A relação da arte latino-americana com Portugal

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[Texto De encontros, desencontros e encruzilhadas: Arte da América Latina e Portugal, de Renata Ribeiro, do Departamento de História da Arte da Universidade de Granada]

O final da década de 1970 e princípio da seguinte foi testemunha do que se costumou denominar de boom da arte latino-americana, numa alusão directa ao movimento similar vivido pela literatura na década de 1960. Ainda que na verdade este boom tenha sido impulsado e publicitado devido a um importante aumento no valor das obras de criadores latino-americanos nas principais casas de leilões de Nova Iorque. O muralismo mexicano – com Frida Kahlo e Diego Rivera – encabeçou as vendas, numa demonstração clara da preferência do público por um movimento de arte produzido num território excêntrico e visualmente repleto de símbolos e códigos. Símbolos e códigos que, muitas das vezes, são lidos como exóticos e folclóricos numa perspectiva de análise central e hegemónica.

Assim esta inclinação pela promoção da “arte latino-americana” – aqui colocada entre aspas já que o rótulo é simplificador e tenta padronizar uma produção variada, múltipla e complexa – começa nos mercados de Estados Unidos e vai ganhando força em alguns países europeus, principalmente Inglaterra, França e Alemanha. Para entender o porquê de estes países serem os pioneiros nesta descoberta da arte produzida desde a América Latina é importante destacar alguns factores.

Estes momentos do boom latino-americano da arte coincidem com o culminar do processo de globalização. Esta coincidência não é casual, mas sim uma causalidade. Atente-se que o processo de globalização, ainda que fundamentalmente económico, se repercutiu em todas as esferas sociais, incidindo fortemente na cultura e na produção artística. Paulatinamente os países onde este processo se encontrava consolidado assumiram um discurso que defendeu a multiculturalidade e a alteridade, que convocou e cedeu espaço à participação de obras e autores que até este momento se encontravam nas margens do “sistema central da arte”, leia-se Estados Unidos e Europa. Embora seja necessário ter presente que a Europa não se apresenta como um bloco compacto nestes processo.

Alguns países estarão na vanguarda desta promoção e outros, como Portugal e Espanha, devido a particularidades históricas e sociais, só tardiamente tentarão a difusão destas propostas.

No caso específico de Portugal, a sua história está marcada por uma democracia recente e, especificamente no campo da promoção e difusão da arte, há a destacar o panorama deficitário de equipamentos culturais comparativamente a outros países europeus. Desta forma, não somente a arte periférica viu “atrasada” a sua entrada no país mas também a produção contemporânea portuguesa se viu afectada por este desfasamento. Este cenário somente começou a apresentar sinais de melhoria em meados dos anos 1990, com a inauguração de algumas instituições e museus, principalmente em Lisboa.

A criação destes centros – alguns com propostas que visavam uma real inserção da arte da América Latina – e a dedicação de alguns personagens portugueses e latino-americanos construíram em Portugal um cenário que mesmo que esteja distante de ser o de um reconhecimento completo da produção artística da América Latina, caminha a bom ritmo em busca deste encontro.

Acções como os projectos de cultura artística contemporânea da Fundação Calouste Gulbenkian, pensados e organizados por António Pinto Ribeiro, tentam centrar nos debates temas sobre a criação destes espaços periféricos e entendê-los dentro na sua complexidade. Exposições colectivas e individuais, realizadas no Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, Museu Serralves e no Museu Berardo – graças ao esforço e atuação de nomes como o de Isabel Carlos e de Pedro Lapa – deram a conhecer ao espectador português uma importante parcela de obras e artistas que trabalham desde a América Latina. O importante empenho teórico de Paulo Reis – com a criação de Carpe Diem Arte e Pesquisa e da Revista Dardo – que parece ter como objetivo a aproximação entre as realidades da produção contemporânea da América Latina, principalmente o Brasil, com a de Portugal.

O trabalho que vem sendo realizado pela Casa da América Latina (CAL) desde o ano 1998 deve ser destacado por ser a única instituição dedicada exclusivamente a informar e debater com o público a cultura e a produção artística da América Latina. A CAL, apesar de ser uma pequena instituição com recursos económicos significativamente inferiores aos que possuem as instituições citadas anteriormente, promoveu inúmeras exposições que apresentaramm não só nomes com trajectórias consolidadas ou grandes mestres, mas também novos criadores. Iniciativas como a exposição “Korda Conhecido Desconhecido” (2010) ou a mostra da coleção de fotografias de Frida Kahlo (2011), organizadas pela CAL, representam o seu empenho para que se amplie e problematize a visão do público português sobre a produção latino-americana.

A realização destas actividades e o esforço manifestado por instituições e profissionais fará com que que lenta e gradualmente se estabeleçam bases sólidas para entender a importância e o alcance da cultura e da arte latino-americanas, e que se produzam entre Portugal e a Arte da América Latina mais encontros do que desencontros. E que estes encontros não sejam apenas um encontro fugaz.

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