Eduardo Perera: “Tentei “desentranhar” as causas da evolução das políticas da UE face a Cuba”

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Como surgiu o convite para participar no Curso de Verão da Casa da América Latina?

O convite surgiu na sequência da obtenção da menção honrosa no Prémio Mário Quartin Graça. Quando me convidaram para vir a Portugal, uma das propostas era participar como orador no Curso de Verão da Casa da América Latina e apresentar os resultados da minha tese, o trabalho alvo da distinção. Desfrutei muitíssimo do curso, não só na aula em que leccionei mas em todas elas.

Por falar na tese, queria perguntar-lhe quais as conclusões desta e se pretende continuar a desenvolver trabalhos nesta área?

Praticamente, a totalidade da minha vida profissional foi a estudar a União Europeia (UE) e, por razões que me parecem óbvias, a relação desta com Cuba – uma relação muito recente, de aproximadamente 30 anos, mas muito intensa, marcada pela política e pela diferença ideológica. Os trabalhos já realizados sobre esta relação são demasiado extremos e acentuavam sempre de maneira muito enfática um aspeto: a pouca influência da União Europeia em Cuba e a dependência desta dos Estados Unidos da América (EUA). E eu creio que sim, que existe essa dependência – que vem desde a 2ª Guerra Mundial – mas que não decide tudo porque os países da UE são países independentes e esta tem a sua própria política a nível global.

Há uma outra situação, de que falei na minha conferência, que tem a ver com as pessoas que centravam os estudos na posição comum do conselho da UE sobre Cuba (1996) e era como se não houvesse nenhum outro aspeto para analisar. O que tentei fazer no meu trabalho foi “desentranhar” as causas da evolução das políticas da UE face a Cuba. Assim, a minha tese discorre sobre quatro aspetos que considero essenciais.

O primeiro é que temos de ter em conta a natureza do atores internacionais de que estamos a falar: a UE, que é um híbrido – não é um estado, nem é uma organização internacional clássica como Nações Unidas, por exemplo – porque combina elementos de supranacionalidade com elementos de intragovernamentalismo e não é um “ator” acabado, porque tem dificuldades estruturais e para organizar uma política exterior verdadeiramente comum nos seus estados membros; Cuba também não é um “ator” normal: segundo a sua embaixadora, é como uma ave rara na América Latina, porque durante a Guerra Fria foi o único pais que atuou pelo lado contrário – a América Latina estava do lado ocidental do ponto de vista geopolítico.

O segundo aspeto tem a ver com as deficiências estruturais que a EU tem para fazer uma politica exterior.

O terceiro aspeto tem que ver com um elemento estratégico: a presença dos EUA. Não digo que não sejam importantes mas não digo, também, que toda a política da União Europeia esteja subordinada à política destes. O que se passa é que a relação de Cuba com a União Europeia é uma relação triangular, por motivos geopolíticos e de considerações estratégicas. Cuba é importante para a UE mas não é estratégica. Os EUA são estratégicos para Cuba, a UE não. Ou seja, há um conjunto de relações que determinam os comportamentos de cada um. Se a UE tiver de escolher entre Cuba e os Estados Unidos para tomar uma decisão de política exterior, vai escolher este último porque é o seu aliado e com Cuba sucede a mesma coisa.
Por último, há um problema de enfoque e que contrasta com o discurso político habitual: Cuba é um país muito ativo em política exterior e vivemos num mundo globalizado, em que as acções políticas de qualquer “ator” geram reacções. Por exemplo, se Cuba faz algo, a UE reage e Cuba considera que esta reacção não é legítima e que a União Europeia não deve intervir.
Quando se fala da relação entre dois “atores”, a culpa não pode ser atribuída somente a uma parte porque ambos têm responsabilidades.

Esta é, em síntese, a minha tese, e sobre a qual gostava de deixar dois apontamentos.
O primeiro é que, para fazê-la, entrevistei mais de 20 pessoas que são atores “diretos” desta política.
O segundo – e não interprete como arrogância da minha parte – é que, actualmente, esta tese – e o livro a que deu lugar – é a obra mais completa sobre este tema que está publicada em Cuba.

Qual a importância de ter recebido a menção honrosa do prémio Mário Quartin Graça?

Esta é a pergunta mais difícil de responder porque a resposta é mais emotiva que racional. Em termos não profissionais, é algo que vou recordar para sempre. Este prémio é único: decidiram, pela primeira vez, atribuir uma menção honrosa. Creio que é uma distinção maior que o próprio prémio.
Portugal é um país que não conhecia, tinha outra ideia do que era Lisboa e estou francamente impressionado com a cidade. Os portugueses já conhecia da época em que trabalhei em Bruxelas e creio que somos bastante parecidos.
Estou muito emocionado com o prémio e comovido com toda a atenção que recebi aqui, desde a ajuda que me deram para poder vir até ao tratamento de que fui alvo. A verdade é que me senti em casa e espero que esta primeira visita não seja a última.

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