Daniel Mattar: “Sempre fui reconhecido por usar a cor de uma forma muito especial”

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Sexta-feira, 16 de novembro – A porta do número 44 da Rua Vítor Cordon, uma das mais íngremes ruas do coração de Lisboa, esconde uma pequena Via-Sacra para os amantes de arte. Ladeada por inúmeros prédios em processo de reabilitação, o toldo azul que a cobre tem nele inscrito a branco Brisa Galeria, reclamando a atenção de quem por ali caminha. No seu interior, a exposição RISE, inaugurada horas antes, circundava e iluminava Daniel Mattar, o fotógrafo carioca responsável por este magnífico trabalho artístico que tem como pano de fundo a temática do aquecimento global, e Bebel Moraes, produtora de moda e sócia deste projeto, que aguardavam pela chegada da Casa da América Latina.

A conversa inicia-se sob o tema da série exposta. RISE, com curadoria de Rui Guerreiro, é o mais recente trabalho artístico de Daniel Mattar, outrora fotógrafo de moda, “nasce da cumplicidade entre vibrantes ondas de cor e inquietantes mensagens subliminares que questionam algo sem o revelar”.

Neste meio há mais de 30 anos, Daniel reconhece que, com os avanços tecnológicos, “se se tem um bom olhar e um equipamento de qualidade, todo o mundo é um bom fotógrafo”.

A banalização da fotografia levou-o à procura da abstração, através de um diálogo entre a fotografia e a pintura. “Manipulo a cor, que resulta numa pintura sobre uma superfície, que pode ser um tubo de tinta ou jornais cujas notícias abordem o aquecimento global. Enquanto a tinta está brilhante e fresca, corro para o set de fotografia híper técnico, porque preciso de muita luz para fotografar com este nível de resolução [olha para as fotografias expostas]. É uma junção do lado tátil da pintura com o lado técnico da fotografia, sob escolhas de enquadramento, luz e sombra.”

“Eu brinco com ele dizendo que encontrou uma forma de pintar através da fotografia. É cirúrgico”, diz Bebel.

Nada é manipulado digitalmente. Toda a cor resulta do processo do trabalho de Daniel.

“O fotógrafo vê o que o cliente não enxerga” parece ter sido uma das máximas que conduziram ao resultado final de RISE “O meu interesse surgiu através da riqueza de algo que é real, que está lá, só que é impercetível por ser microscópico. São 4cm de uma superfície com muita riqueza e muito volume, originando detalhes e formas abstractas. É fotografar e conduzir o real mas de uma forma nova, onde o olhar humano não tem a capacidade de captar de uma forma natural”.

O carioca de 47 anos, que conta já com uma extensa carreira como fotógrafo de moda e retratos, iniciou a sua aventura no Japão, onde viveu e trabalhou até regressar ao Rio de Janeiro. Instigado a estabelecer uma relação entre o mundo da moda e o das artes plásticas, usa a cor como elo de ligação entre ambas “Sempre fui reconhecido por usar a cor de uma forma muito especial. Se alguém fosse falar do meu trabalho enquanto fotógrafo de moda, diria que usava uma cor saturada e vibrante e, de facto, utilizava uma técnica de iluminação artificial junto com a iluminação natural, que resultava numa imagem muito parecida com uma pintura, quase irreal”.

“O que liga a moda e a arte é que sempre tivemos um cuidado estético muito grande. Toda a técnica fotográfica que o Daniel foi obrigado a desenvolver para o trabalho comercial contribuiu muito para esta exposição. Não é nada simples ressalvar estas texturas de 4cm, de um objeto muito pequeno, se não houver uma grande técnica de iluminação”, acrescentou Bebel, também ela ligada ao mundo da moda.

Mongólia, Atacama, Patagónia, África e China são alguns dos destinos por onde Daniel passou enquanto fotógrafo. As aprendizagens adquiridas ao longo destas viagens representaram “um treino criativo”, que o fizeram percecionar os diversos tipos de relevo, que confluíram num trabalho bastante topográfico.

Há um ano em Lisboa, abriram a Brisa Galeria por essa altura, num momento em que descrevem a cidade como “muito vibrante”. Sobre o que os fez ficar por cá, Daniel não tem dúvidas “Portugal tem servido como uma base estratégica do ponto de vista comercial. Para além disto, é impossível ignorar a qualidade da luz, algo muito especial para um fotógrafo que pensa e vive a luz: o recorte das sombras, a quantidade de dias ensolarados num ano…”. A língua portuguesa é outro dos motivos “Por mais que eu fale inglês, em português consegue-se ter outra profundidade e rapidamente se criam ligações mais estreitas”.

Sediada no histórico bairro do Chiado e abertos de terça-feira a sábado, das 11h00 às 13h00 e das 14h30 às 19h30, a Brisa é local de passagem obrigatória para os apreciadores de artes plásticas em Lisboa.

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