Marco Antonio Campos: “A poesia muda o Homem”

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O poeta mexicano Marco Antonio Campos esteve em Lisboa a convite da Casa da América Latina e da Embaixada do México, tendo lido vários dos seus poemas no evento do Dia Mundial da Poesia, no Centro Cultural de Belém, no dia 22 de Março. A Casa da América Latina falou com Marco Antonio Campos sobre a sua obra e sobre a situação social e política no México.

Neste sábado festejámos a poesia mexicana, partindo dos 150 anos de relações diplomáticas entre Portugal e o México. O que significa para si ter sido convidado para representar o seu país num evento deste tipo?

Inicialmente eu não estava a par dessa efeméride, mas sabê-lo deixou-me especialmente honrado, porque afinal de contas desempenho o meu trabalho – e digo-o sem demagogia – pensando que o faço pelo México. Sempre quis, quando viajei para fora do meu país, dar uma boa imagem do México. De alguma forma, um escritor é um mínimo embaixador do seu país.

Apesar das várias viagens, a sua vida tem-se centrado na Cidade do México.

Sim, eu acho até que nunca saio verdadeiramente da Cidade do México. Por exemplo, quando vivi na Áustria o primeiro mês foi fácil (nessa altura escrevia muitas cartas, particularmente de amor), mas as saudades apertaram cedo.

Um dos seus poemas diz que o México teve “um ontem feroz” e “um hoje incerto”. Ainda é incerto o presente?

Ontem foi feroz, hoje é feroz… No sábado passado falei muito com o Embaixador da Colômbia em Portugal, porque sentimos que a Colômbia e o México estão muito próximos no que diz respeito ao crime organizado. Há uma colusão entre polícia, delinquentes e autoridades políticas. Como dizem vários especialistas, este problema só terminaria com um forte ataque às finanças destes grupos. Em parte importante há um impacto dos Estados Unidos na falta de resolução do problema, pois o país beneficia muito das receitas que recebe deste tipo de tráfico. Nunca apreenderam um único líder da distribuição do narcotráfico.

Há um verso de um poema seu que diz que “a poesia não ser para nada”, pois não diminui as desigualdades sociais e económicas, não melhora a democracia. Mas Lauren Mendinueta, no evento de sábado, disse a propósito do lançamento de um livro que esse livro era a prova da importância da poesia. Quer contestar?

Quando digo que a poesia não serve para nada digo que um poema não muda um regime político, não altera o rumo da economia. Não muda o mundo; muda as pessoas que o lêem. Muda as suas emoções, a sua visão do mundo. E a poesia não está apenas nos poemas: está em Miró, em van Gogh, numa perspectiva do mar, de Lisboa… A utilidade da poesia é, sobretudo, como vai mudando cada pessoa. [Jorge Luis] Borges dizia que os poetas são pessoas como as outras; o que difere é que sentem mais.

Ainda assim, é possível uma mesma pessoa ser sensível à poesia e, por exemplo, também um político que comete atrocidades.

Sim, é verdade. No Homem há todas a possibilidades do bem e do mal.

No mesmo homem, até.

No mesmo homem também, de acordo com as suas circunstâncias e personalidade. Um homem pode ser quebrado, naquilo que tem de fundamental, num campo de concentração. Mas a poesia, na nossa tradição judaico-cristã, tem tido um papel fulcral para a própria evolução social e cultural.

Venceu vários prémios na América Latina e em Espanha, mas escreveu que tem “horror a ser canonizado”. Ainda o tem?

Esse poema foi escrito na minha juventude. Ainda penso o mesmo, mas de outra maneira, porque já não tenho 23 anos. Naquele dia, em 1972, entrei na Capela Sistina e verifiquei que todos os que foram canonizados sofreram a tortura. E portanto escrevi aquilo.

Noutro seu poema, Inscripción en el ataúd, faz crer que tem vivido de modo relativamente simples, sem ambições desmesuradas, pois fala de grandes autores aos quais não quer comparar-se.

Acho que o importante, sendo poeta ou não, é uma pessoa entender os seus limites. Somos sempre inferiores aos nossos sonhos de juventude. Cremos, quando somos jovens, que seremos Octavio Paz ou Jorge Luis Borges – já nem falo da loucura de querermos ser Shakespeare, Cervantes ou Camões. Eu quis tentar escrever poesia, contos, novelas, aforismos, ensaios, mas sou antes de mais poeta. Quando perguntaram a Cortázar se ele era primeiramente poeta ele respondeu “não, sou acima de tudo contista”.

Quando se deu conta de que não poderia comparar-se a grandes autores, de nível canónico, como foi para si aceitá-lo?

Não podemos fazer o que queremos; fazemos o que podemos. Os 40 anos são um momento muito importante numa vida, em que se começa a duvidar a sério de que se é ainda jovem. Procura-se fazer o melhor possível. Se Goethe dizia aos 70 anos que era ainda um aprendiz de escritor, o que pensará alguém como eu? É necessário ter-se consciência do que se é. E por isso mesmo são insuportáveis os escritores que se crêem mais do que são.

Esse é um indicador de que não são o que dizem ser?

Talvez haja excepções, mas raras, porque os grandes escritores são muito humildes, simples e de trato fácil.

Como poderia descrever a sua obra a um leitor português, uma vez que ainda não há nenhum trabalho seu traduzido em Portugal?

Dei-me conta de uma coisa nestes dias, quando Nuno Júdice – que me parece um grande poeta contemporâneo, talvez o maior em Portugal – traduziu os meus poemas: o conteúdo dos meus poemas foi muito bem traduzido, passou muito bem de um idioma para o outro. Creio que a minha poesia pode ser traduzida sem grande complexidade para qualquer língua.

Os temas dos seus poemas são, portanto, universais.

No final de contas os temas na poesia são todos universais. É natural que muitos poetas, e leitores, não vivenciem muito do que pode ser descrito poeticamente, mas os temas são tão próximos de todos nós que qualquer pessoa entende um bom poema. Um bom poema não deve ser explicado, deve ser entendido – pelo menos minimamente.

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