Antonio Moreno-Montero: “Um conto é como uma máquina que exige que tenha todos os ângulos bem definidos”

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O livro Querida Margot contém treze contos em torno de temáticas “borgeanas”. Fale-nos um pouco da influência de Jorge Luis Borges no seu trabalho.

Creio que a obra de Borges é fundamental. Primeiro como leitor, influenciou-me bastante. A primeira lição foi a economia: contar uma história num breve espaço de tempo; aprender a condensar a máxima intensidade do relato e, sobretudo, que o leitor não perca o sentido. Que haja um jogo hipnótico.

Para todos os grandes escritores latino-americanos, Borges ensinou-nos a ler e a escrever um novo estilo, a contar uma história em menos de 10 páginas. Economizar e saber o timing do relato, onde começa e onde termina.

Em O Nome da Rosa, Umberto Eco criou a personagem Jorge de Burgos, para homenagear Borges. No conto “La memoria del general está en sus ojos”, umas das personagens é invisual. Esta personagem, bem como esta obra, também pode ser considerada uma homenagem ao escritor argentino?

Não foi pensado assim mas há uma influência “borgeana”. Foi pensado em Irineu Funes, O Memorioso [conto de Jorge Luis Borges]. Sendo certo que o tema da cegueira também alude a Borges.

Martín Camps escrevia que, à semelhança da literatura borgeana, “há que prestar atenção a cada frase e a cada palavra, porque não estão ali para encher a página mas porque têm uma função específica”. Este estilo é algo pensado no processo criativo ou é algo intrínseco ao autor?

Podemos passar bastante a tempo a falar sobre isto [risos]. Estamos a tocar na zona nevrálgica do processo de criação. Eu, particularmente, sigo algumas técnicas e sugestões do mestre Luis Arturo Ramos [escritor mexicano], sobre como controlar os tempos, de como ir delimitando aquilo a que se chama conto ou relato curto, de onde começa. Antes de mais, há que ter a frieza de saber onde está o ponto da acção narrativa, a ideia, que seria o acontecimento. Quando tens o acontecimento, começas o processo criativo. Um conto é como uma máquina que exige que tenha todos os ângulos muito bem definidos: o uso da linguagem, a precisão, a construção das personagens, a descrição da atmosfera, a acção e a pausa, e como é tão breve não se pode descuidar estes aspectos. A partir do momento que tenho o acontecimento central, vou acrescentando elementos que podem fortalecer a unidade completa.

Acha que esta obra ilustra que a literatura latino-americana, em particular a mexicana, é muito mais do que as temáticas do crime organizado e da violência?

Sim. Quis contornar o tema, pensando nesta tendência da literatura mexicana actual. É uma literatura que dá eco à violência disruptiva dos últimos anos, como se para se fazer literatura mexicana se tivesse que plasmar a violência. Quiçá, até porque muitos dos contos os escrevi nos meus anos de mestrado na Universidade do Texas, em El Paso. E o que queria fazer era algo muito “borgeano”, ou seja, situar os meus contos noutro tempo e noutro espaço e entrar de uma maneira transversal ou muito íntima, ou metaliterária. Um dos grandes mestres do formalismo russo [Roman Jakobson] dizia que a literatura é a “violentação radical da linguagem.” Não é que não goste ou queira iludir estes temas como uma forma de fugir às responsabilidades mas prefiro entrar por outros lados.

O que representa apresentar este livro na Casa da América Latina?

Muitas coisas porque tenho um sentimento literário especial por Lisboa. Fernando Pessoa, António Lobo Antunes, José Saramago, José Cardoso Pires, Mário de Sá Carneiro e os não portugueses, que escreveram sobre esta cidade, como Antonio Muñoz Molina e Antonio Tabucchi, enriquecem muito este ecossistema. Lisboa é, também, o porto que dá a cara para a América. Há ainda o vínculo que tenho com o Nuno [Júdice], um dos grandes poetas de língua portuguesa. Então, creio que o leitor português pode identificar-se com algumas histórias que não estão territorializadas, que aspiram adaptar-se a qualquer contexto. Para mim, é uma honra apresentar o livro ao lado do Nuno na Casa da América Latina.

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