Poesia Ibero-americana lida na Casa da América Latina

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O “Encontro Ibero-americano de Poesia”, organizado pela Casa da América Latina no âmbito da Capital Ibero-americana da Cultura, decorreu entre 21 e 25 de março. Os três primeiros encontros realizaram-se na sede da Casa da América Latina (Casa das Galeotas).

A secretária-geral da Casa da América Latina, Manuela Júdice, abriu a iniciativa que celebrou o Dia Mundial de Poesia (21 de março), apresentando os poetas convidados: Rafael Courtoisie (Uruguai), Ozias Filho (Brasil) e Nuno júdice (Portugal), sob a moderação de Nicolau Santos.

Rafael Courtoisie começou por falar das especificidades da poesia Uruguai na América Latina, “grande país de heterodoxias”. “Tanto a poesia do Paraguai como do Uruguai tem características específicas, devido às influências do guarani. É um país que está fundado em influências da América Latina, espanholas, italianas e europeias no geral, mas também com uma imensa marca do português do Brasil. O concretismo brasileiro é algo que se identifica na poesia uruguaia, mas, para além disso, é uma poesia determinante na legitimação de poetas no feminino”, explicou o poeta.

Na opinião de Ozias Filho, não existem, na conjuntura atual da poesia brasileira, vultos tão sonantes como noutros tempos. Referiu Eucanaã Ferraz como um nome relevante, no entanto, e apesar da grande proliferação de poetas no Brasil, estes “não se destacam no cenário nacional, como foi o caso de Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira ou o Vinicius de Moraes”.

Comentando a ascensão recente de sessões de poesia, nomeadamente em bares ou outros espaços informais, Nuno Júdice afirmou que este fenómeno recente tem a ver com a própria promoção da cidade como espaço cultural, que contribui para a afirmação do português como língua criativa “posta em risco com a ascensão dos anglicismos na linguagem quotidiana”.

Rafael Courtoisie leu poemas do seu recém-publicado livro Diário de un Clavo, Ozias Filho leu poemas do livro apresentado em 2011 na Casa da América Latina Diário de um Relógio Avariado, e Nuno Júdice leu dos seus últimos três livros: Trabalho Doméstico, Desvio de Fundos e O Papel do Formalismo na Revolução de 1917.

No dia 22 de março, também na Casa das Galeotas, ouviram-se leituras de Ramón Cote (Colômbia), Teresa Colom (Andorra) e Filipa Leal (Portugal), com moderação de Isabel Araújo Branco. Carta Rota, A Cidade Líquida e A Cidade Esquecida foram algumas das escolhas dos convidados, respetivamente.

Teresa Colom falou sobre o que significa ser poeta em Andorra e ser reconhecida como uma das maiores do país: “Andorra é um país pequeno, e, tendo menos habitantes, é mais fácil ser uma das poetas mais destacadas do país [risos]. É um prazer representar um país que tem como língua oficial o catalão, tendo eu sempre escrito nesta língua materna para mim. É fácil nos darmos conta da importância da língua, e da manutenção do seu uso, quando alguém em Barcelona não compreende certas variantes do idioma, por exemplo”.

Questionado sobre as relações entre as artes plásticas e a escrita poética, Ramón Cote explicou que sempre foi sua intenção “unir a imagem visual dos quadros à imagem verbal dos poemas. Não foi fácil, demorei algo como 20 anos a escrever os poemas de Coleção Privada, porque não encontrava o enfoque que pretendia. Era como se estivesse a tentar comer sopa com um garfo, em vez de pegar na colher, e foi essa colher que me permitiu falar dos quadros”. Falou ainda da cidade como uma das suas grandes obsessões: “todos os poetas são cidadãos. A poesia serve para falar de milagres que nos acontecem e passam despercebidos”.

Filipa Leal comentou o “manifesto irónico” que publicou – Pelos Leitores de Poesia, que, “como todos os manifestos é feito para ser lido em voz alta”, e onde defende “a hipótese um leitor que lesse apenas poesia, por oposição a tantos que dizem não a conseguir ler. Existe uma ideia estereotipada de quem acredita que os poetas passam a vida fechados numa cave a fumar e a criar. Isto é mentira. Defendo a possibilidade de um leitor de poesia. A poesia também é literatura (e o também aqui também é irónico)”. “O facto de a poesia estar fora dos setores de mercado dá-nos, apesar de tudo, uma certa liberdade para escrever na nossa língua materna, da dimensão que nos aprouver”, acrescentou ainda.

No último dia de leituras de poesia ibero-americana na Casa das Galeotas, Jaime Siles (Espanha), Lauren Mendinueta (Colômbia) e Jorge Reis-Sá (Portugal) leram poemas como Noutra Salamanca, Assim Passam os Anos e Buracos de Verme, respetivamente, e discutiram sob a moderação de Luísa Mellid-Franco.

“A poesia tem esta vantagem de ser um género muito mais aberto do que o do romance. Acredito que no meu caso, mas também no geral da poesia contemporânea, o tema fundamental da poesia é o da identidade e da linguagem. Creio que este é o tema fundamental da literatura desde Nietzsche”, afirmou Jaime Siles.

Sobre a tradição familiar e do gosto “hereditário” pela poesia na Colômbia, Lauren Mendinueta explicou que existe no país uma relação “muito rica” com a poesia, do mesmo modo que a existe em relação à língua. “Falamos o espanhol mais antigo. Por um lado é normal, visto que estamos longe de Espanha, mas penso que também faz parte da tradição colombiana, este selo de manutenção da língua em que insistimos”, referiu.

Jorge Reis-Sá partiu da antologia “Poetas do Século XXI”, que engloba poemas que foram editadas até 2008, para abordar a ligação entre poetas de uma mesma geração: “a tradição lírica portuguesa é tão forte, que provavelmente é a que mais diálogo tem entre poetas da mesma nacionalidade. Eu tive de ler muita poesia para reunir esta antologia, e apercebi-me dessa realidade”.

Foi ainda apresentado na Casa da América Latina, o concerto Jazz & Poesia, um projeto do quarteto de Manuel Lourenço que nasceu em 2006 e que conta com a participação de Cláudia Franco, e com poesia dita por Nicolau Santos.

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