Exposição sobre Martí na plástica cubana

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29 de Janeiro até 28 de Março
Casa da América Latina

Reproduções que revelam, no seu conjunto, a importância da expressão plástica sobre José Martí em Cuba, na data em que se celebram 160 anos do seu nascimento, a 28 de Janeiro de 1853. Ervando Cabrera Moreno (Havana, 1923-1981), Mariano Rodríguez (La Habana, 1912-1990) e René Portocarrero (La Habana, 1912-1985) são alguns dos artistas representados nesta coletiva.

Organização: CAL e Embaixada de Cuba
Horário: seg a sex 9h30 – 13h00 | 14h00 – 18h30

Texto de Rafael Polanco, da Associação Cultural José Martí, para a inauguração da exposição:

Duas Pátrias tenho eu: Cuba e a noite. Assim se referiu José Martí às duas paixões que ocuparam o centro da sua vida: a causa da independência da sua amada Cuba e a criação artística e literária que ele identifica com a noite. Não é possível falar de Martí sem mencionar a sua entrega a Cuba e não é possível perceber Cuba sem a figura e o pensamento de José Martí.

O escritor e afamado novelista cubano José Lezama Lima, desde as suas profundas convicções religiosas, referindo-se ao que significava José Martí para Cuba, definiu-o como um mistério que nos acompanha. E para os cubanos, José Martí não é só o poeta, o jornalista, o professor e organizador da guerra para alcançar a independência. É isso tudo, e também, o “ Apóstol”, o profeta, o visionário que se adiantou ao seu tempo. A sua obra, com a sua carga ética e de espiritualidade, constitui não só um legado histórico, mas que mantém também nos nossos dias uma atualidade e vigência surpreendentes.
Martí é um poeta que nos emociona com os seus versos simples, que foi capaz de organizar um partido revolucionário para conduzir uma guerra, de conspirar e preparar em segredo expedições e convocar o reinício da guerra que ele chamou necessária contra Espanha.

Foi, sem dúvida, uma das figuras destacáveis da língua espanhola, com uma grande cultura, um pensador que revela no seu ensaio “Nossa América” a essência do homem americano e os seus desafios, e que foi também um homem de ação.

Não foi casual, portanto, que quando o jovem advogado Fidel Castro, no juízo ao qual foi submetido pelo seu papel na ação armada para a tomada do Quartel Moncada, em Santiago de Cuba, o fiscal lhe perguntasse quem era o autor intelectual daqueles feitos, e ele respondesse sem hesitar: José Martí.

E este papel essencial de José Martí no perfil espiritual da nação cubana manifesta-se também no terreno da arte. Pode afirmar-se sem medo de errar que os mais importantes pintores cubanos têm sentido a necessidade de referir a figura de José Martí nas suas obras. Cada um o tem feito a partir da sua sensibilidade e estilo pessoal.

Apresentamos aqui um conjunto de obras de artistas cubanos da plástica de diferentes épocas com a imagem recriada de Martí como testemunho mais fidedigno da sua transcendência passada e presente e do valor do seu exemplo que, sem ser um guerreiro, desembarcou em Cuba para pôr-se à frente da guerra que ele tinha organizado e convocado até à sua queda em combate “de cara ao sol” e dar início ao ascenso à imortalidade.

Texto da Embaixada de Cuba em Portugal:

Filho de valenciano e de ilhota das Canárias, o cubano José Martí (1853-1895) é considerado um dos mais importantes pensadores do continente americano. As suas revolucionárias ideias sociais, a profundidade das suas concepções anti-colonialistas, e a sua ininterrupta luta para alcançar não só a mais absoluta independência política, senão – e principalmente – a não dependência económica e cultural da totalidade da Ibero-américa, dão ao seu pensamento uma surpreendente validade, incluindo a análise e a procura de soluções a muitos dos problemas que a humanidade ainda enfrenta hoje, mesmo em pleno século XXI.

A sua valiosíssima e extensa obra de produção literária, por outro lado, converteu-o em uma das maiores figuras das letras em língua castelhana da segunda metade do século XIX, merecendo ser considerado como “o acontecimento cultural mais importante da América no século XIX”.

As ideias de José Marti acolhem e continuam as de Simón Bolívar e outros heróis da luta latino-americana pela independência. A sua acção política está marcada por um sempre presente sentido ético e de justiça social. Em Marti ela está definitiva e indissoluvelmente unida à defesa e reivindicação das classes mais desprotegidas e humildes dos países do sul do continente americano e serve, ainda, de uma base firme, resoluta e sustentada da defesa da independência nacional e cultural dos seus povos.

