Academia Danças do Mundo: A Embaixada das Danças Ibero-americanas em Lisboa

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A Academia Danças do Mundo, no Saldanha, é o resultado das experiências pessoais de Afonso Costa que o levaram a apaixonar-se pela dança ibero-americana. Após desistir da prossecução de uma carreira na Arquitetura e no ensino das Artes Marciais, não olhou mais para trás e investiu num projeto que une o negócio à cultura, com uma vertente social.

Para além de proporcionar uma grande variedade de aulas, que vão desde a salsa à kizomba, e passando pela bachata, forró, ou mesmo rock and roll e zouk, este projeto foca-se também na promoção de um património que vai para além da “técnica”. Afonso Costa continua a procurar novos desafios, nos quais possa pôr em prática os anos de estudo das danças dentro e fora de palco em prol da divulgação destas culturas e da reunião das suas comunidades imigrantes num ambiente onde possa integrar os seus alunos e onde o seu ensino ganhe um contexto real de autenticidade.

Como nasceu o interesse pela dança?

A dança começou como um passatempo. Tal como hoje tenho a minha, outros criaram escolas de dança, e eu lá fui parar. Começou num contexto universitário, porque a minha namorada da altura queria ir ao baile de finalistas da faculdade… Decidi fazer algumas danças de de salão – isto por volta de 1993/94. Simultaneamente estava a fazer um curso de desenho e, por acaso, houve um dia em que fui parar ao antigo B.Leza com o professor e essa turma. Assim começou a minha relação com esse espaço, no ano da sua inauguração em 1995. Tive tanto gosto com essa experiência, que quis organizar um núcleo de dança no seio da faculdade. Consegui alguns apoios por ser bastante ativo no meio estudantil e por estar ligado também a um jornal estudantil muito crítico… Por mero acaso, aquela que veio a ser o meu par de dança e posteriormente a minha sócia da academia de dança em 2009 (conhecemo-nos em 2003) foi a mesma pessoa que, uma hora antes dessas aulas que eu organizei há anos atrás, preparava os nossos jovens “professores”, também alunos da faculdade. Tudo isto sem nunca nos termos cruzado.

E quando é que esta primeira experiência começou a se tornar mais séria?

Já tinha experiência como assistente de artes marciais,  desde 1987 e depois instrutor federado em 1990ou seja, existia essa experiência de dar treino, de ensinar. Esse foi um ofício que ficou, mais do que a arquitetura. Houve um momento em que percebi que teria de escolher uma opção entre todas as atividades que estava a desenvolver. E após uma carreira de 18 anos como treinador, precisava de apostar num outro ofício de forma séria. Já não me bastava algum contacto com os nativos, que me ofereceram bastante know how para fazer aquilo que faço, mas precisava também de  ter contacto com a história e principalmente com os músicos cubanos, que são uma parte fundamental da dança e hoje, os meus principais mestres e mentores.  Esta passagem foi sempre gradual, sempre tive uma apetência para a atividade física e para a música.

Eu trabalho a dança de uma forma um bocado holística.  Hoje, ensino sobre o papel de cada instrumento, toco percussão nas aulas e continuo os meus estudos sobre o funcionamento do corpo humano, pois sou certificado pelo IDP como Técnico de Exercício Físico (TPTEF) e adoro formação! Quando vim para a dança, decidi fazê-lo com um nível de exigência muito grande. Para além da expressão de conhecimento popular, queria ter contacto com uma vertente mais clássica. Fui parar à Escola Superior de Dança em 2003, como aluno externo, para fazer ballet. Eu queria a dança todos os dias. Devido à minha formação, a minha necessidade de ocupar o meu tempo desta maneira era essencial. Eu não gosto muito do termo ‘bailarino’ no contexto das danças de salão. O bailarino, vem do Ballet, ocupa um lugar no palco, é parte de um exercício performativo – é teatro. Prefiro o termo Dançarino Profissional.

É extremamente raro encontrar um espaço que seja exclusivamente dedicado à dança. O mais comum, é alugar, umas horas apenas, num espaço qualquer, para esse fim. Mas eu decidi dar esse passo. Nós temos de estar sempre a evoluir como treinadores. A minha guia deve ser a evolução dos meus alunos – e se eles me ultrapassam é porque criei valor acrescentado.

Academia Danças do Mundo na Bolsa de Turismo de Lisboa 2018

Que tipo de danças podemos encontrar na Academia Danças do Mundo, e de que forma é que elas se relacionam entre si?

A minha especialidade é a expressão ibero-americana – que inclui ritmos africanos, latinos, espanhóis… A cultura que nasce entre estes dois povos (Espanha e Portugal) é fascinante. Nós recebemos a dança dos franceses e dos ingleses, mas fomos nós que pusemos os outros povos a dançar. O que os cubanos têm na expressão das danças latinas é um grande monopólio, que tem uma profunda influência espanhola. Quando os cubanos contactam com as danças espanholas, como o flamenco, sentem uma enorme identificação com os gestos e tradição.

Nós, portugueses, tendo tido uma grande desvalorização, após a ditadura daquelas que chamamos as nossas danças tradicionais, como é o caso do folclore, acabámos por associar as mesmas a uma mentalidade retrógrada de identificação das regiões por aquilo que lhes é típico. E com a queda do anterior regime, é tendencioso que se acabe também com o preservar dessa tradição, que não foi sujeita a uma evolução equivalente à das danças da América Latina. No entanto, Portugal exporta uma grande quantidade de danças latinas e africanas. Nós afirmamos genericamente que a kizomba é um ritmo africano, mas, na verdade, não deixa de ser o zouk, de origem latino-americana. E o que vem afinal alimentar a expressão da kizomba, é a exportação da mesma a partir de Portugal, e não a partir dos países africanos. O que isto prova é a ligação profunda que existe entre os países ibero-americanos neste âmbito.

Para além destas conexões, temos ainda a posição dianteira de Cuba em relação aos outros países latino-americanos. Até o tango argentino deve muito a Cuba. Aquilo que é a estrutura do tango desde há vários anos, vem do ritmo habanera cubano. Cuba foi uma espécie de Dubai da América Latina, no sentido que condensou, ao longo da sua história, uma grande quantidade de investidores, que criaram alguns incentivos ao desenvolvimento da música e da dança nesse país. O fenómeno da salsa sofre o mesmo tipo de influência, tendo por base o swing e o rock and roll americano, que já por si, na sua origem, escondem conceitos rítmicos cubanos. Esta história dá muitas voltas, com inúmeras reinvenções e influências circulares.

Existe uma preocupação social em integrar latino-americanos nas aulas da Academia Danças do Mundo. Isso tem a ver com esta partilha de experiências de que fala?

Eu sou português e desenvolvi uma paixão muito grande por estas culturas. E se trabalho com elas e tenho assim o meu ganha pão (e muitas vezes estes povos chamam-me a mim para os representar nos mais diversos eventos), e sou bem recebido pelas comunidades latino-americanas, procuro também ter uma responsabilidade cultural em reverter algumas das receitas que tenho em prol do interesse destes povos em participar nas minhas aulas. Aqueles imigrantes nativos que querem frequentar as minhas aulas e tenham um contacto prévio com estas culturas não pagam pela sua participação, de forma tal que se dê a possibilidade de criar um espaço de partilha cultural. É importante assegurar que o imigrante tenha um local para se reunir em torno da sua própria cultura. Não o faço de forma altruísta, mas também porque eu sei que é benéfico para os meus alunos comungar das influências que os latino-americanos podem oferecer e assim reforçar o meu ensino em autenticidade! Não acredito em “Festa Latina” sem Latinos!

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