade e acabaram por ser traduzidos nos países um do outro, porque depois o que acontece é que há um autor que diz “oferece-me lá o teu livro”, e lê e gosta, e vai propô-lo à sua própria editora. Ou seja, esse tipo de encontros internacionais facilita também muito, digamos, uma hipótese de ir ter com a pessoa certa para traduzir os nossos livros. Eu lembro-me que há bastantes anos, por exemplo, fui a um festival que se chamava “La Voix de la Méditerranée” e levava poemas traduzidos. E havia uma poetisa francesa que gostou muito dos poemas que foram lidos na altura em francês, e quis logo sentar-se comigo e fazermos ali um trabalho de equipa e traduzir mais uns quantos. Depois fui publicada numa revista, depois acabei por ser publicada numa antologia, e estas coisas todas. No fundo estes contactos também ajudam muito a internacionalizar a literatura portuguesa.

Para terminar, e até vem a calhar porque falou do Valter Hugo Mãe, o tema ou o mote para esta participação portuguesa na Bienal Internacional do Livro de São Paulo é, precisamente, do Valter Hugo Mãe, e é uma frase que diz “é urgente viver encantado”. Concorda com esta ideia?

Ficamos tão desencantados a olhar para o presente e para o que se está a passar. Quer dizer, nunca pensámos que no século XXI fossemos ter uma guerra na Europa, não é? Se fosse uma guerra no Médio Oriente, se fosse uma guerra que metesse o Irão ou o Afeganistão perceberíamos melhor, mas não estávamos à espera que a Europa tivesse uma guerra, e sobretudo, uma guerra de carnificina. Ou seja, que não é uma guerra com toda a tecnologia de ponta que hoje existe, não é uma guerra direta ao quartel para destruir as armas, é uma guerra que destrói os civis e que destrói as cidades, os infantários, os hospitais, uma guerra cega, imperialista, horrível. E, portanto, se calhar a poesia e a literatura são também uma forma de encantarmos um pouco o mundo. Toda a arte, aliás, toda a beleza. Temos de dar beleza ao mundo. Portanto, é urgente andarmos encantados com o que lemos, com o que vemos e com a arte, não para nos esquecermos mas para compensarmos esse outro horror que vemos todos os dias.  


Entrevista realizada por Raquel Marinho

Fotografia © Luís Barra

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