Laura Niembro: “A participação de Portugal é essencial para a FIL”

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Laura Niembro é diretora de conteúdos da Feira Internacional do Livro de Guadalajara (FIL) há 17 anos. No âmbito da visita da delegação organizadora da feira à Casa da América Latina, falou sobre as expetativas para esta edição, na qual Portugal é convidado de honra, as áreas que se pretendem reforçar, as novidades e os obstáculos que se colocam à publicação de obras latino-americanas em Portugal e vice-versa.

 Mais do que uma feira, a FIL é um evento cultural. Que importância tem esta participação portuguesa no contexto da América Latina?

A participação de Portugal é essencial para a Feira, sendo que o programa cultural (a dança, a música, a escultura, entre outras áreas) é exclusivo do nosso convidado. Toda a cidade vai ser inundada pela arte portuguesa. E isso permite que os habitantes e visitantes de Guadalajara tenham acesso a conteúdos que de outra forma seriam inacessíveis. A participação de Portugal põe-nos em contacto com uma cultura de que se conhecem grandes nomes na América Latina, como é o caso de José Saramago, servindo também para que se conheça o que acontece hoje em Portugal e que país é – um país inovador, com importantes intelectuais e centros de investigação. Temos visto, durante a nossa visita, toda a pujança deste país no panorama cultural.

Esta participação não se limita ao âmbito literário, mas também ao cultural, académico e científico… Considera que esta é uma porta importante para que também se conheça mais sobra a América Latina na Europa?

Sim, porque os assistentes da delegação portuguesa que vão a Guadalajara são nossos pares científicos e vão falar com outros pares; os artistas que lá vão, vão falar com outros artistas de onde vêm; assim é com os autores, promotores, editores… Isto vai criando pontes de comunicação entre a América Latina e Portugal que são essenciais, pois Portugal não é ainda tão conhecido como poderia ser na região. Todos os que vão a Guadalajara, tanto para negócios ou para fazer uma apresentação artística ou mesmo conversar com leitores mexicanos, vão seguramente traçar pontes entre as culturas. E essas pontes são fundamentais.

Para onde caminha este evento e quais as preocupações centrais, num momento em que ainda se faz um balanço sobre o ano anterior e se prepara uma nova Feira?

Quando começou, a Feira já era uma semente daquilo em que se tornou. O principal objetivo da Feira era chegar a mercados mais afastados, ampliar a sua cobertura comercial à Ásia, a países como Portugal, como a Polónia, como a Índia. Esta é uma ambição grande, e é a estrutura que mantemos. Temos crescido em termos das relações e da presença de cada vez mais profissionais e escritores, de cada vez mais países. Queremos que vejam Guadalajara como porta de entrada para outros países e para o mercado editorial e cultural da América Latina. Temos uma oferta cada vez maior e cada vez mais visitantes.

Que áreas se pretendem reforçar nesta edição e que novidades se podem adiantar?

Vamos ter um pavilhão gastronómico, com livros de gastronomia. No ano passado lançámos já uma área destinada à banda desenhada e à novela gráfica. Este ano vamos apostar também na novela negra e na crónica como género literário. São os 50 anos do ano 68 das revoltas estudantis, que marcaram muito a história de vários países, entre eles o México. Vamos também falar de Frankenstein – um dos personagens literários mais conhecidos em todo o mundo. E vamos ainda explorar a relação entre a ciência e a gastronomia. Hoje em dia as cozinhas parecem autênticos laboratórios, e pretendemos divertir-nos com esta noção.

Quais os obstáculos a uma maior divulgação da literatura de ambos os países e o que pode a FIL fazer para que o seu impacto não se restrinja apenas ao ano em que acontece, mas que este seja permanente?

O problema de não nos lermos uns aos outros não é exclusivo de Portugal e México. Normalmente cada país lê-se a si mesmo. Os colombianos leem os colombianos mas não aos mexicanos, os argentinos leem os argentinos e pouco os chilenos, e os chilenos conhecem pouco os brasileiros. Isto deve-se, em parte, a problemas de distribuição dos livros, que é um problema que existiu ao longo dos anos. Mas não é só isto, sendo que hoje em dia as plataformas tecnológicas já resolvem parte dessa questão. Acredito que tem mais que ver com uma questão humana – só nos aproximarmos do que conhecemos. Atualmente esta mentalidade já vai mudando, mas devagar. Hoje, por exemplo, fomos a uma livraria e só encontramos livros de um autor latino-americano vivo (Juan Gabriel Vásquez). Apesar de ser um autor interessante, poderiam estar representados 20 ou 30 autores com mais anos de internacionalização…

Outra questão que se pode colocar é que cada escritor escreve sobre o seu país. Se a mim não me interessa o que se está a passar no Uganda, porque vou ler um autor do Uganda? Mas este preconceito é errado – a literatura trata de temas universais. O leitor tem de ser convencido de que os países partilham muito entre si.

Morreu muito recentemente o poeta Nicanor Parra, que apesar de ser um dos poucos e grandes autores vivos de uma geração, tem apenas uma ou duas traduções…

Exato. É como dizer que em Portugal quase ninguém saberá quem é o mais importante poeta chinês. A China é muito longe… E a Feira do Livro é o espaço que propicia este encontro de culturas e literaturas, e que faz com que a magia das culturas se revele e as distâncias se dissipem. Quando existe empatia com um autor não importa qual a sua nacionalidade ou língua. Os festivais têm este objetivo de aproximar o leitor e o escritor, que estão nos dois extremos da criação, dando lugar a uma ligação humana, que continua, apesar do desenvolvimento tecnológico, a ser a chave para o fomento da leitura e da produção do livro.

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