Guillermo Perry : “Se quisermos crescer será com base nos nossos esforços”

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O professor de Economia da Universidade dos Andes (Bogotá, Colômbia), Guillermo Perry, foi conferencista no painel denominado “Um Norte-Sul de Fronteiras Difusas” das Conferências de Lisboa, promovidas pela Câmara Municipal de Lisboa, UCCLA, ISCTE-IUL, SOFID, Fundação Portugal África, CCIP e IMVF, que decorreram nos dias 5 e 6 de maio, na Fundação Calouste Gulbenkian.

A Casa da América Latina entrevistou o ex-Economista Chefe da Região da América Latina e Caribe do Banco Mundial (1996-2007) e ex-Ministro da Economia da Colômbia (1994-1996), que apresentou os desafios atuais, as tendências e as disparidades de crescimento económico entre os países da região.

Que balanço faz da economia mundial no momento em que vivemos?

Neste momento, no mundo, existe uma tendência muito positiva nos Estados Unidos, onde a recuperação se está claramente a consolidar. É um fator importante tratando-se de um mercado mundial muito grande. Por outro lado, há luzes e sombras na Europa. As luzes consistem nas economias que começam a crescer de novo, as sombras são respeitantes àquilo que se passa, por exemplo, com o referendo no Reino Unido (Brexit). Uma saída do Reino Unido seria muito negativa tanto para o país como para o resto da Europa, e pode gerar perturbações financeiras numa recuperação económica europeia que é muito débil. Este é o principal medo relativo à Europa. Outra sombra respeita à situação da Grécia e se este país pode finalmente ultrapassar a recessão ou tem de arranjar outra solução.

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Já a China assenta numa grande incerteza, porque, apesar de ter tido uma aceleração na economia, tem um problema financeiro difícil de resolver, e que se torna cada vez mais grave com a abertura a capitais estrangeiros. Assistimos, no início deste ano, a problemas financeiros na China que afetaram as bolsas de todo o mundo. De qualquer das formas, a Ásia e a China não voltarão a crescer tanto como anteriormente, e por isso é que os preços dos produtos básicos caíram, golpeando a América Latina e a África, que são os seus principais exportadores. Regiões como África e a América Latina, que tiveram dez anos de grande crescimento, estão agora a ter algumas dificuldades. É uma situação um pouco generalizada – a economia mundial como um todo tem vindo a desacelerar.

E onde se situa a América Latina no panorama económico mundial?

Na América Latina tivemos dez anos de magnífico crescimento – de 2003 a 2013 -, no entanto, como demonstrei durante a conferência, basicamente isso ficou a dever-se ao aumento dos preços dos produtos de exportação. Havia também muito dinheiro a ser investido na América Latina, porque muitos investidores mundiais não encontravam muitas oportunidades nem nos Estados Unidos em crescimento, nem na Europa estancada. Muitos capitais estavam a chegar à África, Ásia e América Latina. Estes dois fatores – preços altos e investimento de capitais –, permitiram um crescimento muito grande em praticamente todos os países da América Latina. Quando as coisas se começaram a complicar, porque caíram os preços dos produtos básicos, devido à crise mundial de 2009 e porque os Estados Unidos começaram a estabilizar a sua política monetária, os países mais vulneráveis da região entraram em crise.

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Quais foram esses países e que desafios enfrentam?

O primeiro foi a Venezuela, que entrou em crise antes de caírem os preços do petróleo, porque os lucros excecionais de petróleo que tinha foram gastos totalmente e de forma prejudicial, ficando sem divisas (hard currency) para poder fazer importações básicas, e, por isso, vê-se obrigada a impor controlo de capitais, porque senão faltam-lhe recursos para importar alimentos e cuidados médicos. Esta é uma crise humanitária dramática num país que já foi muito rico. Há já dois anos que a Venezuela tem uma contração económica de 9 a 10%. É um drama aterrador, e não se vê uma solução para breve.

O segundo país que entrou em recessão foi a Argentina, por razões parecidas às da Venezuela, ainda que menos graves. Os dois afastaram o investimento privado devido a más políticas, tanto o estrangeiro como dos próprios venezuelanos e argentinos. A Argentina teve controlo de capitais, não tinha financiamento externo, começou a entrar em recessão, mas por sorte houve uma mudança política com o novo governo, de forma a poder voltar a financiar-se no mercado internacional. Apesar disso, a reestruturação é difícil, existindo um grande défice estrutural e uma inflação alta. Não podemos cantar vitória na Argentina, mas já se vê uma luz ao fundo do túnel.

