Entrevista com Ana Beatriz Manzanilla

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Nas suas próprias palavras, “Ana Beatriz Manzanilla é um músico, violinista, alguém que ama a música e tudo o que a envolve. Toco violino desde os 8 anos e venho da Venezuela”. Aproveitámos o anúncio do concerto da Camerata Atlântica na Fundação Calouste Gulbenkian no próximo dia 12 de Novembro e falámos com a sua fundadora.

1. De onde vem o seu interesse pela música clássica?

O meu pai era amante da música erudita, todos os meus irmãos tiveram alguma formação musical, mas eu e mais um irmão trompetista fomos os únicos da família que seguimos música profissionalmente. Na minha cidade (Barquisimeto) funcionava um núcleo do El Sistema, e desde o momento que entrei na sua orquestra infantil a minha vida mudou. O resto foi um percurso natural dentro da música e aos meus 13 anos já não tinha qualquer dúvida que ia dedicar a minha vida a ela.

2. O que a fez mudar-se definitivamente para Portugal?

Podemos dizer que o destino. Quando vivia na Venezuela visitei muitas vezes a Europa para master classes, concertos, mas Portugal nunca tinha visitado. Quando estava a acabar os meus estudos em Cracóvia no ano de 1995, eu e o meu marido [Pedro Saglimbeni Muñoz], recebemos um convite de trabalho para a Orquestra do Norte, sediada naquela altura em Guimarães. Foi através de um maestro que conhecemos na Venezuela e ele recomendou-nos ao maestro da Orquestra – eu toquei concertina e o Pedro primeira viola da orquestra. Viemos só para viver novas experiências, mas na verdade Portugal começou a entrar nos nossos corações. A qualidade de vida que encontramos cá foi falando mais alto e seis messes depois decidimos tentar a sorte nas orquestras Lisboetas. Foi assim que o Pedro ganhou o lugar que até hoje ocupa na Sinfónica Portuguesa do Teatro Nacional de São Carlos e eu ganhei o meu lugar na Orquestra Gulbenkian, onde tenho muito orgulho de trabalhar. Assim foram passando quase 20 anos e hoje já temos dois filhos nascidos cá.

3. Quais são os objectivos da Camerata Atlântica?

Os objectivos da Camerata Atlântica são, em primeiro lugar, apresentar um trabalho de altíssima qualidade. É um agrupamento original que trabalha sem maestro, o que o faz trabalhar mais intensamente. Todos os 11 elementos são importantes e durante os ensaios podemos dar as nossas opiniões, experimentar diferentes interpretações, e assim quando chegamos ao concerto temos muita liberdade ao tocar. Respiramos juntos, fraseamos juntos e sinceramente temos alcançado um nível extraordinário em dois anos de vida como Camerata.

Outro dos nossos objectivos é promover e divulgar a música de compositores latino-americanos, que sabemos que aqui na Europa são um bocado ignorados. Nas temporadas de música é raro encontrar música de compositores vindos deste lado do planeta. A Camerata já com a palavra Atlântica no seu nome também quer mostrar que é o atlântico o que nos une e nos separa da América.

3.1. Considera a sua criação o seu maior desafio?

A criação da Camerata foi um grande desafio, mas eu não gosto de limitar os desafios que a vida me apresenta, gosto de olhar cada um deles como o maior desafio, mas sempre à espera do próximo. O próximo será manter a Camerata em actividade e sempre com a mesma qualidade.

4. Tem algum palco de sonho?

Eu acho que os músicos devem pensar que o próximo concerto é o palco de sonho, simplesmente.

5. Nos últimos anos em Portugal, a palavra “crise” tem surgido com muita insistência e em vários quadrantes da sociedade portuguesa. É difícil viver culturalmente num país em crise? Sentiu dificuldades a esse nível (cultural) nos últimos anos?

Há um facto que devemos reconhecer: para a cultura nunca há recursos suficientes. De algum modo, todos os que trabalhamos na cultura estamos um pouco habituados a orçamentos limitados, a que nunca seja o momento economicamente ideal para fazer as coisas… Portanto acho que é a continuação da escassez dos recursos para a cultura, obviamente mais acentuados. Dentro de todas as crises há coisas positivas e penso que há uma maior procura no produto cultural nacional, o que tem elevado a sua qualidade e levado a procura de projectos inovadores, diferentes. A cultura sem dúvida está mais activa.

6. Quais são os seus planos para o futuro?

Trabalhar no que me apaixona, a música. Continuar com a minha actividade na orquestra Gulbenkian, cultivar o amor pela música aos meus alunos na Escola Superior de Música de Lisbo. Com a Camerata Atlântica, quero abraçar novos projectos e desafios, à semelhança do que fizemos este ano com a criação do Concurso Nacional de Cordas Vasco Barbosa, onde participaram mais de 50 jovens instrumentistas de todo o país – os vencedores foram os solistas num concerto da Camerata no CCB. Como eu cresci num projecto como El Sistema na Venezuela, penso que devemos dar todas as oportunidades possíveis aos nossos jovens músicos que vão ser os nossos sucessores seguramente.

7. Que podemos esperar dos concertos da Camerata Atlântica no Grande Auditório da Gulbenkian?

Podem esperar uma noite de boa música, de boa disposição e uma amostra do talento do trompetista venezuelano Pacho Flores. Podem esperar também uma variedade de programa que nos leva desde os barrocos, até a música folclórica da América latina. Será um concerto que ficará de certeza na memória dos presentes pela qualidade e alegria do mesmo.

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