O melhor e mais recente cinema ibero-americano em Lisboa, Carlos Nogueira curador da Mostra 2017

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A programação de uma mostra de cinema ibero-americano era um desafio irrecusável. Numa altura em que as cinematografias tanto ibéricas como das várias regiões da América Latina parecem estar a atravessar um momento particularmente criativo, a sua apresentação estruturada, integrada nas comemorações de Lisboa, Capital Ibero-americana da Cultura 2017, parecia impor-se.

Os curadores tinham pela frente um “oceano” de filmes a partir do qual encontrar um conjunto coerente que refletisse simultaneamente as tendências principais subjacentes aos cinemas da vasta entidade geográfico-cultural, os eixos temáticos da programação-geral da Lisboa 2017 e, necessariamente, os respetivos gostos pessoais.

O “desbaste” inicial foi feito com o estabelecimento de alguns critérios práticos: os filmes teriam de ser recentes (posteriores a 2015), longas-metragens e inéditos em Lisboa. Recentes porque a mostra iria dar continuidade ao trabalho que vinha sendo feito pela Casa da América Latina através das sete edições da sua Mostra de Cinema da América Latina, onde têm passado essencialmente produções dos últimos anos; apenas longas-metragens porque os dois curadores não se conseguiriam desmultiplicar para fazer uma seleção de longas, médias e curtas-metragens por entre as centenas, senão milhares produzidas anualmente na região; inéditos na cidade para dar oportunidade ao público de conhecer novos filmes, complementando assim a oferta (exígua, há que reconhecer) proporcionada pela distribuição comercial bem como as escolhas (judiciosas, em particular – e talvez não por acaso – este ano) feitas pelos festivais de cinema lisboetas.

Desses critérios, o único que não foi inteiramente respeitado foi o de nos circunscrevermos ao formato longo. Apesar de não se ter feito uma prospeção ampla da produção de curtas-metragens, pareceu-nos importante apresentar uma seleção do viveiro extremamente criativo que se vive atualmente no Peru, e o formato curto permitia-nos cobrir um espetro mais amplo do que as longas-metragens; por outro lado, a inclusão da média-metragem Minotauro colmatava uma lacuna grave que era o virtual desconhecimento de um cineasta da importância de Nicolás Pereda, um dos mais interessantes e produtivos realizadores da nova geração mexicana; finalmente, a extrema dificuldade em encontrar um filme português inédito, interessante e disponível levou-nos ao encontro do cinema delicado e formalmente rigoroso de Mónica Lima (Verão Saturno). As restantes curtas-metragens impuseram-se naturalmente pela sua excecional qualidade, pequenas joias a que foi difícil ficar indiferente (O Peixe, Tierra mojada, El sueño de Ana).

O resultado do trabalho está à vista. No escurinho do cinema é a mais importante mostra de cinema ibero-americano de que há memória em Portugal, não só pelo número de filmes exibidos (41) como pela respetiva importância, atestada pela quantidade de prémios granjeados, presenças nas seleções dos mais reputados festivais internacionais e aclamação crítica. Doze realizadores estarão presentes para apresentar as suas obras e conversar com o público.

De notar que, com exceção do caso do filme brasileiro Joaquim, que terá a sua ante-estreia na mostra, esta constituirá provavelmente a única oportunidade durante muito anos de estes filmes serem vistos em Portugal.

Os filmes selecionados são representativos das tendências e temáticas que têm caracterizado o cinema ibero-americano dos últimos anos. Seguem-se alguns exemplos, que poderão também funcionar de guia nas escolhas dos espetadores:

• recuperação da memória histórica (Ejercicios de memoria; El pacto de Adriana; Los ofendidos)
• repercussões da violência na sociedade (Tempestad; Minotauro; La familia)
• problemática indígena (Mala junta; Ixcanul)
• cinema político (El candidato; Ejercicios de memoria; La obra del siglo)
• ritos de passagem à idade adulta (Alba; La reconquista)
• estratificação social (La Soledad; Aquí no ha pasado nada)
• várias formas de alienação urbana (La noche; Extraño pero verdadero; Atrás hay relámpagos; Todo lo demás; La defensa del dragón)
• religiosidades primitivas e alternativas (Espacio sagrado; Ixcanul; El Cristo ciego)
• mundo rural em transformação (Tierra mojada; El viento sabe que vuelvo a casa; Ixcanul)
• recuperação e subversão de géneros do cinema clássico, como o western (El invierno), o filme histórico (Joaquim) ou o melodrama (La luz incidente)
• utilização do filtro da literatura (El limonero real; Toublanc; Santa Teresa y otras historias)
• reflexão sobre o cinema (Como me da la gana II; Todo comenzó por el fin)

 

Carlos Nogueira

Curador da Mostra de Cinemas Ibero-americanos –  No escurinho do cinema

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