Temos um terceiro país com dificuldades, que começou um pouco mais tarde (em 2013), que é o Brasil. É um caso diferente. Aquilo que se passou foi que desde o inicio da democracia e da nova constituição no Brasil, o Estado não foi capaz de proporcionar uma expansão equivalente à sua dimensão. É um Estado tão grande como os maiores europeus, mas que não é efetivo. Na Europa temos países grandes com 30% do Produto Interno Bruto (PIB) correspondente a impostos, mas que são devolvidos em produtos e serviços de boa qualidade (alimentação, saúde, infraestruturas), principalmente nos países nórdicos. O Brasil tem impostos altos e não oferece bons serviços. A consequência disto é a limitação do crescimento. As empresas privadas brasileiras têm taxas de participação muito altas e enfrentam também taxas de juro muito altas, porque o governo, apesar dos impostos, não se consegue financiar completamente, tendo de se endividar e manter as taxas de juro muito altas. Isto asfixia o setor privado. O custo de fazer negócios no Brasil é muito alto e o investimento privado é muito baixo, cerca de 16% do PIB. Esperamos que o país recupere alguma estabilidade política e resolva o seu problema fiscal o quanto antes.

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E quanto aos restantes países da América Latina?

Os demais países grandes estão numa melhor situação, a crescer cerca de 2 a 3%, como é o caso do México, Peru, Colômbia e Chile (os países da Aliança do Pacífico). Também há outros países menores que estão mais ou menos bem, como a Bolívia e o Uruguai, porque a política económica funcionou melhor e não se cometeram os erros dramáticos que se cometeram no Brasil e Argentina, nem têm um problema estrutural tão difícil de resolver. Estamos, no entanto, num período de ajuste, pois os produtos básicos encontram-se a um preço bastante alto e juros estão muito altos. Alguns deles têm problemas fiscais que têm de resolver, como o México e a Colômbia, que dependem da receita do petróleo.

O que está muito claro na América Latina é que não podemos esperar nos próximos dez anos, pelo menos, outra conjuntura externa tão favorável como a que tivemos de 2003 a 2013. Se quisermos crescer será com base nos nossos esforços. Não haverá ajuda internacional. E isso significa reforçar a qualidade da educação, melhores infraestruturas públicas, no comércio, melhoras em tudo a que chamamos reformas estruturais e micro-económicas. Durante estes anos foi fácil, alguns países estão já a trabalhar para resolver os seus problemas, mas não todos, e vamos a diferentes velocidades. Pelo que o futuro da América Latina depende dos seus esforços conjuntos.

Quais os fatores positivos ao crescimento que se observam na América Latina?

O primeiro é o aumento da classe média, entendida como a define o Banco Mundial – famílias que possuem um nível de rendimentos suficientemente alto e estável para assegurar que é altamente improvável que venham a cair na pobreza. Esta é uma classe que constitui já perto de 30% da população latinoamericana, que está numa situação estável e tem mais preocupações, nomeadamente ao nível da educação. Este grupo de pessoas já não quer só os serviços básicos mas também qualidade dos serviços públicos e protesta contra a corrupção. Acredito que esta é uma força política grande que poderá afetar a economia dos países da América Latina.

O segundo é o facto de nesta região termos sempre tido muitas crises económicas e financeiras. Somos, por assim dizer, os “campeões das crises”. E agora que o mundo enfrentou uma crise terrível em 2009, a América latina manteve-se estável. Descobrimos que estávamos a gerir o sistema financeiro melhor do que os demais e que havíamos aprendido as lições das penosas crises que enfrentámos. Que, por exemplo, a nossa regulação bancária estava melhor do que a dos Estados Unidos e do que a da Europa; que não estávamos a ter problemas fiscais tão graves como antes, exceto naqueles três países que mencionei; que temos organismos monetários independentes que controlam mais eficazmente as políticas económica e monetária. Isto significa que aprendemos.

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O terceiro são as “Multilatinas” que são um fenómeno bastante novo, pois sempre houve bastantes empresas, principalmente no Brasil, Argentina e México, com um alcance sobretudo a nível regional e pouco a nível global, mas nos últimos anos o fenómeno generalizou-se. A expansão do Brasil é impressionante, por exemplo, mas também as do Chile e da Colômbia, países que têm empresas em crescimento por todo o mundo. Muitos dos investidores europeus e americanos tiveram de retirar os seus investimento da América Latina para poder fortalecer os seus negócios principais, e muitos grupos latinoamericanos têm vindo a comprar estas empresas estrangeiras, expandindo-se de forma muito competitiva na indústria financeira, energética e em vários setores industriais. É um sinal de que estamos a entrar numa nova etapa.

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