Paulo José Miranda: “Há mais conhecimento da literatura portuguesa aqui do que em Portugal da literatura mexicana”

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No âmbito da FIL Guadalajara, que decorre no México até ao dia 4 de dezembro, a Casa da América Latina entrevistou o escritor português Paulo José Miranda, que está presente nesta edição da feira.

Alguma vez tinha estado na FIL Guadalajara, que é a segunda maior feira do livro do mundo?

Nunca tinha vindo ao México nem, obviamente, a Guadalajara. É a primeira vez e vou estar cá 15 dias. Não vim só para a Fil, fui também convidado para ir a Morelia falar sobre os meus livros, e depois estarei uma semana na Cidade do México, também para falar dos meus livros.

Já fez algumas atividades e uma delas foi numa escola. Como foi essa experiência?

A escola foi uma experiência muito interessante. Foi a 80 km de Guadalajara, muito próximo de, onde parece, nasceu o Mariachi, e a escola era muito bonita. É uma escola pequena, com alunos do secundário, e diferente das nossas escolas. Cheia de árvores, de flores, com um ambiente muito bom, os alunos muito interessados. Fiquei muito encantado, sinceramente. E depois o diretor disse-me que há várias escolas assim.

O que foi o contacto com os alunos, o que fizeram?

Bom, a ideia era estar em contacto com aquelas pessoas que, de algum modo, estão muito isoladas. São jovens muito isolados. É uma comunidade rural, e sempre que há pessoas que vêm de fora, os diretores tentam fazer algum intercâmbio, e é muito bom para eles. E estive a falar sobre a questão das palavras, a noção de como isso é importante para nos conhecermos, para nos expressarmos.

E como foi essa experiência de estar na localidade onde nasceu o Mariachi?

O diretor da escola convidou-me, a mim e à pessoa da embaixada de Portugal que me acompanhou, a ir almoçar a uma taberna, uma tasca mesmo. E estava lá um mariachi, um daqueles populares, como se poderia dizer em Lisboa se fosse do fado vadio, que estava ali, tinha já acabado de almoçar, e já estava a beber Mescal, e estava ali com a guitarra muito desafinada mas a tocar, e aquilo saía tudo à mesma.

E tem a convicção de que não era número para turista?

Não, ali não há turistas, não havia turistas. Eu e a Maria Luísa da embaixada éramos as únicas pessoas estrangeiras ali. Aquilo era mesmo o lugar do povo. Ele estava ali porque… hoje, àquela hora, deve lá estar a fazer o mesmo.

Visitar as escolas locais é uma atividade comum aos escritores convidados da FIL Guadalajara, mas existem outras. Já esteve no Festival das Letras Europeias. Como correu?

Estive numa sessão com o professor universitário Gabriel Barrón Pérez a conversar acerca dos meus livros e correu muito bem. Estava cheio, algumas pessoas não conseguiram entrar, e ele estava muito bem preparado. Além disso tínhamos algumas afinidades eletivas. Correu muito bem.

Tais como?

A poesia. Ou seja, é alguém que tem um interesse maior pela poesia do que propriamente pelo romance, e isso foi uma boa aproximação.

Disse no início da nossa conversa que depois da FIL Guadalajara vai a Morelia e à Cidade do México falar sobre os seus livros. Tem algum livro traduzido e publicado no México?

No México, não. Estou agora a tratar disso com um editor, mas no México não. Mas tenho, e eles estão cá, os livros que editei em espanhol, em Espanha e na Colômbia.

E já sabe o que querem publicar seu? Porque o Paulo tem romance, conto, poesia. 

Ainda não sei. Podem ser ambos. Pode ser até romance e poesia, como, por exemplo, aconteceu em Bogotá, na Colômbia.

Já descobriu algum livro interessante para comprar aí em Guadalajara? Alguma curiosidade?

Ui. Já gastei muito dinheiro, agora já estou proibido de entrar. Agora só entro com venda nos olhos e bengala. (risos) A ver se arranjo um cão para me guiar.

O que é que comprou?

Várias coisas. Uma delas ofereceram-me e é um calhamaço que eu queria muito. É uma obra de um grande teólogo suíço, o Herbert Haag , que depois foi afastado da igreja, que é um dicionário da Bíblia, que é uma coisa impressionante. E só esse deve pesar uns 22 kg. (risos) Estou a brincar mas pesa uns 5 kg, é um garrafão.

O Paulo é o único escritor português na FIL Guadalajara deste ano. Qual é o feedback que tem em relação ao conhecimento ou desconhecimento da literatura portuguesa aí no México?

Pelo que tenho visto julgo que há mais conhecimento da literatura portuguesa aqui do que em Portugal da literatura mexicana. Também julgo que isso se deve ao grande impacto que o José Saramago tem no México. O José Saramago é muito, muito querido no México.

Sentiu isso? Ou seja, já conversaram consigo sobre ele e sobre os livros dele?

Sobre os livros e sobre a pessoa. Ele era muito querido no México, desde 1997. Ou seja, ainda antes do Prémio Nobel.

Por falar em José Saramago, o Paulo venceu a primeira edição do Prémio José Saramago e vai participar na homenagem que lhe vai ser feita aí na FIL Guadalajara. O que vai ser essa homenagem?

É uma conversa onde vão estar mais duas pessoas além da Pilar del Rio. E, além da conversa, julgo que cada um de nós vai escolher uma parte de um livro ou de vários livros de Saramago para ler. Vou fazer isso e depois vou falar sobre Saramago partindo da minha escolha.

E qual é a sua escolha? O que vai ler?

É sempre difícil, mas escolhi uma passagem do Memorial do Convento que fala do transporte da pedra, em que se carrega a pedra, e onde se vê a prepotência de um rei para um capricho seu. Recruta as pessoas à força, contra a sua vontade, e as pessoas são obrigadas a deslocar-se das suas casas, e na altura deslocar-se das suas casas não é o mesmo que hoje, e irem em condições incríveis trabalhar, transportar uma pedra, para fazer um capricho a um rei. São duas partes separadas do livro que abordam esse assunto, e que acho significativas para eu depois falar sobre o que me importa falar do (José) Saramago, e que é extremamente atual, se pensarmos naquilo que está a acontecer na Rússia.


Entrevista realizada por Raquel Marinho

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