Ainda adolescente, José Marti iniciou na colónia cubana uma larga luta independentista que o conduziu de imediato ao presídio político, aos trabalhos forçados da prisão, e a um exílio de mais de duas décadas que começou aos 17 anos de idade e se estendeu, de facto, até ao final da sua breve e intensa vida.

Deportado inicialmente para Espanha (onde permaneceu desde 1871 até 1874), Marti conseguiu estudar na Faculdade de Direito da Universidade Central de Madrid, no Instituto de Saragoça e na Universidade desta cidade, onde obteve o grau de Bacharel e as licenciaturas em Direito Civil e Canónico e em Filosofia e Letras.

A sua vital experiência facilitou o conhecimento directo da realidade continental americana. No México (onde residiu durante os anos de 1875 e 1876) destacou-se como jornalista e profundo analista da sociedade mexicana e das especificidades da América antes espanhola. Entre 1877 e 1878 radicou-se na Guatemala, onde exerceu a docência universitária e pré-universitária.

Posteriormente – e por uma única vez depois da sua deportação – pôde estabelecer-se em Havana durante uns poucos meses, até que em 1879 foi novamente deportado para Espanha pela sua actividade conspirativa na organização de uma nova etapa da guerra de Cuba pela sua independência nacional. Em 1880 viveu uns meses em New York, radicando-se depois em Caracas durante a primeira metade de 1881. A partir desse ano estabeleceu-se definitivamente nos Estados Unidos, onde continuou a trabalhar na reorganização das forças independentistas cubanas. Pelo seu intenso trabalho político, educativo e de consciencialização entre os mais vastos sectores da emigração cubana e porto-riquenha – muito particularmente entre os cubanos negros da imigração revolucionária estabelecida em New York – os seus próprios contemporâneos, deram-lhe, em vida, os honrosos qualificativos com que posteriormente foi caracterizado pelo seu povo e com os que o designam em Cuba, nas Antilhas e na América Latina, ainda nos nossos dias: o Apóstolo e o Mestre.

Poucas semanas depois de se reiniciar, em Fevereiro de 1895, a guerra revolucionária para alcançar a independência de Cuba e auxiliar Porto Rico na sua própria, José Marti chegava ao extremo oriental do país numa pequena expedição procedente de outra solidária Antilha: a vizinha República Dominicana. Cairia poucas semanas mais tarde, em 19 de Maio, no combate de “Dos Rios”, final de uma vida em que a sua bem acentuada defesa dos humildes e desprotegidos da sua pátria – e dos demais países da América Latina – havia desempenhado um determinante papel.

Ao morrer aos 42 anos de idade, José Marti tinha penetrado, com visão surpreendentemente antecipadora – e como verdadeiro precursor – na compreensão das realidades económicas e sociais do continente americano e dos perigos que sobre a parte sul do mesmo já pairava naqueles momentos. E havia podido encorajar os seus contemporâneos acerca de:

1.º – A necessidade de que os povos latino-americanos e caribenhos conseguissem alcançar o seu desenvolvimento por vias autóctones, nascidas das suas próprias realidades sociais, políticas e económicas, sem imitar nem copiar fórmulas externas e sem passar por caminhos que – como o caminho historicamente percorrido pela sociedade estado-unidense – haviam levado José Marti a afirmar, ainda durante a sua primeira deportação para Espanha e em data tão precoce como Dezembro de 1870: “As leis americanas deram ao norte um alto grau de prosperidade, mas também o elevaram ao mais alto grau de corrupção. O metalificaram para o fazer próspero. Maldita seja a prosperidade a tanto custo!”.

2.º A urgência de desenvolver uma firme resistência à penetração económica da América Latina pelos Estados Unidos, para o qual denunciou no momento e na medida que surgiam, os diversos mecanismos de penetração e domínio económico que – como diferentes convénios e tratados de reciprocidade que foram implementados na época – eram utilizados pelos expansionistas estado-unidenses e que Marti foi sistematicamente detectando. Tinha definido que, na América Latina, apesar da suposta independência política e de ter alcançado a condição republicana, a matriz colonial continuou vivendo na república e para poder deter aquela penetração, as repúblicas latino-americanas deviam eliminar as estruturas produtivas que vinham arrastando desde os anos da independência colonial: estas não só estavam na raiz dos mais graves problemas sociais daqueles países, como também que geravam, constantemente, dependência. E daí que “urge dizer, porque é a verdade, que chegou para a América espanhola a hora de declarar a sua segunda independência”.

