Jorge Perez sobre a renovação de Medellín: “A cidade são as pessoas”

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O arquiteto, consultor de planeamento urbano e ex-diretor de Planeamento da Cidade de Medellín (2012-2015), Jorge Perez Jaramillo, integrou o painel de oradores no 40º Congresso da Associação Internacional de Desenvolvimento Urbano (INTA) em Lisboa.

Jorge Perez veio a Portugal para falar do “processo pelo qual a cidade foi financiada e estruturada a nível municipal, mas também partilhar a experiência das mudanças que esta foi exibindo desde a crise, revelando uma evolução significativa e ultrapassando muitos desafios até conseguir estabelecer importantes reformas sociais”, já que Medellín é um exemplo internacional de sucesso, tendo vencido no ano de 2016 o Prémio Internacional Lee Kuan Yew, que distingue as cidades que se destacaram pela criação de comunidades urbanas vibrantes, habitáveis e sustentáveis em todo o mundo.

A Casa da América Latina entrevistou-o.

Que tipo de desafios enfrentou a cidade de Medellín no seu processo de renovação?

A crise de Medellín é muito complexa. É muito famosa internacionalmente a questão do narcotráfico e da violência, mas o problema da cidade foi muito mais estrutural, devido ao seu crescimento populacional exponencial (cerca de 38 vezes, entre 1900 e a atualidade). Durante os primeiros 70 anos houve um boom económico, associado à indústria, à agricultura, à exploração mineira e ao comércio. Tudo isto porque a cidade tinha uma boa conexão ferroviária – um comboio que a unia ao Rio Magdalena, daí ao Caribe, e daí ao mundo.

Vários fatores contribuíram para que Medellín entrasse em crise: a urbanização muito rápida, com a larga migração das populações a partir dos campos, em condições precárias, foi uma; a destruição da rede de comboios, que fez com que a cidade perdesse a sua ligação com o mundo e a sua base de competitividade, deixando assim a base económica e industrial em crise no exato momento em que havia mais necessidade e mais procura de oportunidades por parte da população; a crise económica, de base industrial, mas também do café (nós somos uma das capitais da região cafeteira que nos anos 70/80 sofreu com uma grande quebra geral do preço do café); para além disto, na Colômbia havia um desenvolvimento democrático muito precário onde não existiam eleições locais, a cidade sempre teve uma tradição de comércio com uma dimensão de ilegalidade considerável que acabou por resvalar para o narcotráfico, e a violência era também uma consequência disso. É uma lista extensa de problemas que, por assim dizer, explodem nos anos 80, e que são a base de uma profunda crise.

Qual o momento decisivo para que estas tendências negativas se começassem a inverter?

Um ano decisivo foi o de 1991, por ter sido o mais grave em termos de terrorismo, morte e violência. Tivemos cerca de 6400 homicídios na cidade, o que representa cerca de 380 homicídios por cada 100 mil habitantes – o que, para efeitos reais, é a taxa mais elevada da história quando falamos de uma cidade que não está em guerra. A cidade de Medellín, perante a gravidade da crise, começou um processo de tomada de consciência, formando uma espécie de diagnóstico coletivo. Toda a sociedade foi se organizando para encontrar saídas. Pablo Escobar destruiu edifícios, assassinou cinco candidatos presidenciais, fez atentados à bomba em várias cidades do país… Já não existiam somente problemas internos. Medellín tornou-se também num problema para a Colômbia.

A cidade tem um forte capital nacional na cidade, assente na identidade regional e com uma base nas universidades, no associativismo e trabalho coletivo, que iniciou um diálogo essencial para que a Presidência da República criasse um departamento presidencial para Medellín nos anos 90. Houve propostas de desenvolvimento institucional, de criação de políticas públicas, de fortalecer a presença do Estado nas comunidades, mas sobretudo existiu uma grande aprendizagem relativa aos conflitos e como se poderiam encontrar soluções juntamente com a população. Entre 90 e 94 houve, todos os anos, congressos de cidadãos, e eu penso que essa foi a base da evolução da cidade – envolver as gentes e construir um acordo coletivo. Aqui começou um grande processo de desenvolvimento da cidade e de combate ao narcotráfico e violência.

Que mecanismos institucionais foram usados para manter esta evolução ao longo dos anos?

O planeamento tornou-se no instrumento principal, criando-se um sistema municipal de planeamento participativo em que há estratégias para os bairros e comunidades locais, assente numa forte dinâmica de pensamento coletivo. Quase todas as cidades do mundo têm diagnóstico, no entanto, quase nenhuma tem um projeto a longo prazo. Formou-se também um novo governo. No setor político, surgiram pessoas novas e com novas ideias, que participaram neste processo de renovação e que se vão tornar atores políticos posteriormente.

