Jorge Reis Sá: “Queremos trazer para aqui poetas que possam acrescentar “

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No próximo dia 21 de Março, Dia Mundial da Poesia, a Imprensa Nacional Casa da Moeda vai publicar em Portugal a poesia reunida de Paulo Leminski. O lançamento vai decorrer no Centro Cultural de Belém, numa organização conjunta com a Embaixada do Brasil e a Casa da América Latina. 

É a primeira vez que a poesia reunida de Paulo Leminski, um autor bastante conhecido e reconhecido no Brasil, é publicada em Portugal e essa foi uma razão suficiente para conversarmos com Jorge Reis-Sá, consultor para a área editorial da Imprensa Nacional Casa da Moeda.  

– A Imprensa nacional casa da moeda vai, felizmente, publicar o Paulo Leminski cá em Portugal. O livro é em tudo semelhante ao publicado pela companhia das letras no Brasil Toda Poesia?

É, igualzinho. A única coisa que nós alterámos por razões de lay out foi o tipo de letra e o tamanho. Mas até mantivemos as pintinhas porque eles encontraram uma lógica muito engraçada com as pintinhas, que era colocar sempre um poema por página, e às vezes dois outras vezes três, porque a poesia do Leminski é muito pequena, são poucos versos a maior parte das vezes. E havia o problema de, como aquilo estava feito com poemas seguidos, se por acaso não tivesse essas pintinhas, tu não sabias quando começava e acabava o poema. Portanto, nós mantivemos as pintinhas…

São separadores, no fundo.  

São, mas têm esse cunho de serem separadores do Leminski e não os separadores habituais que se fazem na poesia. Portanto, é um livro da Imprensa Nacional, o tamanho é o da imprensa Nacional, é de capa dura. Tem um bigode estilizado na capa, porque pedimos ao André Letria para fazer uma coisa que desse para manter o layout e ser um bigode. Portanto, quem percebe que há um bigode no Leminski percebe que há um bigode. Quem não percebe que há um bigode no Leminski acha que aquilo é mais um motivo da capa da Imprensa Nacional. De resto, é exatamente igual. 

O Paulo Leminski é um autor muito conhecido no Brasil. Terá começado de uma forma mais marginal mas entretanto passou a vender muito. Foi por essa razão que decidiram publicá-lo cá? Foi por ele ainda não estar publicado em Portugal e quem gosta ter de mandar vir do Brasil? O que é que vos levou a apostar nesta edição? 

Eu quando faço as escolhas dos poetas portugueses, que valido com o Duarte Azinheira, faço-as com a lógica das antologias ou das recolhas. É essa a lógica da Imprensa Nacional, uma lógica supletiva a nível da poesia portuguesa. E a nível da poesia brasileira, neste caso, estive depois a pensar, é o primeiro poeta que já faleceu que nós vamos publicar cá. Publicámos o Antonio Carlos Secchin, publicámos o Eucanaã Ferraz, publicámos a Alice Sant´Anna, foram os três poetas brasileiros, e vamos publicar agora o Antonio Cícero, e vamos publicar o Paulo Henriques Britto para o ano. Vamos publicar também o Ferreira Gullar, assim a questão dos direitos fique resolvida, porque nós íamos publicá-lo, ele já tinha dito que sim, mas não tínhamos assinado contrato ainda quando ele faleceu, portanto, agora tem de esperar. 

Portanto, qual é a lógica que impera aqui? É uma lógica de trazer, ou poetas que faz sentido serem editados porque o que nós vamos fazer não foi feito no Brasil – por exemplo, no caso do Eucanaã Ferraz a recolha da obra foi feita cá mas não foi feita no Brasil, o Cícero vai ser recolhida cá mas isso não foi feito no Brasil, e o Paulo Henriques Britto a mesma coisa. – , ou então de autores que são menos conhecidos cá e que podem ser apresentados. Caso do Secchin, caso da Alice e caso agora do Leminski. O que é que, portanto, nós queremos fazer? Queremos trazer para aqui poetas que possam acrescentar e que possam fazer com que as pessoas não tenham de andar a pedir na Amazon ou onde seja para mandar vir. O Leminski junta isso que acabaste de dizer. É um poeta muito bom, com uma lógica relativamente marginal, um poeta da província, entre aspas, porque é um poeta de Curitiba, não é um poeta dos grandes centros de São Paulo ou do Rio de Janeiro, com depois esta explosão popular que teve de vender, eu não tenho os números, mas aquilo que me disseram são dezenas de milhares. Portanto, não estamos a falar em cinco mil, estamos a falar em cinquenta mil livros da “Toda Poesia” na Companhia das Letras. Eu já falei com a viúva e com a filha para elas perceberem que aqui não vai acontecer isso, porque o que aconteceu lá foi um fenómeno, foi uma coisa mesmo… aquele cisne negro, não é? Aquela coisa que acontece que uma pessoa não compreende, e pronto. 

Esperas que aconteça um fenómeno semelhante aqui?

Não me parece que vá acontecer isso aqui. Posso contar-te que falei com o Eucanaã (Ferraz) sobre isso e eu Eucanaã estava a dizer: “isso vai estourar”. E eu disse: “não, Eucanaã. Isto é a mesma coisa que alguém agora editar um cd do António Variações no Brasil. Ou seja, ninguém sabe, não tem histórico. Ao não ter histórico, em determinados círculos as pessoas vão achar piada à música do Variações, mas não tem lastro. Portanto, aqui acontece a mesma coisa com o Leminski.”

No entanto, vocês querem publicar.

Queremos porque a lógica da Imprensa Nacional é uma lógica supletiva e é uma lógica de serviço público. Portanto, não é uma lógica de estar à espera que isto vá estourar. Nós não temos uma lógica de ganhar dinheiro com os livros, o nosso grande objetivo é sempre não perder, que é muito diferente de uma lógica comercial; e isto sem estar a criticar a lógica comercial, que é como é. Nós achamos que faz sentido apresentar o Leminski ao público português. Nunca foi. E queremos tentar apresentar ao público português poetas e autores que nunca foram publicados cá. Já fizemos isso. Ainda há pouco tempo a Imprensa Nacional também publicou o Alberto Costa e Silva, por exemplo, que tinha um livro publicado em mil novecentos e troca o passo cá, e que é um dos maiores africanistas do Brasil, e que faz todo o sentido ser publicado cá. 

Mas então, como é que se apresenta Paulo Leminski a quem nunca o leu e a quem gosta de poesia? 

É complicado. É sempre mais fácil apresentar com algum paralelismo com a poesia portuguesa. Eu acho que é um poeta que pode ter algumas pontes de contacto com a Adília Lopes, ou o Daniel Maia Pinto Rodrigues, ou essa poesia mais…

Depurada?

É e, sem desprimor, mais brincalhona. Com uma raiz sempre meia concreta e experimental às vezes, mas isso no Brasil acontece muito, e que tem a sua piada, é uma poesia com alguma piada. Mas ao mesmo tempo, como a Adília Lopes e como o Daniel Maia Pinto Rodrigues, se nós formos ler por detrás dessa piada, também é uma poesia com uma profundidade muito grande. Portanto, não é uma coisa superficial em nenhum deles, e no Leminski também não é. Portanto, eu acho que para quem gosta deste género de poesia pode ser uma surpresa fabulosa. E para quem já o conhece no Brasil, pode ter agora aqui uma edição que, do ponto de vista editorial acaba por ser mais engraçada, porque a outra é em capa mole, e esta aqui é uma edição de capa dura da coleção Imprensa Nacional. 


Entrevista realizada por Raquel Marinho

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