Os bastidores da diplomacia em Portugal

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Todos os dias às 9h da manhã há uma reunião de ponto de situação que junta Eurico Brilhante Dias, Jamila Madeira e Duarte Cordeiro. O secretário de Estado da Internacionalização, a secretária de Estado Adjunta e da Saúde e o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares têm do outro lado do mundo o embaixador de Portugal na China. Para José Augusto Duarte são já 17h e é nesse contacto telefónico que os quatro percebem em que ponto estão as encomendas e donativos de material de proteção para a epidemia de covid-19 e de que forma as podem trazer de Pequim para Lisboa ou para  Eurico Brilhante Dias, Jamila Madeira e Duarte Cordeiro estão na maioria das vezes todos numa “sala grande” no Ministério da Saúde, para garantir a distância social.

“Por telefone falamos umas 300 vezes por dia”, conta à SÁBADO Brilhante Dias, explicando que cabe a Jamila Madeira recolher as necessidades de material do SNS, mas também das Misericórdias, das IPSS e até de ministérios como a Justiça e a Duarte Cordeiro fazer a ligação com os outros ministérios. “E o senhor embaixador tem sido o nosso ponta de lança”, na gestão de todo o processo na China. “Eu costumo dizer que a minha tarefa deixou de ser a de dar apoio à exportação de produtos portugueses para a importação”. O tom é de brincadeira, mas o assunto é sério.

Trazer material que foi comprado pelo Estado central, pelas autarquias ou por empresas privadas e donativos feitos por empresas e cidadãos chineses transformou-se num “processo muito complexo”, que envolve muito trabalho de diplomacia feito no Ministério dos Negócios Estrangeiros e na embaixada em Pequim.

Há várias fases sensíveis: da identificação dos fornecedores adequados no mercado chinês às autorizações de voo para garantir a viagem dos aviões que trazem o material, passando pela pressão permanente para garantir que o que foi encomendado não acaba noutro destino, num momento em que há uma verdadeira corrida a máscaras, luvas, fatos de proteção, viseiras, testes e ventiladores, com muita procura e pouca oferta.

Preços triplicaram

“O mercado está completamente louco. Os preços dispararam”, afirma o secretário de Estado da Internacionalização, que diz que em alguns casos as subidas correspondem a ter de pagar até três vezes mais.

A pressão é enorme porque “todos os países europeus estão à procura de material” e, nos últimos dias, “os EUA e o Brasil também começaram a entrar no mercado”.

A China tornou-se no principal fornecedor mundial, porque “tem capacidade produtiva e de oferta” e porque muitos países que produzem este tipo de produtos, como a Alemanha e a França têm de fazer face às suas próprias necessidades.

Eurico Brilhante Dias conta que “no princípio foi muito difícil” montar as operações de importação de material de proteção e testes. “Agora, os aviões já aterram”, diz, explicando que foram precisos “mais de dez dias de trabalho” para que chegasse a primeira carga vinda num voo que aterrou no Porto na quinta-feira da semana passada. “Agora começam a chegar com mais cadência”, garante.

Até terça-feira tinham aterrado cinco aviões em Portugal e um sexto em Liège. “Todos os voos trouxeram coisas para o SNS”, conta Brilhante Dias, explicando que em alguns casos é feito um esforço para que se juntem num mesmo avião encomendas feitas por privados, poupando nos custos do frete.

“Tudo isto obriga a um exercício diplomático para desbloquear autorizações de voo”, relata o governante, que dá o exemplo de um “reajuste de rota que obrigou a falar com as autoridades russas para autorizar o atravessamento do espaço aéreo russo”.

“A embaixada faz grande trabalho diplomático para gerir o processo de encomendas. Há uma fortíssima dose de diplomacia, também junto da embaixada da China cá, que tem sido de grande ajuda, e das autoridades em Pequim”, frisa, esclarecendo que as tentativas de encontrar respostas noutros países produtores deste tipo de material estão a esbarrar em medidas “que limitam fortemente a saída de produtos” por se tratarem de zonas que estão também a lidar com picos da pandemia.

Encomendas fechadas caem no dia a seguir

“O problema é que há uma intensa luta na arena mundial mas muito na China. A diplomacia é crucial. Há encomendas que estão aparentemente fechadas e no dia a seguir caem”, descreve.

Além disso, há um “exercício logístico difícil”, que consiste em “ir à procura de fornecedores, procurar saber quem são” e para o qual o MNE se tem socorrido de empresas privadas como a Fossun (dona da Luz Saúde), “É gente que conhece o mercado chinês e pode ajudar”, justifica o secretário de Estado, sublinhando que “a seleção e qualificação do material é sempre feita pelo Ministério da Saúde”.

“Saber se, por exemplo, o ventilador responde ou não às necessidades é um trabalho dos serviços do Ministério da Saúde”, afirma Eurico Brilhante Dias, que explica que há muitas vezes outros ministérios envolvidos como o das Infraestruturas, “por causa da ANAC (Autoridade Nacional de Aviação Civil)” ou o Ministério da Economia, que muitas vezes faz a articulação necessária para que com estas encomendas relacionadas com o combate ao novo coronavírus venham “outros produtos que possam vir da China”.

Fonte: Sábado

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