Um processo tem duas fases: o diálogo coletivo, e, com a mudança de século, os feitos concretos sobre a cidade. Em 1997 formou-se o plano estratégico da cidade, que se estendeu até 2015, como um guião que toda a sociedade teria de empreender. Uma das conclusões que se pode retirar destes anos é que há que unir todos os setores (académico, público e social) e entender que a igualdade e inclusão são as grandes prioridades. Que só restaurando as brechas sociais é possível melhorar a economia e promover a convivência e paz numa sociedade viável.

Apesar das mudanças no governo, as instituições fortaleceram-se, desenvolvendo um sentimento democrático. Quando os indicadores de violência foram decrescendo, cada vez mais oportunidades surgiram para o investimento. O esplendor do urbanismo e da infraestrutura que surgiu neste início de século foi criado para gerar inclusão. Todos os equipamentos sociais que fazem com que uma sociedade possa viver melhor foram incluídos na agenda urbana, e, como consequência, os indicadores de desemprego diminuíram, houve a superação da pobreza extrema e da pobreza, conseguimos atingir melhores indicadores de igualdade… A cidade tem os mais altos indicadores do país na avaliação que o governo colombiano faz sobre o desempenho das cidades – os melhores indicadores de qualidade na gestão. Isto não quer dizer que estejamos numa situação ideal. Temos, ainda assim, muitos problemas de desigualdade, de precariedade… O mérito valioso de Medellín é mostrar como, a partir de uma gravíssima crise, hoje somos uma sociedade possível e viável.

A cidade é um exemplo global. Recebeu o Prémio Lee Kuan Yew, que é o prémio mais importante do mundo. Claro que há gente que se surpreende: nós não somos melhor que Viena, Sidney ou Toronto (países que ganharam menções honrosas). Mas, o que importa é que, quando se olha para a nossa cidade, é possível imaginar que ela vai chegar ao patamar destas grandes cidades. Medellín é uma inspiração de boas práticas.

Qual foi a influência da cultura e da educação na transformação de Medellín?

A Educação e a Cultura representaram um dos papéis mais bonitos para a renovação de Medellín. Um dos fenómenos das novas metrópoles é o crescimento populacional – o problema das cidades não é tanto físico como humano. A cidade são as pessoas. Mas, o que nós temos é uma grande quantidade de população e não de cidadãos (o conceito compreendido como cidadãos de plenos direitos e deveres). Formar uma cidadania é muito complicado, tanto como resolver a crise. Através do diálogo social, construímos uma noção de sociedade. Desde os passos tomados pela constituição do departamento presidencial que houve um considerável crescimento da literatura, dos museus… ou mesmo das bandas juvenis, como mecanismo de contrariar a tendência para a integração dos jovens em grupos delinquentes.

Surgiu, por exemplo, a fundação Prometeo, que criou o Festival Internacional de Poesia de Medellín, que hoje é um dos festivais mais importantes do mundo, e nasceu também de uma organização comunitária. A história mostra que muitas cidades em crise foram produtoras de grandes artistas e intelectuais. Existe uma grande mescla entre delinquentes e artistas. Este contraste social faz da cultura uma porta muito importante para superar as precariedades.

De que forma Medellín pode ser uma cidade apelativa para o investimento das empresas portuguesas?

Um dos graves problemas que resultou da crise de Medellín foi o desconectar da economia global, perdendo a possibilidade de aí ser um ator internacional. A cidade conheceu um avanço muito grande, todavia com dificuldades, temos desenvolvido uma economia de serviços e comércio, uma rede de clusters que coordenam interesse público e privado e onde se incluem as telecomunicações, a saúde, a energia… mas a cidade tem tido também uma expansão forte em turismo,recebendo grandes eventos e congressos. Os prémios que tem recebido evidenciam esse sucesso. Queremos que a cidade seja um centro de investimento. É uma sociedade com um relevante capital humano, que interessa a um setor de produtividade e empresarial. Existe um sistema de telecomunicações e serviços forte, porque temos o grupo EPM, (uma empresa 100% pública, e a segunda maior companhia da Colômbia, que assegura não só os serviços públicos de grande qualidade, mas também a estabilidade institucional local, sendo que 20 a 30% das receitas anuais da empresa revertem para o município), um bom sistema de transporte e mobilidade pública.

Medellín é hoje um foco de interesse para os investidores internacionais porque há muitos negócios a nível de comércio, indústria, imobiliário e infraestrutura. Existe ainda uma proposta de renovação urbana de grande escala. O facto de a cidade ter um plano de crescimento a longo prazo é favorável. Prevê-se que nos próximos anos haja a construção de mais 100 mil novas vivendas. Todos estes fatores tornam a cidade atrativa.

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