3.º A necessidade de união estratégica dos povos ibero-americanos e caribenhos: “é necessário ir aproximando o que deve acabar junto”. Esta afirmação converte-se num urgente e dramático chamamento à unidade e à acção conjunta quando em 1889 adquire já um carácter aberto, verdadeiramente desmascarado, a forte ofensiva expansionista do nascente imperialismo estado-unidense, ao que José Marti chegou a chamar pelo seu nome, e cujos principais aspectos pôde caracterizar, muito antecipadamente, dentro do contexto internacional da época.

Em consequência, José Marti elaborou (e propôs ao longo da sua extensa e ainda pouco conhecida obra escrita) uma estratégia continental para a mais autêntica, democrática e autóctone transformação revolucionária da América Latina e das relações entre as duas partes opostas – o norte e o sul – do Continente.

O primeiro caso ou momento na realização desta estratégia seria dado pelo estabelecimento em Cuba e em Porto Rico – as últimas colónias espanholas na América – de duas repúblicas de absoluta independência, concebidas para a paz e o trabalho. Tanto uma como a outra estariam organizadas – de acordo com as concepções de José Marti – na procura e obtenção de soluções próprias para os problemas nascidos das suas realidades nacionais específicas e estariam ajustadas às características particulares da sua sociedade. Uma vez que, em ambas as repúblicas – para além de servir de proposta (que não de modelo) para o conjunto dos países latino-americanos – teria de ser possível alcançar o objectivo estratégico continental que regeu a vida e a acção política de José Marti: “impedir a tempo com a independência de Cuba que se estendam pelas Antilhas os Estados Unidos e caiam, com mais essa força, sobre as nossas terras da América. Tudo quanto fiz até hoje e farei, é para isso. Em silêncio teve que ser, e indirectamente…”.

De acordo com esse objectivo, Marti tinha conseguido organizar e fundar em 1892 – entre a emigração revolucionária antilhana radicada nos Estados Unidos, na República Dominicana, na Jamaica, na Costa Rica, no México e em outros países da América e da Europa e depois de mais de uma década de trabalho por ele – o Partido Revolucionário Cubano: o primeiro partido político nascido, sem fins eleitorais, para organizar e dirigir uma guerra de independência, fazer uma revolução popular e tentar alcançar, como principal objectivo estratégico, a não dependência económica, política e cultural dos povos da América Latina.

Em José Marti e em toda a sua acção de transformação social e de liberdade nacional e continental, teve uma firme e sustentável base ética (para além de económica e social) que lhe permitiu mobilizar para a guerra pela independência de Cuba e Porto Rico, defendendo a transformação integral da grave situação continental sua contemporânea e chamar a fazê-lo sem ódios e com grande respeito face aos povos das potências cuja presença subordinadora em terras latino-americanas e caribenhas Marti aspirava a impedir, ou – no mínimo – a obstaculizar.

No caso concreto dos povos de Espanha – expresso nos documentos programáticos da revolução independentista – ficava claro:

“Que no peito antilhano não há ódio; e o cubano saúda na morte o espanhol a quem a crueldade do exercício forçado arrancou da sua casa e da sua terra para vir assassinar no seio de homens que anseiam a liberdade tal como eles. Mais que o saudar na morte, quisera a revolução acolhê-lo em vida; e a república (cubana) será um tranquilo lugar para quantos espanhóis de trabalho e honra gozem nela da liberdade e bens que ainda não encontraram por largo tempo na lentidão, preguiça e vícios políticos em terra própria. Este é o coração de Cuba, e assim será a guerra”.

Para Marti – e ao expressá-lo, reflectia o sentir dos cubanos e porto-riquenhos por cuja independência estava lutando – “não é o nascimento em terras de Espanha o que abomina no espanhol o antilhano oprimido; senão a ocupação agressiva e insolente do país onde amarga e atrofia a vida dos seus próprios filhos. Contra o mau pai é a guerra, não contra o bom pai (…); contra o transeunte arrogante e ingrato, não contra o trabalhador liberal e agradecido. A guerra não é contra o espanhol, senão contra a ganância e incapacidade de Espanha”.

As ideias de José Marti ficaram expressas numa extensa obra escrita, que até ao momento abarca 27 volumes. Ensaios políticos como o transcendente artigo programático intitulado “Nuestra América”, crónicas jornalísticas para importantes publicações de Buenos Aires, Montevideo, Caracas, New York ou Madrid; artigos de análise dos mais variados sectores da realidade política, social, económica e cultural dos países latino-americanos e dos Estados Unidos (como é o caso das suas famosas cenas norte-americanas), ensaios biográficos e semelhanças de pensadores, figuras políticas, criadores e heróis de ambas as partes do continente americano, da Europa e das mais afastadas latitudes – como a Índia e o antigo Vietnam – artigos de crítica literária, artística e científica e os escassos discursos cujos textos chegaram até aos nossos dias, dão corpo a um muito rico e frutífero trabalho de criação que é inseparável da sua tarefa revolucionária e do seu pensamento político e social. Na sua importante obra literária – que o converte numa figura destacada da língua castelhana da segunda metade do século XIX – destacam-se os poemas “Ismaelillo” e “Versos Sencillos”, e um mensário inteiramente redigido por ele e dirigido às crianças latino-americanas: “La Edad de Oro”.

Sempre em busca do seu objectivo de encontrar na própria realidade nacional de cada país as soluções para os problemas sociais, políticos e económicos que essa realidade gera, com essa revista escrita para as crianças da América antes espanhola, José Marti aspirava (segundo palavras suas em 1889) a impulsionar “aquilo a que quero eu ajudar, é a de encher as nossas terras de homens originais, criados para serem felizes na terra em que vivem, e viver conforme ela, sem se separar dela, nem viver infecundamente nela, como cidadãos retóricos, ou estrangeiros desprezados nascidos por castigo nesta outra parte do mundo. O fertilizante pode trazer-se de outras partes; mas o cultivo há-de fazer-se conforme o solo. As nossas crianças haverão de ser criadas para serem homens do seu tempo, e homens da América”.

Marti havia compreendido a especificidade da realidade americana e sabia que “nem de Rosseau nem de Washington vem a nossa América, senão de si mesma”: daí, também, que pudesse denunciar a incapacidade e impotência dos que querem “reger povos originais, de composição singular e violenta, com leis herdadas de quatro séculos de prática livre nos Estados Unidos e de dezanove séculos de monarquia em França. Com um decreto de Hamilton, não se pára o coice de um potro da pradaria. Com uma frase de Sieyes não se dissolve o sangue coalhado da raça Índia”.

Para Marti, o bom governante na América não é o que sabe como se governa o alemão ou o francês, senão o que sabe com quais elementos constitui o seu país e como pode ir guiando-os em conjunto, para chegar, por métodos e instituições nascidas do próprio país, àquele estado apetecível onde cada homem se conhece e se exerce, desfrutando todos da abundância que a Natureza pôs para todos na terra que fecundam com o seu trabalho e defendem com as suas vidas. O governo há-de nascer do país. O espírito do governo há-de ser o do país. O governo não é mais do que o equilíbrio dos elementos naturais do país. E sem ignorar, nem desdenhar ou menosprezar a experiência histórica acumulada pela Humanidade, o revolucionário cubano propunha: “Insere-se nas nossas repúblicas o mundo; mas o tronco há-de ser o das nossas repúblicas. E cale o poderoso vencido, que não há pátria em que possa ter o homem mais orgulho do que nas nossas dolorosas repúblicas americanas”.

É a mesma reivindicação de autoctonia que tinha caracterizado os seus anos de jornalismo no México, quando recém-chegado da sua primeira deportação para Espanha, onde exigia:

“A história própria, soluções próprias. A vida nossa, leis nossas. Não se amarre servilmente o economista mexicano à regra duvidosa, ainda que no mesmo país que a inspirou. Aqui se vai criando uma vida: crie-se aqui uma economia. Aumente-se aqui conflitos que a nossa situação peculiaríssima produz: discutam-se aqui leis, originais e concretas, que estudem e se apliquem e estejam feitas para as nossas necessidades exclusivas e especiais”.

Tais ideias têm estado na base da estratégia revolucionária que para a totalidade do continente americano José Marti concebe, e da guerra de libertação nacional que para a sua pequena pátria cubana e a sua outra Antilha irmã – Porto Rico – organiza e prepara.

Fá-lo sabendo que, nessa guerra, “morreremos pela liberdade verdadeira, não pela liberdade que serve de pretexto para manter a uns homens no gozo excessivo, e a outros na dor desnecessária”.

E fá-lo sabendo – também – que “num dia não se fazem repúblicas; nem há-de conseguir Cuba, com as simples batalhas da independência, a vitória a que, nas suas contínuas renovações e luta perpétua entre o desinteresse e a ganância e entre a liberdade e o orgulho, não chegou ainda, em toda a face do mundo, o género humano”.

Tal foi o suporte e o sustento em que se instala e enraíza a decisão dos cubanos de então de se lançar à luta pela independência e libertação nacional da sua pátria com o propósito de “aproveitar a liberdade em benefício dos humildes, que são os que melhor têm sabido defendê-la”. Com ele, Cuba assumia também – e para sempre – uma das mais íntimas e cativantes decisões de aquele antilhano maior que foi um verdadeiro formador do seu povo.

Com os pobres da terra

Quero minha sorte lançar;

O riacho da serra

Dá-me mais prazer que o mar.

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